terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Porque é que os salários não estão a subir em Portugal? (e não, não são os impostos)

2022 começou com perspetivas de perda de poder de compra para a maioria das pessoas. Não por acaso, a estagnação dos salários médios em Portugal tem sido um dos temas mais discutidos ao longo desta campanha eleitoral. Embora o fenómeno não seja novo nem exclusivo de Portugal, há alguns fatores nacionais que ajudam a explicar o facto de os salários estarem a ficar para trás, tanto no setor público como no privado.

No caso do setor público, a perda é significativa: o aumento salarial proposto pelo Governo (0,9%) não chega para compensar a inflação média registada no ano passado (1,3%) e fica bastante aquém da inflação média que o Banco de Portugal projeta para este ano (1,8%). É o que acontece também no caso das pensões. Se a proposta do Governo avançar, os funcionários públicos perspetivam mais um ano em que veem o seu poder de compra diminuir, à semelhança do que tem acontecido nas últimas duas décadas. Por força da estratégia de contenção orçamental do Governo, continuarão a ter cortes nos rendimentos reais. Não é difícil adivinhar o impacto que tem tido na motivação dos funcionários e na eficiência dos serviços públicos.

No setor privado, ainda não é certo que o crescimento dos salários fique abaixo da inflação, porque muitas empresas ainda não tomaram decisões. Mas há dois fatores essenciais que dificultam a negociação e que continuam a puxar os salários para baixo. E, ao contrário do que a direita tem apontado, nenhum deles se prende com os custos que as empresas suportam com impostos e contribuições para a Segurança Social - até porque, neste indicador, Portugal se encontra abaixo da média da União Europeia e atrás da maioria dos países mais desenvolvidos da região.


O primeiro fator é o declínio da organização coletiva no trabalho: a densidade sindical (percentagem de trabalhadores sindicalizados na força de trabalho total) caiu de 60,8% em 1978 para apenas 15,3% em 2016, segundo os dados da OCDE. O enfraquecimento dos sindicatos tem-se traduzido em menos poder negocial perante os patrões. O segundo fator é a desregulação laboral e a precarização do trabalho. Portugal já é um dos países da União Europeia com maior peso dos contratos precários e os efeitos desta recomposição laboral têm-se feito sentir nos salários. Quem o reconhece é a própria Comissão Europeia, num estudo publicado em 2015, em que se conclui que existe um diferencial salarial entre contratos precários e permanentes e que este é maior nos países com maior percentagem de precários, como Portugal.

De facto, a evidência empírica aponta para a existência de uma relação entre a desregulação laboral e a redução da wage share (a fração do rendimento produzido numa economia que é recebida pelo fator trabalho, ou seja, a fatia do bolo que cabe aos trabalhadores). Foi isso que foi identificado por três investigadores do FMI num estudo sobre 26 economias avançadas, entre as quais a portuguesa, onde a fração do rendimento recebido pelo trabalho tem vindo a cair desde a adesão ao Euro (com uma ligeira inversão durante o período da Geringonça). Como é que se explica a oposição do Governo às propostas da esquerda para reverter medidas da Troika que embarateceram os despedimentos e fragilizaram a posição dos trabalhadores?

Quando se discute a evolução dos salários no país, a maioria dos economistas costuma associá-la ao desempenho da produtividade do trabalho. É verdade que Portugal tem um problema de fraca produtividade, por motivos que se relacionam com o padrão de especialização da economia e com a dependência de setores com pouco potencial produtivo (como o turismo, a restauração ou o imobiliário). Esse problema resulta de o Estado ter abdicado de instrumentos de política industrial, reduzido o investimento público e deixado o desenvolvimento da estrutura produtiva nas mãos do mercado. No entanto, isso não chega para explicar a estagnação dos salários, que não têm sequer acompanhado o crescimento da produtividade nas últimas duas décadas e que beneficiam as empresas que preferem apostar nesse modelo em vez de investir e inovar. E não justifica que se ignorem os outros mecanismos que contribuem para a supressão salarial, sobre os quais o Governo tem o poder de intervir no curto prazo.

(Nota: o primeiro parágrafo foi revisto após a publicação).

2 comentários:

Anónimo disse...

Se os impostos fossem a causa dos baixos salários, a Bélgica, com imposto total de 79,5% no escalão mais alto, não teria um salário mínimo de 1600€ por mês.

Anónimo disse...

Acho algumas das considerações feitas neste artigo inverosímeis e politicamente motivadas. Todos são livres de defender o regime que quiserem, maiorias de esquerda ou de direita, mas devem assumir as razões pelas quais o fazem. A realidade não se muda por decreto, os indicadores são públicos e por este caminho vamos, na melhor das hipóteses, continuar muito longe do nosso potencial.
A riqueza aumenta-se de duas formas: ou se cria valor ou tiramo-la a alguém. Os nossos governantes insistem na segunda, o que tem desde logo 3 consequências: crescemos pouco, somos ultrapassados e, acima de tudo, e ao contrário da criação de valor, em que todos ganham, quem recebe rendas ganha e quem as paga perde e não fica feliz.
Resta saber como criar valor. Não me parece que seja da forma preconizada neste artigo, basta ver a realidade.