quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Carnificina climática


Em visita recente ao Paquistão, o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, obrigou-nos a encarar a “carnificina climática” (expressão sua) que aí testemunhou. Os eventos extremos que assolaram o país nos últimos meses oferecem-nos um vislumbre de um futuro marcado pelo exacerbamento das alterações climáticas, especialmente em territórios vulneráveis que enfrentam, simultaneamente, crises humanitárias, económicas e políticas. 

No Paquistão, a crise climática desenrola-se num cenário que tem como pano de fundo uma crise financeira e a escalada do conflito político entre o Governo, liderado por Shehbaz Sharif, e o anterior Primeiro-ministro, Imran Khan. A precipitação extrema e as inundações dos últimos meses, precedidas de uma onda de calor em que as temperaturas atingiram os 50ºC, provocaram milhares de mortos e milhões de desalojados. Um terço do Paquistão ficou submerso e é expectável que os prejuízos ultrapassem a estimativa inicial de 10 mil milhões de dólares. Uma parte significativa das colheitas de algodão e de arroz ficaram destruídas e o êxodo rural intensifica-se. O preço dos alimentos e de outros bens essenciais disparou e as cadeias de abastecimento sofreram graves disrupções. As infraestruturas e os serviços públicos são incapazes de responder à crise humanitária. 

A “catástrofe climática da década”, como lhe chamou a ministra das Alterações Climáticas, Sherry Rehman, multiplica e acentua os efeitos das crises previamente existentes, demonstrando como as consequências das alterações climáticas não atuam no vazio. 

Em agosto, o FMI aprovou um pacote de 1,1 mil milhões de dólares para evitar que o Paquistão entrasse em incumprimento. A chantagem é a mesma do costume: assistência financeira em troca da imposição de medidas de austeridade e a implementação de “reformas estruturais”. O Governo viu-se assim forçado a aceitar o aumento do preço da eletricidade, do gás e dos combustíveis. A impopularidade destas medidas, a par da expectável contração do crescimento económico nos próximos anos, adensa a instabilidade política. 

O Paquistão é um dos países mais vulneráveis em relação às alterações climáticas, embora pouco ou nada tenha contribuído para o seu desencadeamento. Vê-se a braços com crises que se reforçam mutuamente e que jamais poderá superar sob o jugo da dívida. Contudo, o Paquistão é só o primeiro exemplo de uma carnificina climática que não podemos ignorar, nem muito menos naturalizar. 

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