quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Duas notas sobre Saraiva

Ainda há dias o presidente da CIP, António Saraiva, teve umas declarações duplamente polémicas.

Disse ele:
Se compararmos o segundo trimestre de 2016 com o segundo trimestre de 2017, a população empregada por contrato, os contratos sem termo representaram 90%, com termo 10%. Acho que isto diz tudo. Se esta é a realidade, se constatamos que o emprego está a ser criado nestas séries que lhe referi são contratos sem termo, por que razão (...) se quer discriminar as empresas desta forma em sede de TSU que estão já hoje a contratar sem termo?
A primeira ideia polémica é a de uma contradição. Se, de facto, a esmagadora maioria do emprego criado já está a ser contratado sem termo, então a esmagadora maioria das empresas não será discriminada pela alterações à lei. Mas o problema é que os números não são bem esses. E revelam a real preocupação de Saraiva.

E entramos na segunda ideia polémica. De facto, olhando para as estimativas do INE no Inquérito ao Emprego, naquele período foram criados 155,7 mil postos de trabalho, dos quais 141,7 mil a contrato sem termo. Mas a realidade vai bem mais longe do que isso.

Os números do INE representam uma criação líquida, ou seja, é o resultado da criação e destruição de emprego num dado período. E por isso, não retratam o que se passa nessa criação e destruição de empregos.

Mas há dados que permitem olhar para essa "demografia" dos contratos - são os dados exaustivos (não estimativas) dos fundos de Compensação no Trabalho e de Garantia de Compensação do Trabalho, em vigor desde finais de 2013 - ou seja coincidindo com a retoma do emprego - para pagar as indemnizações por rescisão de contratos (trabalhados pelo Observatório sobre Crises e Alternativas).

O que se verifica? Que desde a retoma do emprego foram assinados 3,3 milhões de contratos e cessados quase 2,2 milhões de contratos. Desse confronto, concluia-se que cerca de 1,1 milhões dos novos contratos criados desde novembro de 2017 estavam vigentes a 15/5/2017.

Mas como é que podiam estar vigentes 1,1 milhões de contratos se a criação líquida de emprego está muito abaixo disso? A única explicação é a de que a cessação de contratos está já a afectar os "velhos" contratos permanentes que se transformaram entretanto em "novos" contratos. O que permite igualmente concluir que tanto os "velhos" como os "novos" contratos permanentes são cada vez menos isso - permanentes.

E essa realidade depois acaba por ter bem outras características do que os números do INE não parecem mostrar. Em Maio de 2017, apenas 33% dos contratos vigentes desde Novembro de 2013 eram permanentes; os contratos não permanentes representavam 67% dos contratos vigentes em Maio de 2017 e assumiam uma miríade de formas: contratos a prazo (36,4%), a prazo incerto (11,6%), a prazo a tempo parcial (6,6%), a prazo incerto temporário (4,3%), permanentes a tempo parcial (3,1%) e uma vasta panóplia de outras formas (4,8%).

A consequência prática dessa elevada rotação contratual é, evidentemente, as baixas remunerações.
A remuneração média dos novos contratos foi de 524 euros em 2014, de 583 euros em 2015, de 623 euros em 2016 e de 660 euros nos primeiros meses de 2017. Ou seja, muito próximas do valor do Salário Mínimo.

Pior: com se pode ler na publicação do Observatório, a remuneração dos contratos permanentes está a baixar e a aproximar-se cada vez mais dos contratos não permanentes.

Talvez fosse de acrescentar uma nota de rodapé: é a de que, entre portas, nas reuniões da concertação social, as confederações patronais sempre frisaram que as relações laborais - por contraponto aos custos de contexto - nunca foram o principal obstáculo a um desenvolvimento mais sustentável, pensamentos esses que foram inclusivamente transmitidos até por António Saraiva.

5 comentários:

Jose disse...

Permanente mesmo é a certeza de que só é permanente o que permanece, e enquanto permanece.

Geringonço disse...

António Saraiva, um tipo com pinta aristocrática, provavelmente, é mais um dos que gosta de mandar trabalhar mas nunca fez nada que preste em toda a sua vida.
Realidade para esta gentalha pouco interessa, o que lhes interessa é continuarem a ter um exército trabalhadores cada vez mais escravos das suas vontades.
Seguramente, o Saraiva é compensado com um valor muito acima do salário mínimo pelos serviços prestados aos donos.

Jose disse...

Geringonço, tiro na água: o Saraiva era torneiro ou coisa parecida antes de ser patrão.
Quando a esquerdalhada estourou a empresa do patrão, fez-se à vida.

Anónimo disse...

"Permanente mesmo é a certeza de que só é permanente o que permanece, e enquanto permanece".

É "isto", utilizando até a dialéctica, que está reduzido um membro do patronato, contratado pelos seus como perito patronal para as questões laborais, pago pela sua associação patronal sabe-se lá como.

Até na investida nos conceitos linguísticos estas coisas jogam para justificar a insegurança no emprego e nas condições de trabalho

Por isso há dias, depois duma provável comezaina entre os seus, bem regada com o vinho trabalhado por outros,confessava o permanente Jose que considerava como "entediantes" (SIC) a segurança de salário e o emprego com horários.

Sonhos húmidos ( e secos) por tempos em que a insegurança de salário era o pão nosso de cada dia e em que a jorna diária era discutida na praça pública. Não contente com tal ainda se adivinhava uma raiva mal contida por essa coisa do emprego com horários definidos.

E agora rosna desta forma assim tão...boçal,perdão patronal, contra as designações clássicas dos contratos de trabalho

Anónimo disse...

Estas estórias que jose conta a fazer de conta que conta a vida dos seus.
E ainda por cima com aquele toque de choradinho que tanto incomodava Passos Coelho.
Antes. Porque agora é o que se vê

António Saraiva formou-se nas escolas industriais e aos 17 anos, contra a vontade do pai, entrou nos estaleiros da Lisnave. Foi aprendiz de serralheiro mecânico, passou para o planeamento de cargas e os estudos de mercado.

Em 1980, entrou no Técnico, para cursar Engenharia Mecânica, à noite. Em 1982, é desencaminhado por Elisa Damião da UGT para formar uma lista para a comissão de trabalhadores. Levou três anos até que, em 1985, ganharam a maioria (6 contra 5). "Durante dois anos, vi-me líder da CT da Lisnave. E o primeiro contrato social que se fez no país, não foi na Autoeuropa, mas na Lisnave." Mas os camaradas acharam que era tempo de sair da CT. No final de 1986, bateu com a porta, voltou às cargas. Em Julho de 1987, o grupo Mello reconheceu nele "alguma capacidade de negociação" e convidaram-no para director comercial da Luso-Italiana, a fábrica de torneiras Zénite. "Eu sabia lá o que era uma torneira".

O "fez-se à vida" tem destas coisas. De homem de mão da UGT a homem de mão do grupo Mello, entrando logo como director.
Não sabia o que era uma torneira. Mas sabia outras coisas.

Os homens de mão são habitualmente bem recompensados.