terça-feira, 13 de setembro de 2022

Críticas que são de amor

 

Na TVI, António Costa defendeu-se, atacando. 

Quando questionado sobre se os pensionistas não iam ficar prejudicados face àqueles 6 milhões de portugueses que vão receber um apoio extraordinário de 125 euros, disse: 

António Costa (AC): - Não. (...) Para todos os pensionistas cujas pensões estão sujeitas a actualização, até 5300 euros, haverá um suplemento extraordinário correspondente a 50% do valor da sua pensão. Até ao próximo dia 8/10...

José Alberto Carvalho (JAC): - Mas isso não significa que os pensionistas vão receber mais...

AC: - Posso terminar? Até ao próximo dia 8/10, todos os pensionistas da Segurança Social receberão pensão e meia. No dia 19/10, todos os pensionistas da Caixa Nacional de Pensões [Caixa Geral de Aposentações ou Centro Nacional de Pensões?] receberão pensão e meia. Portanto, é um suplemento extraordinário (...) Varia obviamente do montante da pensão - metade é metade (...) - mas creio que não há nenhuma pensão em que o suplemento extraordinário seja inferior aos 125 euros. 

Pedro Santos Guerreiro (PSG): - Mas ao dividir em metade este ano e metade no próximo ano, está a prejudicá-los no futuro. A prejudicá-los a partir de 2024. Já todos percebemos o truque de retórica, mas aconteça o que acontecer, por causa de uma medida tomada, em 2024 os pensionistas vão perder poder de compra.   

AC: - Primeiro, não há truque nenhum. Nem de retórica, nem de coisa nenhuma. (...) Nós temos um suplemento extraordinário que pagamos em Outubro. Ponto final. Tivemos aliás a transparência, no discurso que apresentei, de dizer não só qual é o suplemento extraordinário que pagamos em Outubro, como anunciar desde já que vamos apresentar na Assembleia da República (AR) uma proposta - que será discutida na próxima 6ªfeira - para fixar o aumento das pensões para 2023. Se quisesse fazer algum truque, teria apenas apresentado o suplemento extraordinário, nada tinha dito sobre as pensões do próximo ano, porque como sabe só em Novembro é que se costuma anunciar qual é o aumento (...). E eu quis fazê-lo já porque quis deixar desde já claro que iremos apresentar na AR uma lei para vigorar em 2023 (...).  

PSG: - Qualquer que seja o aumento decidido daqui a um ano, haverá sempre uma perda dos pensionistas em relação do poder de compra face àquilo que seria a aplicação normal da lei. 

AC: - Eu fui muito claro na minha intervenção. O que eu disse é que, entre o suplemento extraordinário e o montante que propusemos à AR que seja o aumento do próximo ano, garantimos que até ao final de 2023 (...) os pensionistas recuperarão o poder de compra face à inflação deste ano. (...)

JAC: - Porque utiliza a expressão na negativa "Não vão perder poder de compra?

AC: - Pelo seguinte... Haa.. Nós temos duas preocupações. Garantir o poder de compra dos pensionistas - e portanto entre o suplemento extraordinário e o aumento proposto, cobre aquilo que é a inflação prevista para este ano. E temos outra preocupação fundamental que é garantir a sustentabilidade futura da Segurança Social. E aquilo que não poderíamos fazer, de uma forma responsável, era ter um ano de inflação absolutamente extraordinário e atípico (...) e transformar esta inflação extraordinária e atípica deste ano com um efeito permamente. 

Resumindo:

 

O dito suplemento extraordinário (expressão que AC usou oito vezes!) não é nem suplemento nem extraordinário. É um mero adiantamento por conta do aumento que os pensionistas teriam em 2023 para cobrir a inflação verificada em 2022, tal como está previsto na lei que regula a actualização das pensões. 

E portanto, primeiro, os pensionistas - sim! - vão ficar prejudicados face aos outros cidadãos que vão receber 125 euros, embora sejam relativamente favorecidos, já a grande maioria dos trabalhadores terão fortes quebras de poder de compra em 2022, bem superiores aos 125 euros que vão receber do Estado.

Segundo e caso não sejam tomadas medidas em contrário, os pensionistas vão perder poder de compra - aí na linha dos restantes cidadãos. E António Costa sabe-o e não o diz, apesar de instado por diversas vezes. Porquê? Porque o "suplemento extraordinário"servirá, sim, para reduzir a pensão tida como referência para o aumento de 2024. E isso acontece, alegadamente, porque o Governo quer confundir inflação (aumento geral de preços) com nível geral de preços (sobre o qual incide a inflação). Porque, a dita inflação "absolutamente extraordinária e atípica" vai se tranformar de forma permanente num nível geral de preços "extraordinário e atípico" que as pensões nunca irão acompanhar porque AC não quer actualizar as pensões de acordo com a inflação verificada. Porquê? Porque isso iria - diz ele e está por provar - prejudicar a sustentabilidade da Segurança Social. 

António Costa reabre, asim, de forma abrupta - como é habitual na direita - o capítulo da insustentabilidade da Segurança Social, geralmente usado para a introdução de condições mais recuadas de protecção social. E fá-lo, de forma leviana e mal preparada, adiantando números que mais ninguém conhece, alegando que a manutenção do poder de compra das pensões faria recuar a sustentabilidade do sistema em 13 anos (!).

Ora, sobre estas declarações, o que disse Luís Montenegro, presidente do PSD?

“Eu não julgo que ele queira prejudicar as pessoas, não é isso que eu quero afirmar aqui. O que eu quero é que ele seja corajoso e verdadeiro. O que eu quero é que ele fundamente as suas decisões e depois vamos discutir se elas estão certas ou estão erradas”, esclareceu. 

Por outras palavras: Montenegro parece concordar com o corte nas pensões, subjacente à medida anunciada pelo primeiro-ministro. O seu tom pode parecer crítico: 

“Não pode brincar com as palavras. O Governo decidiu um corte de mil milhões de euros no sistema de pensões. Isso é inegável, eu diria mesmo que isso é matemático (...). Quem dá hoje aquilo que tira amanhã não está a dar ajuda nenhuma, a ajuda é rigorosamente zero, quando muito será apenas uma ajuda em termos de 'timing'. Antecipou o pagamento de mil milhões de euros, que seria devido através da lei (...). Ao fazer isso, diminui a base sobre a qual os aumentos de pensões de 2023 em diante partem com mil milhões de euros a menos e, portanto, todos os aumentos estão condicionados a essa base”.

Mas face a esta crítica, certeira, Montenegro o que faz? Poderia propor: não, senhor primeio-ministro, aplique a fórmula em vigor, aplique os aumentos lá previstos. Mas não disse isso:

Montenegro desafiou antes o primeiro-ministro a deixar “este estilo de cobardia política” e a dizer aos portugueses: “eu estou a tirar mil milhões de euros ao sistema de pensões para as tornar mais sustentáveis no médio e no longo prazo”.

Por outras palavras: pestá autorizado pelo PSD a cortar nas pensões, mas diga-o que o faz, para eu não ter de dizer que concordo consigo. Aliás, foi o PSD de Passos Coelho/Paulo Portas/Montenegro que deixara previsto junto de Bruxelas um corte de 600 milhões de euros, caso fosse Governo, após as eleições legislativas de 2015. 

O mais estranho é que o PS e o Governo, no Parlamento, têm criticado repetidamente esse potencial corte de pensões prometido à Comissão Europeia, mas acabam por aplicar a mesma receita. Desta vez e tal como Passos Coelho, em nome da sustentabilidade da Segurança Social.  

Se Montenegro apenas quer que Costa venha ao seu encontro e Costa dá todos os sinais nesse sentido, resta saber se o PS está na disposição de querer que Costa lhe faça vontade, alinhando - tal como noutros temas - com Marcelo Rebelo de Sousa. 

Se for esse o caso no capítulo da Segurança Social, então é bastante grave. Sigam-se os próximos capítulos.


3 comentários:

Anónimo disse...

Essa do recuo de 13 anos na sustentabilidade da SS merecia uma valente bolachada. Um discurso terrorista (imposição pelo medo), tal como um Bolsonaro, que não se pode admitir. E depois, chegam-me aos ouvidos que a imprensa é livre... tão presa que está a meia dúzia de sinapses ideológicas sem qualquer respaldo concreto e material, que não consegue exigir na hora, cara a cara, os números e os cálculos de tamanho malabarismo. Ou, como seria de esperar, de confrontá-los.

Uma belíssima entrevista. Dela só consigo concluir o seguinte: a comunicação mediática está tão esvaziada de conteúdo concreto, com base em conceções tão liberais quanto inverificáveis na realidade, que quando entrevistam um primeiro-ministro, como ontem, aquilo que se retém é uma grande trama de imobilidade. Uma espécie de nada.

Assim vamos continuar "livres" de votar em políticos que ora não sabem o que é carga fiscal, ora não sabem o que é inflação... o que se seguirá?

Anónimo disse...

António Costa é um excelente exemplo dos políticos da actualidade, diz o que for preciso para manter inconfessáveis os verdadeiros interesses que comandam a sua acção. Muitas das virgens ofendidas que agora criticam o dito senhor são as mesmas que há uns tempos lhe deram a maioria absoluta, a hipocrisia é qualidade numa sociedade decadente.

Anónimo disse...

Uma mente de esquerda tem de combater a colonização ideológica em curso: expressões insidiosas como "carga" fiscal ou "mercado'" de trabalho são todo um programa (neo)liberal...