domingo, 19 de novembro de 2017

Limites de uma relação egoísta

Fonte: Marktest, valor de novembro Eurosondagem (Expresso)
O PS está com sondagens que não lhe dão, presentemente, uma maioria absoluta. E muito menos no futuro.

Convém lembrar que o PSD ainda não se clarificou, nem Marcelo Rebelo de Sousa está na sua plenitude de ataque a um governo de esquerda, apesar de já ter dado um ar da sua graça na questão dos incêndios que, aliás, marcaram o fim de um governo em apoteose. (Para quem acha que o conhece, leia-se este post).

Tudo isto aponta para que o PS esteja forçado a escolher com quem quer governar em 2019. Nada fazer não é uma opção, porque o tempo não joga a favor do PS.

Mas em que ponto é que está o PS?

O governo socialista e os partidos à esquerda têm mantido a relação graças aos pontos em comum, mas sem nunca querer resolver as suas divergências, para um acordo estável, coerente de futuro.

A fórmula encontrada - e repetida à exaustão em debates - é a de que "somos diferentes e assumimos as nossas diferenças". Esse comportamento salvou o início, resolveu a urgência, esvaziou a crítica da Direita, permitiu aos partidos à esquerda manter comodamente a sua autonomia de discurso e fez caminho através de negociações diárias e intensas. Mas tem igualmente encontrado os seus limites.

O Partido Socialista manteve o controlo da informação que permite fazer contas dos impactos de políticas, e - com base nisso - tem gerido relacionamentos distintos. Encontrou pontos comuns em cada relacionamento e estimulou cada parceiro a fazer alarde do que conseguiu junto do Governo. Com essa atitude, fez com que cada parceiro elogiasse o Governo do PS e, ao mesmo tempo, se comprometesse igualmente com essa relação conjunta.

Fonte: Marktest
Mas esta atitude é a principal responsável pelo "ciúme" que se gera entre os partidos à esquerda do PS, que não se relacionam oficialmente entre si. A salvaguarda da identidade de cada partido passou a sentir-se em pressão sobre o governo.

Este problema tornou-se mais gritante quando os resultados das eleições autárquicas foram percepcionados, na comunicação social, como sendo uma grande vitória do Bloco de Esquerda - que tem uma política comunicacional mais agressiva, quando na realidade ficou longíssimo dos seus resultados nacionais - e uma derrota do PCP/PEV - mais discreto, quando as sondagens não mostram essa tendência de descida a nível nacional.

Esse ciúme alimentado - e no qual Bloco e PCP se deixam cair diariamente - é, contudo, o cimento de uma solução que o PS gere, sabendo que nenhum dos partidos do acordo o poderá romper, sob pena de politicamente pagar cara a ousadia. Não é por acaso que num artigo recente no Observador, o deputado socialista Paulo Trigo Pereira sustenta que "muito dificilmente a geringonça se repetirá em 2019, mas é bom que cumpra, e bem, esta legislatura."
"Qualquer partido que diretamente, ou por interposta instituição (por exemplo sindicato) criasse uma situação insustentável para a viabilidade governativa, pagaria um preço eleitoral forte por isso. Essa penalização dependeria não da realidade dos factos, mas da perceção que o cidadão mediano teria sobre a responsabilidade dessa eventual crise política. Se o incentivo para a estabilidade política existe, não devem ser subestimados os desafios que se colocarão à governação nesta segunda metade da legislatura."
O que impede então a continuação da experiência à esquerda?

Os "pontos de convergência são claros: "política económica assente no estímulo à procura interna e externa, reforço do combate à pobreza e desigualdades, reforço dos direitos sociais e de medidas de combate a várias discriminações, redução da dívida pública sem privatizações, etc." Mas são igualmente claros os pontos de divergência: "aspetos do mercado laboral, necessidade de reforma do sistema político, necessidade de prosseguir a consolidação orçamental, projeto europeu."

Aliás, num artigo recente, o deputado do Bloco José Soeiro lembrava isso mesmo, estabelecendo uma nova plataforma de entendimento e quase como mostrando o ponto de não retorno:
Estas regras perpetuam o profundo desequilíbrio entre capital e trabalho, reproduzem e acentuam as desigualdades e comprimem os salários. Sem mexermos nestes três aspetos, continuaremos num impasse. Não nos enganemos: este é provavelmente o maior bloqueio do atual Governo e será, crescentemente, o maior problema com a sua base de apoio.
Para o PCP, o seu posicionamento na questão laboral é igualmente feito - não por causa das eleições autárquicas - mas devido ao limite que sente no posicionamento do PS quando se tornou claro que nada seria feito para inverter a legislação laboral introduzida pela maioria de direita entre 2011 e 2015. O posicionamento do PCP sobre o Orçamento de Estado para 2018 ou até na questão concreta da carreira dos funcionários públicos é o sinal da incapacidade de entendimento com o PS sobre uma área essencial, que lida com a vida de milhões de portugueses, que constitui o elemento fundamental de integração social e de valorização pessoal de cada pessoa e que tem se degradado até durante a retoma económica, reforçando a fatia patronal da distribuição do rendimento.

Claro que à direita já se prepara a solução. Martelar nas diferenças é sempre produtivo.

Marcelo Rebelo de Sousa vai martelando, com a sua guerra de comemoração regular dos incêndios e de fazer "presidência abertas à la Mário Soares, mas numa base diária. Rui Rio diz e desdiz-se - ainda é cedo - mas defenderá um entendimento com o PS. Na comunicação social, ampliam-se as divergências no acordo político. David Dinis, director do Público, critica o Governo por ter cedido aos partidos à esquerda e não ter resolvido a "justa luta" dos funcionários por uma progressão na carreira (o problema não é não haver dinheiro, é uma questão de opção), embora anos atrás, em 2014, parecia muito mais interessado em que nada fosse feito, sob pena da Troica voltar. No Observador, Rui Ramos oblitera da sua memória as más políticas de direita - achando que a economia cresce por uma boa conjuntura externa ou que tudo está mal não porque fruto de políticas de direita seguidas desde a década de 70, mesmo pelo PS, mas apenas por causa dos socialistas - e assusta o povo com a insustentabilidade do funcionalismo. José Miguel Júdice, aquele militante que várias vezes é citado como tendo actuado nos anos 70 nas organizações terroristas de direita ELP/MDLP, tudo promove para ver se o poder cai no colo da direita.

Ora, a manter-se, tal como está - se não houver uma evolução no relacionamento, se se mantiver a incapacidade de encontrar soluções conjuntas para o país, mais profundas, necessárias e duradouras, estruturadas numa visão articulada do futuro nacional - este acordo terá um fim à vista.

E esse fim apenas pode querer dizer duas coisas, nenhuma delas positiva: Ou um abraço à direita pelo PS ou vitória de uma Direita unida nas próximas eleições. E que voltará ainda mais acirrada.

O PS tem, pois, de decidir, porque dele será a responsabilidade primeira.

14 comentários:

Jose disse...

«política económica assente no estímulo à procura interna e externa»
Estímulo à procura externa – se significa importações, sem dúvida; se significa aumento das exportações ou é língua de pau; ou se significa que melhores rendimentos é só para a clientela do público, mantendo em sossego os sindicatos da economia privada. Provavelmente é tudo junto!
O Bloco continua a sua senda de fazer dos capitalistas cooperantes na sua sua própria extinção, dispensando-o da maçada das revoluções que lhes afectaria o modo de vida.
Nisso o PCP é mais realista, exaurir o capital é o método que advoga, enquanto engorda o Estado e suas hostes. Vai prometendo deixar um cantinho capitalista para pequeninas e mico-empresas.
O PS tem de decidir.
Se quer existir fora do abraço da esquerdalhada; se quer saltar ou cair do cavalo.

Geringonço disse...

A deriva europeísta dos "socialistas" vai ser a causa de rompimento com a "esquerda radical".

Para quem pensa que o PS tinha mudado e se tornou mais exigente em relação à "Europa" engana-se, reparem como o PS é a favor do exército europeu, sim, a deriva europeísta continua...

Finalmente Carlos Zorrinho vai ter exército para combater nas guerras que "aquecem a economia"...

Jaime Santos disse...

Sobre a questão da política laboral, de acordo, mas chamo-lhe a atenção para uma coisa, João Ramos de Almeida. Os partidos do centro político, PSD e PS, são coligações de votantes. Há certamente pessoas no PS que estão mais próximas dos Partidos à sua Esquerda, outras que se aproximam mais do centro. Recordo-lhe aliás que a votação do PS em 2015 foi conseguida com um programa económico bem mais liberal do que o adotado pela coligação presente. Por isso, se quiser ver isto de forma maniqueísta, falha o alvo. A Geringonça funciona porque todos estão dispostos a abdicar de qualquer coisa, e quem mais abdica é muito naturalmente quem menos força eleitoral tem. Não se trata pois de um Partido fazer com que os outros vejam a luz. A Esquerda é plural e quer-se que assim continue. Não queira pois o BE ou o PCP-PEV impor a sua agenda ao maior Partido. São capazes de acabar um e outro, com uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma...

Anónimo disse...

Esta linguagem de cavalos faz lembrar alguém. O saltar a cavalo outro alguém.
Já o cair do cavalo faz lembrar aqueles patuscos que de arma em punho se sentem realizados quando apontam a sua arma a qualquer animal que lhes apareça pela frente. São caçadores dizem eles
Regra geral , pela idade e pela pileca arriscam ir morder o pó da estrebaria

Anónimo disse...

Fala Jose na procura externa. Fala e não sabe o que diz. Ou melhor sabe o que diz porque o que quer mesmo dizer é isso que aí está em cima. Procura externa como significando importações, ou como língua de pau, ou como melhores rendimentos ou para a economia privada. "Provavelmente é tudo junto!", conclui satisfeito, pimpão e com o ponto de exclamação da ordem

Não se apercebe da figura de matarruano que faz? Não. O que pretende é esta figura de estilo consubstanciada na mediocridade do disparate e na treta ideológica rasteira, para ver se passa.


Anónimo disse...

(Esquece-se da procura interna?
Que remédio porque já não pode "tratar" do tema da mesma forma que o fez para a externa.

Ele bem tentou há dias, assim nestes modos :

"Que haveria e há que aumentar rendimentos não tem dúvida, mas dizer que é esse ( a procura interna) o motor da economia é só uma parvoeira que a esquerdalhada quer manter para justificar a ladainha que desde sempre vem justificando o 'tudo a todos' da sua imbecilidade"

A "parvoeira" desmentida pelos chefes:

Variação homóloga do PIB (crescimento em 12 meses) foi de +2,9% no 2º trimestre de 2017 (2ºT-2017). Destes, 2,8 p.p. são devido à Procura Interna. Destes, 1,3 p.p. são devido ao Consumo.

Segundo o governo, o CFP, a UTAO, a Comissão Europeia, o BCE, o FMI, a OCDE, agências de rating, etc, este crescimento deve-se a factores temporários, que são as medidas do governo de reposição de salários, aumento do salário mínimo, e diminuição dos impostos diretos.

E mais irritado, impotente e calado ficou quando o INE assinala agora que, para a variação homóloga de 2,5%, foi fundamental o acréscimo do contributo positivo da procura interna, já que o contributo da procura externa líquida passou a negativo

Perante os dados e os factos foi obrigado a meter a viola no saco. O seu silêncio sobre o assunto grita mais alto que os seus disparates sobre a procura externa

Anónimo disse...

Lê-se e não se acredita:

"fazer dos capitalistas cooperantes na sua sua própria extinção"?

Isto é o quê?

Uma marca de alerta para o risco de espécie em vias de extinção?
Publicidade enganosa para comprarmos o produto propagandeado?
Uma espécie de missa de coitadinhos para os capitalistas desvalidos?

Anónimo disse...

"exaurir o capital"?

Mas como, se a distribuição da riqueza pende cada vez mais para o lado do Capital?

O que será isto?

-Uma missa rezada por antecipação pela alma do Capital?
-Um medo semi-confessado em que restrinjam as mordomias e o saque perpetrado pelo Capital?
-Uma espécie de tese do coitadinho, desta vez aplicada ao dito cujo?


"engorda o Estado e suas hostes"

O que será isto?

-Um manifesto subliminar pelo fim do estado?
-Uma manifestação de raiva pelo facto da governança anterior não ter acabado mesmo com o estado social?
-Um desespero gritado por terem emagrecido tanto o estado que, parando ele de minguar, pode comprometer os objectivos ideológicos do jose?


"Vai prometendo deixar um cantinho capitalista para pequeninas e mico-empresas".

O que será isto?

-Uma confirmação que jose defende o grande capital, os banqueiros, os grandes interesses económicos?
-Uma confirmação que jose não gosta das pequeninas empresas e que aspira à concentração do capital?
-Uma indicação por parte de uma entidade patronal que estão em vias de entrar no mapa as nomeadas "mico-empresas"?

Anónimo disse...

Um post cuidadoso, fundamentado e de alerta do João

A confirmação que acerta mede-se pelo comentário de alguém profundamente comprometido com a governança neoliberal e visceralmente anti-geringonça:
Veja-se o cuidado desse alguém para com o PS quando questiona se este " quer existir fora do abraço da esquerdalhada; se quer saltar ou cair do cavalo".

Uma ternura mesmo. Para com quem passa o tempo a invectivar e a insultar, lá das janelas do fundamentalismo pesporrento-neoliberal

Jose disse...

A confusão sempre ocorrerá, mas a frase estava mal reescrita:

Estímulo à procura externa – se significa importações, sem dúvida; se significa aumento das exportações é língua de pau e significa que melhores rendimentos é só para a clientela do público, mantendo em sossego os sindicatos da economia privada.

Anónimo disse...

Jose corrige a frase que não tem correcção possível. Estava "mal reescrita"

Terá alguém escrito a frase por ele e ele enganou-se a reescrevê-la?
Ou ele próprio se enganou na reescrita das suas diatribes ideológicas ao serviço dos pafistas pelos múltiplos blogs que usa?

De qualquer das formas a asneira persiste e as palavras de ordem também.

Carlos Sério disse...

“O PS tem, pois, de decidir, porque dele será a responsabilidade primeira.”

Não entendo bem como se chega a esta conclusão.

Parece atribuir-se responsabilidades ao PCP e ao BE pelo seu “ciúme” e pelo comportamento político adverso ao PS que tal ciúme terá provocado. O agudizar da luta dos professores com greves de última hora incitadas pelo PCP e BE fora das negociações para o orçamento são disso exemplo.

Mas ao contrário do que se pretende concluir, como resultado deste comportamento do PCP e BE “ou um abraço à direita pelo PS ou vitória de uma Direita unida nas próximas eleições”, há seguramente uma outra alternativa. A maioria absoluta do PS.

O agudizar das lutas e reivindicações, mesmo e sobretudo por interpostas instituições (sindicatos da CGTP) na tentativa de fragilizar o PS será entendido pela maioria de simpatizantes de esquerda como um oportunismo e uma táctica política tortuosa e desleal que penalizarão sem dúvida o PCP e o BE e farão deslocar votos destes partidos para o PS.
Será assim admissível nas próximas eleições menor votação no PCP e no BE com uma deslocação de votos destes partidos a favor do PS.
Atingindo deste modo a maioria absoluta, por ironia, alcançada pela errada táctica política (à margem das negociações parlamentares), dos seus parceiros de coligação parlamentar.

estevesayres disse...

Espero que uma maioria absoluta, nunca venha acontecer. Já tivemos o nessas andacas o neoliberal, Eng. Sócrates do P"S", e o governo com tiques fascistas do Dr. Coelho/Portas e Cristas, do PSD/CDS! Por favor, mais não!
Sou por um governo democrático e patriota.... E não por este tipo de governação. O que sabemos, é que, o P"S", e o PSD/CDS gostam muito explorar o máximo possível...
Por um Governo Democrático e Patriota!

Anónimo disse...

Recordemos o que aconteceu nas legislativas de 2015:

- O PS não foi além de 32.3% dos votos, tendo sido largamente superado pela coligação PSD/CDS à sua direita; os partidos que, à sua esquerda, elegeram deputados, chegaram aos 18.4%, bem acima dos 13.1 % que tinham conjuntamente obtido nas legislativas de 2011.

- O PS não só não conseguiu a maioria absoluta como também foi ultrapassado pelo PSD quanto ao número de deputados eleitos; mas a parelha PSD/CDS perdeu a maioria absoluta com que vinha governando desde 2011.

Recordemos também legislativas anteriores que, já no século em curso, o PS (então Partido de Sócrates) conseguiu ganhar: em 2005 chegou à maioria absoluta; em 2009 não conseguiu repetir o feito, mas, graças a uma maioria relativa - de novo com a parelha PSD/CDS em minoria no parlamento -, ganhou o direito a uma nova governação Sócrates sem necessidade de acordo prévio com outro(s) partido(s).

Não guardo boas recordações dos governos decorrentes destas vitórias recentes do PS, nomeadamente do governo em que o PS dispôs de maioria absoluta no parlamento, contando com António Costa, Vieira da Silva e Augusto Santos Silva no elenco ministerial. Pelo contrário, apesar das limitações do actual governo PS - em que, sob liderança do mesmo António Costa, voltamos também a encontrar, em posições de destaque, os dois Silvas referidos -, dou-lhe nota positiva. É claro que o que fez a diferença foi a necessidade que o PS teve (finalmente!) de negociar acordos à esquerda para poder governar, após a séria derrota eleitoral que sofreu: sem essa necessidade, não teria acontecido a Geringonça PS/BE/PCP/PEV que hoje marca a política portuguesa e, muito provavelmente, estaríamos agora a lamentar mais uma governação PS muito parecida com as anteriores, independentemente de serem governações do PS sozinho ou em coligação com um partido à sua direita.

É caso para dizer, comparando as consequências das legislativas de 2015 com as das legislativas anteriores que o PS ganhou: num contexto político em que a parelha PSD/CDS ficou em minoria, o nosso "povo de esquerda" não perdeu nada (antes pelo contrário) pelo facto de o PS não ter sido o partido vencedor.

A. Correia