quinta-feira, 30 de março de 2017

A perversidade do torpor

Esta é a história de um homem que estava preso em si próprio.

Ele tinha uma cabeça arrumada, consistente. Era uma pessoa sabedora, eloquente, de palavra áspera. Pensava bem e pensava sobre o que não se via, o que é uma qualidade rara nos homens. Era frontal e sensível, afável com quem lhe era afável, um ouvido inteligente que aproveitava ideias.

Tinha porém defeitos que lhe gostavam de perdoar. Era teimoso. Não por feitio, mas por convicções. Se era atacado, não esquecia, e isso assemelhava-se a ser vingativo. E quando parecia ser vingativo, tornava-se teimoso por feitio e fechava-se.

Era capaz de se anular em nome de uma estratégia colectiva, ou mesmo na ausência dela. Porque, a seus olhos - mesmo que não fosse a melhor solução - era a mais adequada, por ser o ponto de equilíbrio do momento. E com esse raciocínio, entrava em torpor, deixava que a realidade corresse, esperando que o tempo passasse até chegar ao ponto em que ele estava sentado. E nessa ruminação, perdia a sua visão do futuro.

Um dia, cometeu um erro. E ele soube que o cometera, mas estava naquele momento de torpor. E no seu erro, e enquanto a realidade não passou, prejudicou muitas pessoas. Durante anos.

Sabia que a decisão que tomara fora imperfeita e, na sua imperfeição, acabara por ter o efeito inverso ao que desejara. Sabia que, para o reverter, tinha de reverter o seu erro. Mas temia-o. “Vou parecer um tonto”, disse ele uma vez em público. Não via que um erro é um erro. E que maior é a alma de quem sabe corrigir o que possa ter feito. Sem receios, sem vaidade. Ninguém é perfeito, apenas pode ser perfeita a vontade de fazer bem, com aquilo que se sabe. E quando se sabe mais, faz-se melhor.

Mas ele apenas via os risos alarves. E os jornais a arranjar fotos em que parecesse tonto. E os seus colegas estrangeiros a pressioná-lo. E ao temê-los a todos, caia no seu torpor, e ficava à espera que o tempo passasse por tudo aquilo. Que os estrangeiros se fossem embora, que os jornais não fossem buscar o passado, que os risos nunca surgissem. E quando era invectivado, respondia de forma teimosa, fechada.

Mas interiormente sabia que estava a prejudicar pessoas e que iria prejudicá-las por mais tempo. E acabava a pensar-se que era temeroso. Fraco. Egoísta. Entorpecido. Adiado.

Mas voltava a tudo fazer outra vez. Sem pensar nos outros. Apenas em si. Preso em si próprio.

7 comentários:

Filipe Martins disse...

Não faltou dar nome ao boneco?...

João Ramos de Almeida disse...

Caro Filipe,

Falta, sim. Um amigo meu diria que há muitas pessoas que se encaixam nesta história.

Eu gostaria que a pessoa que tenho em mente pudesse ler este texto e - ingenuidade minha! - pudesse cair em si. Todos tínhanos a ganhar. Mas não o posso fazer pelas razões que o texto descreve... :-)

Anónimo disse...


A questao sobre o Homem Individual avançada por Aristoteles, pensador grego, já la vao cerca de 2.400 anos – (homem politico, social e gregario por sua natureza, por muito que a denigrem, continua a ser valida. Tanto teorico como pratico o Homem Ideal não existe. Talvez se aceite no nosso idearia preconceituoso certa formula de perfeiçao, mas somente isso – preconceito.
O homem inteligente, único construtor de cidades-estados, criador de sociedades-imperios, sabe que ao construi-los, constroi o seu proprio freio, a sua propria impossibilidade de emergir fora dessa virtualidade…Todos falamos da liberdade individual, mas esquecemos a justiça social e, muito menos do ser gregario que esta no nosso ADN. Ironicamente poder-se-ia dizer: é a liberdade das raposas livres num galinheiro de galinhas livres”. sem mais por hoje. de Adelino Silva

Jose disse...

Pressupondo uma adivinha de carácter:
O narcisista habita no inexistente pois só aí se vê em imperturbada plenitude.
E a realidade vive-a na condição de inevitável interregno que antecede o triunfo pleno.
Se o real se impõe como ameaça ao projecto, o poder definirá se se faz representar pela raiva ou pelo torpor.
É comum ser confundido com intelectuais de esquerda.

Anónimo disse...

Compreende-se que para o tipo das 21 e 01 o carácter seja uma adivinha.

A sua maneira habitual e constante de reagir, é função, não da sua índole, personalidade, temperamento, mas sim da sua porfia propagandista.

Uma adivinha perpétua saber o que vai dizer, já que envereda sistematicamente pelo caminho que dá mais chances à glorificação da sua doutrina económico-ideológica.

Por exemplo: De defensor dum patrioteirismo reles e colonialista, passou para o assumir de defensor do reino alemão e do eixo Bruxelas-Berlim. Sabemos porquê

Como ele próprio diz: uma adivinha de carácter. Embora seja mais claro dizer que se adivinha o seu carácter

Jose disse...

O adivinhador de carácter das 03:39 soma à argúcia inquisitorial a transfiguração do individual no 'Sabemos porquê' com que quer espalhar o pavor da infalibilidade do colectivo uno, por certo não a Trindade, talvez nem presuma o Povo, mas seguramente o povinho de esquerda de que se toma por arauto.

Anónimo disse...

"Adivinhador de carácter"?

De que se admira quem citou ab initio o carácter como adivinha? Arrepende-se do escrito e num gesto de pieguice tenta corrigir o jeito e o trejeito?


O que se segue é uma lenga-lenga penosa a lembrar as ladainhas religiosas, usadas nos livros de cabeceira dos fundamentalistas da fé: "argúcia inquisitorial, transfiguração do individual, pavor da infabilidade, colectivo uno, trindade,presuma povo povinho , arauto"

Porque nos devemos admirar nós, se isto é o fruto perene de quem passou de colonialista a agente em serviço de agiotas alemães ou afins? Tudo em nome do lucro e do Capital?