sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Caridade é vertical

Foto Expresso
De ora em quando, o presidente da República decide fazer aquelas incursões ao mundo real.

Distribui alimentos aos sem-abrigo ou serve refeições aos pobres que vêm procurá-las em diversos locais especializados para esse fim, alguns através daquele esquema re-food que pode ser traduzido por "organização de actuação micro-local, criada para re-aproveitar excedentes alimentares"...

E de cada vez que isso se passa, penso que é a versão actualizada daquele comportamento altaneiro e consistente com a hipocrisia de um regime - como o regime fascista - que criava e reproduzia pobres em sistema, ao mesmo tempo organizava quermesses para afirmar a sua preocupação com a essa condição marginal. Na verdade, essas pessoas promoviam-se mais do que resolviam ou chamavam a atenção para o problema dos pobres, ao mesmo tempo que os enganavam, sorrindo-lhes.

Ministra do Trabalho e PR. Disse bem? do Trabalho?
Perpetuavam, assim, a ideia de que sempre haveria ricos e pobres e de que podiam viver nessa comunhão, felizes. Tinham a estranha percepção de que os pobres eram uns estrangeiros, e que assim tinham de continuar, quando, na verdade, eles viviam em relação simbiótica entre si.

E digo versão actualizada porque, se consultarem as estatísticas, verão que há várias décadas que Portugal democrático mantém - em reprodução sistémica - cerca de 2 milhões de pobres, muitos deles até tendo trabalho. Não se deixa que morram à fome, mas pouco se faz para combater as causas dessa pobreza. Prefere-se distribuir alimentos numa noite. Abraçá-los diante das câmaras. E ir-se embora, para voltar tempos mais tarde e repetir a mensagem. E assim tudo vai se reproduzindo.

Já passaram umas décadas, e tudo continua a ser revoltante. Observe-se os vídeos de arquivo da RTP. E não se fiquem pelas fotografias abaixo expostas. As imagens quase cinematográficas são únicas.

Veja-se em 1968, a chegada e a recepção a Dom Manuel Gonçalves Cerejeira, bem como Gertrudes Rodrigues Tomás e Maria Natália Tomás, esposa e filha de Américo Tomás, presidente da República, para a inauguração da "venda de caridade".


Ou a "venda de caridade" em 1972, no Palácio dos Congressos do Estoril, organizada pelo grupo de mulheres "The American Women of Lisbon", com objetos doados por americanos residentes em Portugal.


Ou aquele que verdadeiramente se chama "o bodo aos pobres", desta vez concedido no Porto, pelo Grupo Onomástico "Os Carlos" que o distribui "à população mais carenciada". Não parece ser o Banco Alimentar da senhora Jonet, embora há mais de 50 anos? E claro que Isabel Jonet se afirma mais adepta da caridade do que da solidariedade, que lhe roubaria a actividade.


Ou em 1960, a inauguração do XI Posto da Sopa dos Pobres, no refeitório da Patriarcado no Campo dos Mártires da Pátria. A inauguração contou com Dom Manuel Gonçalves Cerejeira, cardeal Patriarca de Lisboa, Henrique Martins de Carvalho, o ministro da Saúde e Assistência, António Osório Vaz, Governador Civil de Lisboa, Aníbal David, vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Augusto Silva Travassos, diretor-geral da Assistência presentes na inauguração. E o Cardeal Cerejeira até discursou.


Gostava de terminar com uma citação de Eduardo Galeano:
"Eu não acredito na caridade. Acredito em solidariedade. Caridade é tão vertical. Vai de cima para baixo. Solidariedade é horizontal: respeita a outra pessoa e aprende com o outro".

22 comentários:

Henrique Joaquim disse...

É difícil explicar aqui o verdadeiro significado da noção de caridade mas quando ela, na sua verdadeira aceção, é imperativo da ação, não pode ser vertical. Quando é vertical não é caridade mas assistencialismo.
Quanto ao PR as incursões no terreno têm servido para lhe dar nota das necessidades e dificuldades que acontecem na intervenção e muitas têm tido bom eco.

Anónimo disse...

A necessidade extrema é a imagem da nossa vergonha e aquilo que nos envergonha deve ser tratado com recato.

Anónimo disse...

Justamente: a caridade é assistencialista; a solidaridade é mutualista.

estevesayres disse...

Por muito que eu não queira, tenho que me revoltar contra esta hipocrisia dos "governantes" que, os portugueses escolheram para "gerir" os "destinos" do País.
Marcelo como todos sabem é um cristão na presidência, fruto de uma propaganda massiva da comunicação social. Aliás, esta "comunicação social" que, esta falida como a Banca…
E fico por aqui...

João Ramos de Almeida disse...

Caro Henrique,

A noção de caridade usada aqui associa-se de perto à de assestencialismo.

Tanto um como outro conceito visam - em princípio - acudir a quem sente o problema, mas nunca a resolvê-lo. Pior: visam, em última instância, perpetuar uma forma de acção que sabem ser financiada por um Estado Social e, portanto, há uma enorme tendência até para que não se deseje resolver o problema, pois dessa forma perde-se esse apoio e, como tal, o poder junto do poder político.

Não é por acaso que durante os anos da troika a rubrica "Acção Social" - bem como o subsídio de desemprego . foi a única despesa do Ministério do Trabalho que se permitiu subir deliberadamente, como substituto à acção da Segurança Social pública.

Quanto à agenda do Presidente da República,que supostamente quer chamar a atenção do poder executivo para os problemas, arrisca-se a ser um mero instrumento de jogo político, com Marcelo Rebelo de Sousa a querer ser um pivot de uma direita inexistente.

Lembre-se a exigência do Presidente para que haja um calendário para acabar com a pobreza: acaso fará sentido discutir esse objectivo sem defender uma agenda de valorização salarial e da criação do pleno emprego?

Como se quer acabar com a pobreza e ao mesmo tempo se defende o mesmo quadro argumentário de defesa da competitividade nacional, baseada em baixos salários, no quadro de uma moeda única coxa, que - desde 1992 - está na base da actual situação?

Sobre isso nada se vê de consistente da boca daquele que é tido como "o papagaio-mor do Reino", que se pronuncia e fala sobre tudo e sobre nada, mas não sobre o que é essencial e estrutural.

Porquê? Boa pergunta...

Anónimo disse...

Um RP do PR sai a terreiro para defender o patrão.
Quanta honra para as caixas de comentários dos LdB!
Que pena que isso não signifique interesse em aprender.

Jose disse...

O jogo de palavras é o exercício preferido por quem se dispensa da acção.

esteves,ayres disse...

Como é do conhecimento geral a "caridade" da de comer a muita gente, mas tb faz propaganda a muitos politicos e, no caso mais concreta (da burguesia) direita e da extrema direita e, como sabemos são os principais responsáveis da fome da miséria e do desemprego e dos baixos salários em Portugal... E o Marcelo, pelo que sei, esteve sempre no poder politico (e não só)...
Aproveito para desejar Boas Entradas!

Jaime Santos disse...

Como vivemos num País livre, se alguém quiser doar alimentos, dinheiro, o que seja, que o faça. E quem os quiser aceitar, também pode fazê-lo.

Como Marcelo Rebelo de Sousa é um homem genuinamente crente, eu acredito que faz o que faz para dar o exemplo, mais do que para ganhar votos.

Já quanto a organizações que aceitam donativos em espécie da grande distribuição, como o Banco Alimentar, cabe lembrar que estas empresas se livram do que está em fim de prazo e que ainda conseguem deduzir tais donativos nos impostos, como notou em tempos Paulo Pedroso. Uma verdadeira relação simbiótica entre o BA e as ditas empresas, essa sim.

E é isto que é importante, e não diatribes contra organizações de natureza mais ou menos confessional. Aposto que, se se tratasse de cooperativas ou clubes como os que existem no RU, e pelos quais pode passar a renovação do Labour, a opinião do João Ramos de Almeida seria distinta...

Eu também prefiro a solidariedade à caridade, e o respeito ao amor (pode amar-se quem se desrespeita), mas longe de mim querer proibir tais atos. Uma boa parte da assistência social em Portugal passa por Misericórdias e sim, por trabalho voluntário. Não existissem tais organizações e a situação dos pobres seria bem pior...

Emigrante 2013 disse...

(A Proposito de Coletes Amarelos) Que bem fica o Nosso Pr@sidente de: "Gilet Jaune"
Para quando um Gesto de Solidariedade da parte das *AUTORIDADES PORTUGUESAS* para com um Cidadão Português (1) VITIMA dos EXCESSOS """DEMOCRATICOS"" da Policia Francesa!???
Nem um "Pio"nos Telejornais da Televisão Portuguesa de ONTEM e de HOJE!!!

(1)Jerome Rodrigues : Cidadão Luso Francês, filho de Mãe Francesa e de Pai Português e uma Figuras Principais, conhecido pelo seu pacifismo dentro do *Movimento Gilets Jaunes* (Coletes Amarelos)!

Jerôme Rodrigues,personagem bastante conhecida pela Barba Grande e Grisalha,Voltou a ser Ferido de Novo num Olho pela Ploicia, Ele que jà tinha Perdido a Visão do Olho Direito depois Levar com um tiro de LBD 40 (bala de borracha) a 26/01/2019 , quando recebeu um ataque Duplo e Simultaneo de uma Granada que lhe explodiu junto aos Pés e de uma LBD 40 diparada a menos de 4 metros, quando distância minima autorizada por Lei é de 10 metros, sendo também interdito disparar contra a Cara, a cara , o pescoço,orgãos genitais e as costas.
Seguem alguns LINKES referentes 26/01/2019 :
O primiro Video transmite imagens do proprio Jerôme Rodrigues, do FaceBook :
https://www.youtube.com/watch?v=3LrQNPuipoc
https://www.youtube.com/watch?v=vv5DzIW55ZM
https://www.youtube.com/watch?v=jMDVqEGiN3Q
https://www.youtube.com/watch?v=COgKx7AMHJo
https://www.youtube.com/watch?v=VKlnMYoRiZM

VIDEOS do ""Carinho"" da Policia de Sabado 28/12/2019 :
https://www.youtube.com/watch?v=w3195JysXH0
https://www.youtube.com/watch?v=hj8AXfz2w7c

estevesayres disse...

Como diz o meu amigo Rui Mateus;"MALDITA CARIDADE...descubram as diferenças se conseguirem nas fotos...(não vale as fatiotas)...ou matamos o capitalismo, ou ele nos mata!
Citação de Eduardo Galeano:
"Eu não acredito na caridade. Acredito em solidariedade. Caridade é tão vertical. Vai de cima para baixo. Solidariedade é horizontal: respeita a outra pessoa e aprende com o outro".
"...se consultarem as estatísticas, verão que há várias décadas que Portugal democrático mantém - em reprodução sistémica - cerca de 2 milhões de pobres, muitos deles até tendo trabalho. Não se deixa que morram à fome, mas pouco se faz para combater as causas dessa pobreza. Prefere-se distribuir alimentos numa noite. Abraçá-los diante das câmaras. E ir-se embora, para voltar tempos mais tarde e repetir a mensagem. E assim tudo vai se reproduzindo." E mais não cito porque, me podem censurar...

Paulo Guerra disse...

Ele até acha que o pai foi um dos fundadores do SNS.

Daniel Ferreira disse...

"Quando é vertical não é caridade mas assistencialismo"
O assistencialismo, isso sim é amplamente promovido pela ideologia socialista!

Por outro lado, a caridade e solidariedade andam de mãos dadas: só uma pessoa solidária é capaz de ser caridosa, sem fazer disso um filme de vida.
E não fosse a caridade, os sem-abrigo não faziam sequer parte das notícias! E muito menos se levantavam vozes contra o actual estado das coisas.

Quando foi a última vez que um Presidente socialista/comunista andou na rua a dar alimento? Quando foi a última vez que o PCP abriu alguma das suas milhentas portas isentas de IMI para retribuir essa benesse em forma de solidariedade caridosa para com aqueles que não são sindicalizados?

"locais especializados para esse fim, alguns através daquele esquema re-food".
Então qual a alternativa? Acção social desenvolvida por uma Segurança Social cega, burocrática, e muitas vezes acéfala, e em geral insensivel, dominada por pessoas, essas sim cheias de sentimento de superioridade no alto do seu funcionalismo público protector e exclusivo?!

O ideal era não chegar a este ponto, através da promoção da igualdade de oportunidades, e direitos básicos.

Mas sem pobres e necessitados, desequilíbrios sociais e abusos laborais, o Ladrões de Bicicletas e o seu patrono social comunista perdiam razão de existir.

Reza a lenda que, após o 25 de Abril, uma trupe de revolucionários viajou para a Suécia, à procura de respostas para acabar com os ricos. O que viram foi que a Suécia acabou foi com os pobres.

Tudo depende onde queremos nivelar a fasquia: por cima ou por baixo?!

Daniel Ferreira disse...

Em jeito de desafio de fim de ano e de resolução de Ano Novo, sugiro que larguem os teclados, e 1x por mês, metam-se no terreno: garanto-vos, por experiência própria, que num instante vêem a diferencça entre assistencialismo, solidariedade e caridade.

Serão poucos os desta página capazes de continuar...

Anónimo disse...

Não acho o mesmo sobre o Marcelo, acho que tem mesmo alguma sensibilidade, mas também não será muita.

Faz falta o salário mínimo universal ou uma coisa parecida.
Mas se a malta de direita fica escandalizada com o RSI...
Há capitalistas que recebem subsídios por cada vaca e ficam escandalizados se se dá um subsídio a um pobre... A um pobre só se dá esmola.

Há cerca de 4 mil associações de caridade em Portugal e em muitas há desvios de dinheiro e outras são uma inutilidade burocrática e em que quem ganha com isso são os funcionários e gerentes.
No UK há 160 mil !!!! e algumas só aproveitam bem menos de 50% das doações.

Acabe-se com estas máquinas pesadas e quase inúteis e substitua-se isso por uma coisa prática: quem não tem trabalho tem automaticamente 450 euros por mês (para a malta de direita não dizer que se for muito depois não querem trabalhar) e essa gente que vá viver para o Alentejo ou Guarda, onde ainda se arranja um quarto por 100 euros.

Luis Alves

antero seguro disse...

Com um governo aliado ao PS/UGT/CES, todo eles, transformados numa autêntica fábrica de pobres, Marcelo bem tem que pedalar, já que mesmo fazendo horas extraordinárias não vai chegar.

antero seguro disse...

Com um governo aliado ao PS/UGT/CES, todo eles, transformados numa autêntica fábrica de pobres, Marcelo bem tem que pedalar, já que mesmo fazendo horas extraordinárias não vai chegar.

Claudia disse...

Essa ultima frase é tão,mas tão verdadeira, que tive de a postar no facebook. Fiz a devida referencia a este blog, espero que não leve a mal. Obrigada e bom 2020

Jose disse...

Toda a cretinagem pensa que aumentar salários e preços e paralisar empresas ou reduzir-lhes os lucros é caminho do progresso económico e social.
E num blogue com tamanha representação de economistas não se avista contestação!
E sabendo que um Estado parasitário, para sustentar despesa e pouco mais, absorve cerca de 40% da riqueza, ninguém se pergunta qual a rota em que se caminha.

Jose disse...

A ditadura com política monetária e ódios vários bem alimentados é proposta que nunca apareça senão encoberta em vestes de ciência exacta.

Paulo Marques disse...

Ó Daniel, quanto a Xonet cozinhar a sopa todos os dias pode ser que o que disse tenha alguma relevância. Até lá, não se nivela, sobrevive-se.

Anónimo disse...

Sabes qual a ÚNICA "alternativa" séria? Uma política consequente de pleno emprego!