Temos de ser claros. A corrupção medra com:
1) o financiamento privado dos partidos;
2) a existência, permanência e manutenção defendida de uma liberalização de movimentos de capitais, nomeadamente para offshores;
3) a ausência de mecanismos de transparência eficaz das decisões políticas;
4) a promiscuidade entre reguladores e regulados, nomeadamente pela manutenção legal de portas giratórias entre eles, que, nalguns casos, se pode traduzir, por uma sintonia de opiniões (veja-se o caso do ministro Siza Vieira) ou num comportamento que se assemelha a uma defesa superstrutural de quem, na realidade, governa;
5) a opacidade do sistema financeiro, que obrigatoriamente participa na criação de soluções que agravam a opacidade das transferências financeiras.
6) a incapacidade dos organismos públicos de fiscalização e de acesso a informação útil ou mesmo acesso aos procedimentos de decisão política;
7) enfim, a opacidade das decisões políticas, sem os devidos estudos de impactos diversificados de que as PPP são um exemplo crucial (veja-se a recente decisão política de reduzir essa avaliação quanto às PPP);
8) a ausência de uma Função Pública consistentemente organizada na defesa e preservação do Bem Público e colectivo, com estruturas sólidas, com técnicos conhecedores e experimentados, devidamente remunerados e com meios eficazes, cuja ausência deixa o Estado desarmado;
9) o outsourcing legislativo, entregue a escritório de advogados, em completo conflito de interesses com a defesa dos seus clientes e que constitui uma fonte integrada de litigância de má-fé, em que o produtor da legislação conhece em exclusivo os alçapões legais que ele próprio criou, beneficiando privadamente desse conhecimento;
10) a ausência de um sistema fiscal que seja eficazmente progressivo;
11) a ausência de solidariedade de todos os organismos públicos no combate aos crimes de fraude e evasão fiscais (veja-se a falta de solidariedade do Banco de Portugal na comunicação de crimes fiscais);
12) e, finalmente, a ausência de meios concedidos a quem investiga os crimes de colarinho branco.
Isto, entre outros elementos.
Leia-se de novo o livro escrito por Maria José Morgado e José Vegar - O inimigo sem rosto - ou o mais recente livro de Eduardo Dâmaso - Corrupção.
Enfim, tudo o que já se sabe sobre corrupção, ficou a milhas, ao largo, do que deveria ser decidido e, sequer, de ser uma preocupação.
E agora, prefere-se preguiçosamente a delação premiada, com muitos elementos de duvidosa constitucionalidade e de extremamente perigosa utilização do ponto de vista político e do funcionamento da democracia. Se os organismos públicos não conseguem investigar a corrupção, como vão confirmar as delações? E como vão escapar à orientação da investigação sobre a corrupção feita pelos corruptos e não pelo olhar estratégico dos defensores da democracia?
Vai correr mal, muito mal. Até para o PS! Ou para o futuro do PS.
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6 comentários:
é um princípio a delação, já existe noutros países e funciona
Começar por limitar os cargos de confiança política, eufemismo para 'apascentar a matilha'.
E o que é feito daquele organismo de selecção para altos cargos, CRESAP?
https://www.publico.pt/2019/04/08/economia/opiniao/fim-cresap-passo-atras-cidadania-1868054
Pois que corra.
Para PS & as tribos que cedo com a normalização do Regime,
enchem o circo S. Bento sem que nada os desvie do contínuo adormecimento político.
Incultos, preguiçosos e rendidos à boa vida alcançada.
A pedir um dia da Bastilha.
A Assembleia da República legisla a gosto do poder establecido. (Por exemplo: o resultado das tentativas de legislar sobre corrupção).
A Assembleia da República representa o poder establecido: os partidos e os seus lóbies. (Os deputados são escolha partidária).
A Assembleia da República, indirectamente, permite a corrupção. Por omissão legislativa tem permitido o continuado ocorrer da corrupção.
Os partidos, por seu interesse e coordenados entre si, nunca alterarão a Lei Eleitoral.
Uma Assembleia da República com Deputados eleitos uninominalmente teria comportamente diverso no que respeita a corrupção.
Excelente post.
Mas convem acrescentar:
1) A corrupção tem carácter sistémico no capitalismo;
2) A dita "delação premiada" é uma forma de instituir a lawfare, como aconteceu no Brasil;
3) A timida tentativa do João Cravinho de tratar do assunto na AR foi chumbada pelo seu partido e o resto do centrão.
4) O moralismo em política é uma forma de evacuar a discussão dos problemas verdadeiros.
JF
É de espantar que a MOROização da justiça Portuguesa avance pela mão do partido que mais tem sido atingido pelo "downgrade" do conceito de justiça em Portugal.
É certo que todos seguem os "parâmetros" instituídos pela aberração da união europeia, onde o embuste, a mentira e o crime institucional são norma, mas temos sempre esperança que haja alguém que "os" tenha ainda no sítio.
Sendo certo que o ps não é melhor que o seu colega do bloco central - o ppd/psd -, mas o facto é que a crise do euro foi "vendida" em Portugal como a bancarrota do ps, tendo o processo sócrates "dançado ao som da música" o tempo todo.
Como é hábito em Portugal, todos os crimes se resolvem com um bode expiatório.
Parece que alguns "bodes" gostam dos processos expiatórios.
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