segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Working hypotheses


A análise estatística do Financial Times é brutalmente sugestiva: no fundo, quanto mais trabalhadores pouco qualificados existem num círculo eleitoral, maior é a transferência de votos dos trabalhistas para os conservadores. E, já se sabe, a classe trabalhadora inglesa revelou ser maioritariamente a favor do Brexit. Os conservadores serviram de veículo político para expressar esta prioridade.

Para um partido que foi formado pelo movimento operário está em causa, como disse uma antiga deputada trabalhista na BBC, “não meros círculos eleitorais, mas a alma do partido”. Esta desconexão não é de agora e tem causas socioeconómicas e sociopolíticas profundas. O extraordinário influxo de militantes, maioritariamente de classe média, ao partido trabalhista nos últimos anos não se traduziu numa maior mobilização da classe trabalhadora. Esta desconexão foi eleitoral e decisivamente acentuada pela posição do partido em relação ao Brexit, em particular a trágica decisão de não seguir propostas como a do Full Brexit, sítio onde de resto podem continuar a encontrar algumas das melhores análises e propostas.

Daí que seja interpelante a hipótese de termos assistido a mais uma revolta popular contra elites metropolitanas, que infelizmente acabaram por moldar a linha do partido nesta matéria. A liderança de Corbyn não teve a capacidade de contrariar a força destas elites, revelando fraqueza, o que tornou a campanha mediática contra ele mais eficaz.

Não se pode ignorar e apoucar objectivamente, e tantas vezes subjectivamente, a maior mobilização eleitoral de classe da história britânica. Como disse com ironia amarga Titania McGrath no twitter, olhando para as reacções mais estouvadas dos falsos amigos do trabalhismo depois das eleições, onde Paul Mason não podia faltar: “é tempo para a esquerda reflectir sobre o resultado das eleições; falhámos em conquistar as mentes e os corações dos nossos concidadãos e a conclusão que se impõe é que não os apodámos de racistas um número suficiente de vezes”.

Num partido que quer o socialismo, o programa de transição não basta, ainda para mais quando não enfrenta directamente o constrangimento europeu. O primado tem de ser da classe trabalhadora realmente existente, nacionalmente enraizada, base primordial de um bloco hegemónico mais vasto.

14 comentários:

Jose disse...

«O primado tem de ser da classe trabalhadora realmente existente, nacionalmente enraizada, base primordial de um bloco hegemónico mais vasto.»

Em geral, essa classe trabalhadora é a melhor tropa de assalto para instalar uma qualquer tirania; até que os seus dirigentes amoleçam após se instalarem no poder, podem garantir-se umas duas gerações.

No caso inglês, essa classe tem enraizada a memória de um império que desde o século 13 os mantém em luta com a Europa, nisso mobilizando o resto do reino que se diz unido; e por todo o tempo essa ambição de domínio sempre teve uma classe dirigente reconhecida e coerente nesse propósito.

Que esse factor seja instrumental para promover a acção dos inimigos da unidade europeia, não cabe a menor dúvida. Nisso vão convergir a Rússia e o EUA, assessorados pela comunada patriótica.

Anónimo disse...

"O primado tem de ser da classe trabalhadora realmente existente, nacionalmente enraizada, base primordial de um bloco hegemónico mais vasto"
Se já nem os sindicatos conseguem ... Pensar que um partido político conseguiria é uma ilusão.

"Daí que seja interpelante a hipótese de termos assistido a mais uma revolta popular contra elites metropolitanas, que infelizmente acabaram por moldar a linha do partido nesta matéria."
Por outro lado, o sucesso português do BE mostra que estas "elites metropolitanas" de esquerda, muito focadas em assuntos "fraturantes" e identitários, têm ganho cada vez mais peso político face à "classe trabalhadora realmente existente" (PCP, sindicatos).



Anónimo disse...

Sugiro muito que vejam este vídeo. Existe muita coisa que pode ser dita pela esquerda para justificar a derrota trabalhista, nomeadamente culpar o contexto histórico e a situação actual de impasse vivida do Reino Unido.No entanto, com imensa gente a usar o Facebook como entretem nas horas mortas do trabalho aparece esta nova variável explicada no video.

https://www.youtube.com/watch?v=8VlNHVOxIRw

Cumprimentos e Feliz Natal.

Anónimo disse...

https://blogs.publico.es/vicenc-navarro/2019/12/16/por-que-la-clase-trabajadora-voto-al-partido-del-brexit/

Paulo Marques disse...

Como se vê no bastião radical do telegraph, há uma forte correlação entre votantes no Brexit e as perdas do Labour.
https://www.telegraph.co.uk/news/general-election-results-2019-maps-breakdown-constituency/

E, claro, a principal preocupação do nosso neo-facho de serviço é que vai ter mais trabalho para lavar dinheiro.

João Pimentel Ferreira disse...

Será que os leitores deste blogue marcadamente de esquerda são essencialmente das classes operárias? Será assim tão difícil constatar que a esquerda na Europa se tornou identitária, metropolitana, classista, erudita, letrada e completamente alheada do proletariado analfabeto fabril, para o qual a direita demagoga, circense e populista é muito mais apelativa?

O Barreirense disse...

https://www.google.co.uk/amp/s/amp.theguardian.com/commentisfree/2019/dec/10/myth-labour-lost-working-class-pollsters

Jose disse...

Os fracturantes-identitários-igualitários-subsidiantes estão a milhas de quem tem que dar duro para ganhar a vida, a classe trabalhadora, que sempre gostam de invocar mas que abandonam, atacando as empresas que lhes pagam e derretendo em mordomias a inactivos o investimento que haveria de resultar em mais e melhores salários.

Paulo Marques disse...

Sr Pimental, e que artigos e comentários o levam a pensar que a esquerda que por aqui passa acha o contrário, quando até o próprio artigo o salienta?
Só há dicordância em duas coisas, o "proletariado analfabeto fabril" já não existe em qualquer das duas vertentes (LOL), pense menos no querido líder, e identitária é a direita que vende que o importante é a luta intra-classe pelo que pinga da chuva dourada.

Anónimo disse...

Licenciados, eruditos ou não, a ganhar o salário mínimo não são proletários? Serão burgueses?

Anónimo disse...

O eleitorado do BE é todo e apenas LGBTI? Vai-se a ver e o Adolfo Mesquita Nunes é o único gay que não votou BE...

Anónimo disse...

https://www.rt.com/op-ed/475891-corbyn-general-election-destroyed/

Anónimo disse...

Blairism is back:

https://institute.global/news/northern-discomfort-why-labour-lost-general-election

https://institute.global/news/labours-historic-challenge

Pedro disse...

Querem saber porque é que os trabalhadores se estão cada vez mais nas tintas para a esquerda?

Por atitudes imbecis e arrogantes de grande parte dos esquerdistas, como a vossa atitude de censurarem os meus comentários.

Vocês estão a levar o Ventura e o Bóris ao colo.