Na TVI, António Costa defendeu-se, atacando.
Quando questionado sobre se os pensionistas não iam ficar prejudicados face àqueles 6 milhões de portugueses que vão receber um apoio extraordinário de 125 euros, disse:
António Costa (AC): - Não. (...) Para todos os pensionistas cujas pensões estão sujeitas a actualização, até 5300 euros, haverá um suplemento extraordinário correspondente a 50% do valor da sua pensão. Até ao próximo dia 8/10...
José Alberto Carvalho (JAC): - Mas isso não significa que os pensionistas vão receber mais...
AC: - Posso terminar? Até ao próximo dia 8/10, todos os pensionistas da Segurança Social receberão pensão e meia. No dia 19/10, todos os pensionistas da Caixa Nacional de Pensões [Caixa Geral de Aposentações ou Centro Nacional de Pensões?] receberão pensão e meia. Portanto, é um suplemento extraordinário (...) Varia obviamente do montante da pensão - metade é metade (...) - mas creio que não há nenhuma pensão em que o suplemento extraordinário seja inferior aos 125 euros.
Pedro Santos Guerreiro (PSG): - Mas ao dividir em metade este ano e metade no próximo ano, está a prejudicá-los no futuro. A prejudicá-los a partir de 2024. Já todos percebemos o truque de retórica, mas aconteça o que acontecer, por causa de uma medida tomada, em 2024 os pensionistas vão perder poder de compra.
AC: - Primeiro, não há truque nenhum. Nem de retórica, nem de coisa nenhuma. (...) Nós temos um suplemento extraordinário que pagamos em Outubro. Ponto final. Tivemos aliás a transparência, no discurso que apresentei, de dizer não só qual é o suplemento extraordinário que pagamos em Outubro, como anunciar desde já que vamos apresentar na Assembleia da República (AR) uma proposta - que será discutida na próxima 6ªfeira - para fixar o aumento das pensões para 2023. Se quisesse fazer algum truque, teria apenas apresentado o suplemento extraordinário, nada tinha dito sobre as pensões do próximo ano, porque como sabe só em Novembro é que se costuma anunciar qual é o aumento (...). E eu quis fazê-lo já porque quis deixar desde já claro que iremos apresentar na AR uma lei para vigorar em 2023 (...).
PSG: - Qualquer que seja o aumento decidido daqui a um ano, haverá sempre uma perda dos pensionistas em relação do poder de compra face àquilo que seria a aplicação normal da lei.
AC: - Eu fui muito claro na minha intervenção. O que eu disse é que, entre o suplemento extraordinário e o montante que propusemos à AR que seja o aumento do próximo ano, garantimos que até ao final de 2023 (...) os pensionistas recuperarão o poder de compra face à inflação deste ano. (...)
JAC: - Porque utiliza a expressão na negativa "Não vão perder poder de compra?
AC: - Pelo seguinte... Haa.. Nós temos duas preocupações. Garantir o poder de compra dos pensionistas - e portanto entre o suplemento extraordinário e o aumento proposto, cobre aquilo que é a inflação prevista para este ano. E temos outra preocupação fundamental que é garantir a sustentabilidade futura da Segurança Social. E aquilo que não poderíamos fazer, de uma forma responsável, era ter um ano de inflação absolutamente extraordinário e atípico (...) e transformar esta inflação extraordinária e atípica deste ano com um efeito permamente.
Resumindo:
O dito suplemento extraordinário (expressão que AC usou oito vezes!) não é nem suplemento nem extraordinário. É um mero adiantamento por conta do aumento que os pensionistas teriam em 2023 para cobrir a inflação verificada em 2022, tal como está previsto na lei que regula a actualização das pensões.
E portanto, primeiro, os pensionistas - sim! - vão ficar prejudicados face aos outros cidadãos que vão receber 125 euros, embora sejam relativamente favorecidos, já a grande maioria dos trabalhadores terão fortes quebras de poder de compra em 2022, bem superiores aos 125 euros que vão receber do Estado.
Segundo e caso não sejam tomadas medidas em contrário, os pensionistas vão perder poder de compra - aí na linha dos restantes cidadãos. E António Costa sabe-o e não o diz, apesar de instado por diversas vezes. Porquê? Porque o "suplemento extraordinário"servirá, sim, para reduzir a pensão tida como referência para o aumento de 2024. E isso acontece, alegadamente, porque o Governo quer confundir inflação (aumento geral de preços) com nível geral de preços (sobre o qual incide a inflação). Porque, a dita inflação "absolutamente extraordinária e atípica" vai se tranformar de forma permanente num nível geral de preços "extraordinário e atípico" que as pensões nunca irão acompanhar porque AC não quer actualizar as pensões de acordo com a inflação verificada. Porquê? Porque isso iria - diz ele e está por provar - prejudicar a sustentabilidade da Segurança Social.
António Costa reabre, asim, de forma abrupta - como é habitual na direita - o capítulo da insustentabilidade da Segurança Social, geralmente usado para a introdução de condições mais recuadas de protecção social. E fá-lo, de forma leviana e mal preparada, adiantando números que mais ninguém conhece, alegando que a manutenção do poder de compra das pensões faria recuar a sustentabilidade do sistema em 13 anos (!).
Ora, sobre estas declarações, o que disse Luís Montenegro, presidente do PSD?
“Eu não julgo que ele queira prejudicar as pessoas, não é isso que eu quero afirmar aqui. O que eu quero é que ele seja corajoso e verdadeiro. O que eu quero é que ele fundamente as suas decisões e depois vamos discutir se elas estão certas ou estão erradas”, esclareceu.
Por outras palavras: Montenegro parece concordar com o corte nas pensões, subjacente à medida anunciada pelo primeiro-ministro. O seu tom pode parecer crítico:
“Não pode brincar com as palavras. O Governo decidiu um corte de mil milhões de euros no sistema de pensões. Isso é inegável, eu diria mesmo que isso é matemático (...). Quem dá hoje aquilo que tira amanhã não está a dar ajuda nenhuma, a ajuda é rigorosamente zero, quando muito será apenas uma ajuda em termos de 'timing'. Antecipou o pagamento de mil milhões de euros, que seria devido através da lei (...). Ao fazer isso, diminui a base sobre a qual os aumentos de pensões de 2023 em diante partem com mil milhões de euros a menos e, portanto, todos os aumentos estão condicionados a essa base”.
Mas face a esta crítica, certeira, Montenegro o que faz? Poderia propor: não, senhor primeio-ministro, aplique a fórmula em vigor, aplique os aumentos lá previstos. Mas não disse isso:
Montenegro desafiou antes o primeiro-ministro a deixar “este estilo de cobardia política” e a dizer aos portugueses: “eu estou a tirar mil milhões de euros ao sistema de pensões para as tornar mais sustentáveis no médio e no longo prazo”.
Por outras palavras: pestá autorizado pelo PSD a cortar nas pensões, mas diga-o que o faz, para eu não ter de dizer que concordo consigo. Aliás, foi o PSD de Passos Coelho/Paulo Portas/Montenegro que deixara previsto junto de Bruxelas um corte de 600 milhões de euros, caso fosse Governo, após as eleições legislativas de 2015.
O mais estranho é que o PS e o Governo, no Parlamento, têm criticado repetidamente esse potencial corte de pensões prometido à Comissão Europeia, mas acabam por aplicar a mesma receita. Desta vez e tal como Passos Coelho, em nome da sustentabilidade da Segurança Social.
Se Montenegro apenas quer que Costa venha ao seu encontro e Costa dá todos os sinais nesse sentido, resta saber se o PS está na disposição de querer que Costa lhe faça vontade, alinhando - tal como noutros temas - com Marcelo Rebelo de Sousa.
Se for esse o caso no capítulo da Segurança Social, então é bastante grave. Sigam-se os próximos capítulos.
3 comentários:
Essa do recuo de 13 anos na sustentabilidade da SS merecia uma valente bolachada. Um discurso terrorista (imposição pelo medo), tal como um Bolsonaro, que não se pode admitir. E depois, chegam-me aos ouvidos que a imprensa é livre... tão presa que está a meia dúzia de sinapses ideológicas sem qualquer respaldo concreto e material, que não consegue exigir na hora, cara a cara, os números e os cálculos de tamanho malabarismo. Ou, como seria de esperar, de confrontá-los.
Uma belíssima entrevista. Dela só consigo concluir o seguinte: a comunicação mediática está tão esvaziada de conteúdo concreto, com base em conceções tão liberais quanto inverificáveis na realidade, que quando entrevistam um primeiro-ministro, como ontem, aquilo que se retém é uma grande trama de imobilidade. Uma espécie de nada.
Assim vamos continuar "livres" de votar em políticos que ora não sabem o que é carga fiscal, ora não sabem o que é inflação... o que se seguirá?
António Costa é um excelente exemplo dos políticos da actualidade, diz o que for preciso para manter inconfessáveis os verdadeiros interesses que comandam a sua acção. Muitas das virgens ofendidas que agora criticam o dito senhor são as mesmas que há uns tempos lhe deram a maioria absoluta, a hipocrisia é qualidade numa sociedade decadente.
Uma mente de esquerda tem de combater a colonização ideológica em curso: expressões insidiosas como "carga" fiscal ou "mercado'" de trabalho são todo um programa (neo)liberal...
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