O texto é um apelo a que a sociedade não se radicalize. Um apelo a que a comunicação social - que grita sempre mais alto que o seu "adversário" do jornal ao lado - não contribua para essa radicalização. Um apelo a que os cidadãos não se deixem contaminar pelo ambiente de vistas curtas e curtos debates em que qualquer gajo é comentador, em que se vê fascismo onde existe extrema-direita...
Mas a Teresa de Sousa esquece várias coisas. O seu texto devia ter começado assim: eu, jornalista do Público, assalariada da empresa proprietária do jornal, ganho mensalmente a quantia "x".
É que se a T de S não fosse assalariada da sociedade proprietária do jornal, com um contrato permanente (aliás, quase perpétuo a julgar pela quantidade de gente que, entretanto, por lá passou sem que ela tivesse saído), mas sim uma contratada a prazo de uma das centenas de empresas de trabalho temporário; se a T de S tivesse um contrato temporário a prazo e fosse cedida para trabalhar numa outra empresa criada para instalar um call-center para outra empresa e em que, portanto, o seu ordenado não fosse um ordenado, mas uma percentagem do ordenado que ganharia se fosse assalariada da empresa beneficiária do trabalho temporário; e se a T de S ganhasse em função do ritmo de mata-cavalos, em que atende clientes e faz relatórios ao mesmo tempo, em que tem pouco tempo para ir à casa de banho e comer, sempre com um chefe em cima, e em que fosse avaliada - e paga - pelos seus clientes que a tratam miseravelmente porque a T de S seria a cara do mau funcionamento da empresa que quer um call-center assim, e cuja avaliação aparecesse escarrapachada na parede em frente de todos... Se fosse assim, talvez a T de S não se indignasse moderadamente. Ou nem se indignasse de todo, porque a frustração e prostração é total. Porque se sabe que, caso desista de um trabalho assim, o que surgirá será ainda pior...
A T de S que pede "nuances" no pensamento e a essencial compreensão da "cor dos olhos dos inimigos" que evite a radicalização, não entende o seu próprio contributo para esta realidade. Porque a T de S sempre foi aquela fundamentalista acrítica deste sistema instalado na UE em que os países pobres - tidos como cigarras - são sugados em recursos económicos, impostos e mão-de-obra qualificada para as "frugais" "formigas" do centro da Europa que exportam para o sul os seus custos de saúde com os seus "velhos" e nos remetem em compensação os seus "turistas" - porque Portugal é visto apenas como uma praia - que, num ápice, como se viu, podem desaparecer e nos deixam descalços e mais pobres.
A T de S foi aquela fundamentalista acrítica de tudo o que fosse mais Europa e menos país soberano. Elegíamos políticos portugueses, mas quem mandava eram outros (algo que contribui para a ideia de inutilidade dos políticos). A T de S alinhou na "Europa connosco" de 1976-1986, no Relatório Delors de 1989 - que iniciará o processo de edificação institucional da moeda única europeia - no Tratado de Maastricht de 1992 e na “fixação irrevogável das taxas de câmbio” de 1999, na abertura política a leste e no desmantelar das barreiras alfandegárias no século XXI, culminando no Semestre Europeu em que até as "ajudas" à pandemia vão ser escrutinadas com condições férreas, como uma trela paternalista e colonialista, querendo obrigar a mais mexidas... nas leis laborais.
Se a T de S fosse essa assalariada de call-center, ou uma empregada de limpeza que viva na linha Amadora/Sintra (sim, nessa linha altamente contaminada), ou um imigrante das estufas, ou uma empregada de segurança, ou até uma operária industrial nortenha a ganhar um salário mínimo mensal, talvez sentisse - com os seus conhecimentos sobre a Europa - o pesadelo em que a sua vida se tornara. E saberia que, vestida com essa camisa de 11 varas, sentada ao final do dia ou na madrugada do dia seguinte ao fim de uma noite de trabalho, poderia beber moderadamente a sua cicuta.
Ou indignar-se.
7 comentários:
Muito bom
É preciso começar a dar voz a quem ê esmagado. T de S faz parte do rolo compressor
Acrescento eu: “eu, jornalista do Público, assalariada da empresa proprietária do jornal, empresa que tem o seu grande negócio sustentado por baixos salários e precariedade…”
E assim se percebe o porquê do Panfleto de Referência Europeísta Público ser dirigido por indivíduos aduladores de Passos Coelho, União Europeia e “Não Há Alternativa”.
O texto de João Ramos de Almeida não é apenas uma crítica a Teresa de Sousa, ou T de S, é uma crítica a toda comunicação - manipulação - social, especialmente uma crítica a esta gente “muito séria” e “moderada” que nos tenta convencer que o Euro serviu para desenvolver Portugal e contribuir para o bem-estar generalizado da população, claro, pura fantasia europeísta que os últimos 20 anos, os 20 anos do Euro, provam ser exactamente isso, uma fantasia que saiu muito cara à generalidade da população portuguesa.
Considero ser crucial que a população entenda que estas pessoas como T de S, Manuel Carvalho e outros(as) não são guardiões dos interesses da população nem da Democracia.
Esta gente “muito séria” e “moderada” estão nas posições de privilégio para servir os interesses de quem lhes paga.
O ataque do neoliberalismo deu-se em várias frentes: a política, as universidades, os media e, no meio disto tudo, os think-tanks.
A lubrificar tudo, o dinheiro dos DDT, incluindo os portugueses.
Os media privados são controlados pelos acionistas e os media públicos pelos sacos azuis dos DDTs (basta pagar ao diretor de informação, aos pivots e a mais um ou dois big-shots e tudo se transforma).
Dizia um jornaleiro da RTP, numa entrevista, as últimas eleições "as propostas do bloco são insensatas..." Não, o jornaleiro não achava insensatos os 25 biliões que se derreteram nos bancos, cujos calotes estavam perfeitamente identificados, tanto a montante como a jusante e que levaram à incrível cifra de O (zero) prisões.
Jornaleiros não faltam.
É pena não haverem agora fugas de informação.
Dava jeito conhecer a lista que o ferreira dizia que conhecia, sobre os "salários do saco azul" do BES.
Nem o hacker nos serve: afinal, só serviu para lixar a cleptocracia angolana.
Sugiro, mais uma vez, que se leia o excelente artigo de Bárbara Reis dedicado ao deputado da Iniciativa Liberal, só para se ver que a UE de facto serve para alguma coisa e não se resume a uma cáfila de pérfidos burocratas. Dá jeito ter um bicho papão a quem podemos assacar todas as culpas:
https://www.publico.pt/2019/12/13/politica/opiniao/813-milhoes-esmolas-deputado-cotrim-ajudou-gerir-1897184
Eu lembro-me bem do que aconteceu nos anos 80 depois da acção do Silva da Finanças, Ministro do Cavaco. Não me lembro dos disparates da 'Economia de Abril', e sinceramente, sem indignação (mas arranja-se, não se preocupe), não quero voltar para lá. Lembro-me da miséria, do frio que passávamos nas escolas, dos rios poluídos, das praias sujas, do património a cair aos bocados, da inexistência de investigação científica, e por aí a fora.
Talvez estas coisas não digam muito a quem hoje tem um emprego desses que fala, mas eu gostava bem que comparasse o que temos agora com o que tínhamos então. Também me lembro da URSS ter falido de alto abaixo e termos percebido o quão mau o sistema alternativo do lado de lá da cortina de ferro era.
A indignação dá jeito porque normalmente ela anula a memória política...
Entretanto, espero que se surgir algum surto de Covid-19 na Festa do Avante!, as pessoas afectadas e o resto da sociedade se indignem moderadamente, só, porque senão não apenas o PCP mas toda a Esquerda vão enfiar um grande barrete que servirá sobretudo à Extrema-Direita.
A indignação, João Ramos de Almeida, assume muitas formas, e nem todas elas servem causas progressistas, lembre-se bem disso...
A coisa continua:
-"A lubrificar tudo, o dinheiro dos DDT, incluindo os portugueses." Os portugueses como donos disto tudo?
-"Os media privados são controlados pelos acionistas e os media públicos pelos sacos azuis dos DDTs"
Portanto temos que os media privados são controlados pelos accionistas e está portanto tudo bem
Os media públicos é que estão pior. São controlados pelos sacos azuis dos DDT
Isto é a sério?
"Nem o hacker nos serve"
O hacker serve a quem? Aos interesses particulares, ideológicos, de grupo ,de grupelho, neoliberais, neerlandeses?
Jaime Santos continua na dele. A impingir-nos a sua leitura de estimação
Está no seu direito.Mas começa mal, muito mal. Diz JS "que a UE de facto serve para alguma coisa e não se resume a uma cáfila de pérfidos burocratas"
Mas quem no seu perfeito juízo acha que a UE se resume a "isto"? Porquê usar eufemismos idiotas para tapar o que de facto é a UE? Fingir indigência mental ou pensar que os outros sofrem de tal é mau sinal . Cheira a demagogo em acção. Ainda por cima com pouco tino.
A coisa vai piorando
JS lembra-se "da miséria, do frio que passávamos nas escolas, dos rios poluídos, das praias sujas, do património a cair aos bocados, da inexistência de investigação científica, e por aí a fora."
Está a referir-se concretamente ao quê? Ao tempo de Salazar e Caetano?
É que suscita dúvidas quando refere à economia de Abril.O que quer mesmo dizer com isto? Que preferia o tempo antes da economia de Abril? Esse tempo de miséria e do frio associa concretamente a quê?
E quanto tempo durou a dita economia? E há quanto tempo duram as grilhetas de JS?
(Passamos por alto o reflexo condicionado de JS sobre a URSS. A fuga de JS para o outro lado da Europa significa apenas que JS está pífio ...de argumentos)
A indignação dá jeito. E JS demonstra que lhe dá muito jeitinho. Ei-lo todo indignado pelo facto do João Ramos de Almeida ter vindo aqui denunciar o mundo de trampa onde quem trabalha está muitas vezes atolhado.
E ainda por cima tem a lata de censurar. daquela forma aí expressa em cima, quem se indigna
"Anula a memória política", dirá. Será por isso que JS quer que nos esqueçamos que as suas odes às grilhetas de Bruxelas têm dois buracos enormes. Por um lado rasura o "mundo de amendoas e mel" dos que nos venderam a "europa connosco". O resultado está à vista. Os pesadelos também.
Mas há um outro aspecto que interessa denunciar e que mostra o duplo papel de JS nesta coisa toda, tentando já proteger os calcanhares de quem detém o poder . É que apesar desta historieta cor-de-rosa, o que JS se apressa hoje é vir prevenirmos é que todos vamos empobrecer.A começar pelos mais ricos (sic)
Como se sabe uma fábula que interessa à preparação de TINA parido no ventre desta UE neoliberal é sem escrúpulos. Entretanto os mais ricos ficam cada vez mais ricos
Não vale a pena sequer focar o desejo manifestado por JS por uma "indignação moderada" pela festa do Avante.O barrete enfia-o quem quer e JS já deu bem mostras do que quer.Ele bem tenta,mas nem sequer nisso é original
Agora falar da "indignação", como se ela tivesse conteúdo progressista per si?
A indignação deve-nos a não aceitar as coisas como elas estão.Mas isto é verdade tanto para o que se ofende e indigna com um crime , como para o criminoso que é preso com a mão na massa e que, indignado, quer fugir.
Tanto serve para quem se indigna com este estado de coisas, como quem se indigna pelo facto de haver quem não aceite este pesadelo que se quer impingir
Tudo depende de quem se indigna e dos motivos pelos quais o faz. E que interesses buscam uns e outros. Se os da libertação das grilhetas, se os da perpetuação das mesmas
Enviar um comentário