sexta-feira, 11 de novembro de 2016
Populismos
Porque entendo o voto do Brexit como um passo no caminho de desconstrução da UE, uma condição necessária para a instauração de políticas progressistas, sou um populista?
Porque entendo a eleição de Trump como um voto de raiva contra um sistema gerador de repetidas crises que criaram miséria, polarizaram a distribuição do rendimento de forma escandalosa, suscitaram inseguranças várias, produziram violência, guerras, corrupção, e cinismo ao mais alto nível, sou um populista?
Porque entendo a ascenção do Front National e Marine Le Pen como o resultado das políticas económicas e de emigração e integração erradas, associadas à opção de François Mitterrand pelo salto federalista na integração europeia, e ao desrespeito pelo resultado do referendo de 2005 ao Tratado Constitucional, sou um populista?
Este povo que vota contra o sistema, mobilizado por um discurso simplista contra as elites, feito por líderes carismáticos vindos do próprio sistema, é um povo racista? É um povo inculto, politicamente imaturo, que não sabe o que é melhor para o país? E quem sabe o que é melhor para o país? São os partidos do centrão, os governantes e as organizações internacionais que apresentam os seus interesses como sendo o interesse nacional, rotulando todos os que se lhe opõem de ‘populistas’? Portanto, Bernie Sanders é um populista, tal como Donald Trump? Jean-Luc Mélenchon é um populista, tal como Marine Le Pen? Jeremy Corbin é um populista, tal como Nigel Farage?
O conceito de populismo é suficientemente plástico para, evocando conotações negativas da História, permitir aos defensores do sistema meter tudo no mesmo saco e, desse modo, desqualificar os que têm programa alternativo consistente e querem sintonizar com os anseios do povo, ainda que expressos de forma tosca e até deplorável. Uma coisa é certa: muita desta raiva foi produzida pela demagogia das elites do sistema, com destaque para os media onde Trump fez carreira.
Dizem ao povo que a crise foi culpa dele, que a austeridade é inevitável e que o novo emprego da pseudo-recuperação só pode ser com salários miseráveis, e estão à espera de quê? A manipulação dos media tornou-se descarada e o povo sente que as elites vivem noutro país. Pouco a pouco, a paciência esgota e o povo sobe o nível do seu desprezo pelos meios que ainda tem ao dispor, ignorando as eleições e votando em palhaços.
Confesso que já não tenho paciência para o discurso politicamente correcto. Como diz alguém que estuda estas coisas, “antes de olhar do alto para os furiosos e desorientados eleitores que vão atrás de demagogos, ou desqualificar todos os ‘radicais’ chamando-lhes ‘populistas’, seria melhor parar por um momento e perceber como é que esses agentes se sentem, e perguntar-lhe o que desejam.”
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
22 comentários:
Excelente e corajosa análise de Jorge Bateira. Os meus parabéns.
Parece-me que o "povão" desta nossa U.E. (e não só...) está possuído pelo Síndroma de Estocolmo: chora baba e ranho, arranca os cabelos e rasga as vestes sempre que aqueles que o reduziram aos salários de miséria, à Educação mercantilizada, à Saúde caritativa e às guerras neoimperialistas destruidoras dos países dos outros se dão mal.
Afinal de contas, a Globalização selvagem só podia acabar nisto. Aqueles que investem na destruição dos Estado-Nação e de tudo o que eles representam em termos de independência política, económica e cultural são os "progressistas"; os que defendem a manutenção das suas fronteiras e da sua inalienável soberania político-económica são os "reacionários".
Assim sendo, os "liberais", os "progressistas" que agora destroem propriedade e queimam carros da polícia nas ruas dos E.U.A. são financiados pela bem oleada rede do omnipresente George Soros, esse grande democrata apoiante e cornucópia monetária dos "progressistas" neonazis que tomaram o poder na Ucrânia assassinando os seus próprios conterrâneos. É assim que tudo o que é bloco LGBT...YZSTUV...(e um grande etc.), feminista radical ou agitador do Black Lives Matter (also for other blacks too?)perde as estribeiras e põe em causa o único resultado eleitoral que, em décadas e décadas de eleições para POTUS, ousou romper com o guião pré-estabelecido pela elite do complexo financeiro-industrial-militar-mediático-académico que tomou de assalto o país de Martim Luther King. Todos estes campeões das políticas "identitárias" estão prontos para serem os próximos protagonistas de uma recentíssima materialização de uma já serôdia receita: a revolução colorida (o bom filho à casa paterna torna, não é verdade, Mr. Sharpe?). Para esses santinhos do politicamente correto é bem melhor uma III Guerra Mundial começada por uma... mulher do que umas "bocas" de péssimo gosto lançadas por um homem branco "racista", "machista" e (pois claro, como havia o epíteto de não ser sacado da panóplia dos vastos recursos do terrorismo intelectual?)"homofóbico"... É a suprema estupidez hedonista a fazer as vezes de ideologia de "esquerda"; é a ortodoxia politicamente correta de uns quantos privilegiados do primeiro mundo a travestir-se de vontade popular democrática e universal que, paradoxalmente, põe em causa o veredicto dado pelo povo nas urnas. É, em pouquíssimas palavras, o Ocidente a sepultar-se na cova - bem funda, por sinal - que para si laboriosamente tem vindo a cavar desde o final da II Guerra Mundial.
Gosto do trabalho. É a realidade do que se constata.
Uma das características que admiro no discurso político norte-americano é a ausência de conotações negativas na expressão "populist". Quando se pretende a conotação negativa, diz-se "demagogue". Ao contrário dos termos que lhes correspondem em português, as duas expressões não são sinónimas; e dizer de um político que é "populist" é um elogio que quer dizer tão-só que procura o maior bem do maior número, incluindo neste os grupos sociais mais desfavorecidos.
Por isso se chamou "populist" a Sanders, mas nunca ou quase nunca "demagogue; e "demagogue" a Trump, mas nunca ou quase nunca "populist".
De Corbyn, diz-se no Reino Unido que é "populist", mas também que é inelegível. Demegogo não lhe chamam; quanto à inelegibilidade, ainda vamos ver. Como diz o Jorge Bateira, a paciência do povo esgota-se; e o extremo-centro neoliberal já não suscita entusiasmos, muito pelo contrário, fora dos bunkers em que se concentra.
De facto um excelente e corajoso post de Jorge Bateira.
Ainda há quem não tenha percebido que a tomada de posições corajosas e de ruptura com este sistema que não nos leva a lado nenhum senão a mais miséria é passivel de ter um enorme spoio popular.
Pela esquerda. À esquerda. Sem medos ou complexos
Aplaudo de pé!
O povo vota contra o sistema votando num capitalista-mor? Um bocado burros...
Completamente de acordo(e mais haveria para dizer)com este post(e com 1º comentário).Mas quem tem a mania da superioridade moral e intelectual vai continuar na sua(em especial nos média venais).No entanto há alguns artigos que tentam contrariar o pensamento cultural/político único(quem quiser entender a realidade ainda vai a tempo), por exemplo https://www.publico.pt/mundo/noticia/a-arrogancia-das-elites-progressistas-deu-no-president-trump-1750667
O povo sabe difusamente o que não quer. E o que não quer é este pântano venenoso em que estamos.
Saber o que quer custa muito mais. Mas ja percebeu que só lhe resta este tipo de acções.
Cabe à esquerda dar rosto e direcção à revolta surda que vai crescendo imparável.
É que o povo por exemplo já sabe que Hillary era também a face do capitalismo-mor. O que demonstra que nesse aspecto não pode ser qualificado de burro
Hillary não é a face do "capitalismo-mor"; a Senhora Clinton é a personificação da Globalização de sentido único e armada até aos dentes.
Estando eu nos antípodas políticos do Senhor Trump, há que, no entanto, reconhecer uma série de factos: sendo ele o "capitalista-mor", não foi ele que se tornou bilionário com as dádivas de gente que tem as mãos tintas de sangue; sendo ele o "capitalista-mor", não foi ele que se regozijou que nem uma menina de escola com a tortura e o assassinato brutal de um ser humano ("We came, we saw, he died!!!"); sendo ele o "capitalista-mor", não é ele que aposta (veremos se assim continua) no incremento dos lucros lançando guerras atrás de guerras até à guerra final; sendo ele o "capitalista-mor", alegadamente misógino e "homofóbico", não foi ele que continuou casado (por puro tacticismo político e inextinguível ambição pelo poder)com o homem muito respeitador das mulheres que rebatizou a Sala Oval como a Sala Oral. Bem vistas as coisas, a evidência da hipocrisia e da completa desonestidade foi a orquestra desse autêntico "Titanic" neoconservador em que se transformou (ou sempre o foi?) a Senhora Clinton.
Anónimo das 03:04, não são assim tão burros. A noção de capitalismo de muitos americanos não é tão abstracta como a dos europeus: para a maior parte deles, há capitalismo e capitalismo. Um jornalista que percorreu durante vários meses os estados do Sul e do Midwest - os que votaram em Trump - deparou-se m uitas vezes com esta atitude: apoio total ao sistema capitalista, oposição total ao "Big Business", que identificam com as grandes sociedades anónimas de responsabilidade limitada e, de entre estas, com os grandes bancos e companhias de seguros.
Ora isto não é grande burrice. A ideia de que estas empresas são contrárias ao capitalismo é pelo menos plausível, uma vez que pela sua própria existência, para não falar da sua actuação, distorcem os mercados. E, mesmo que não sejam inimigas do capitalismo, são pelo menos inimigas da versão idealizada do capitalismo que é a de muitos americanos.
Isto, a ser correcto, pode explicar a derrota de Hillary Clinton, que sempre foi vista como uma candidata do sistema - não do sistema capitalista em geral e abstracto, mas do "Big Business" e de Wall Street em particular e concreto - contra um candidato que se apresentava, ainda que mentindo, como adversário de Wall Street e defensor do capitalismo "puro" do "self-made man".
E pode explicar também a razão por que Sanders obtinha nas sondagens, antes das primárias, resultados melhores que os de Clinton quanto à probabilidade de derrotar Trump. É que Sanders podia apresentar-se, com mais credibiliade que Trump, como o maior adversário de Wall Street. Os americanos até pareciam dispostos a aceitar o rótulo de socialista que ele punha a si próprio: porque entendiam que o sistema a que ele se opunha não era o "capitalismo" tal como o entendem em abstracto as esquerdas europeias, mas o "Big Business" tal como o entendem, na América, muitas pessoas à esquerda e à direita.
O comentário do José Luiz Ferreira traz essa percepção avançada das propostas políticas nos EUA.
Por cá o que temos é o trabalho feito por uma comunicação social e seus comentadeiros que classifica como populista todas as manifestações políticas que façam uma abordagem crítica ao TINA em geral e a qualquer defesa dos interesses da maioria das pessoas em particular. E temos também o apoio dessa mesma CS àquilo que se chama demagogia populista tão bem representada pelo CDS/PP na figura do guru Paulo Portas e continuada pelos aprendizes Cristas e restante pandilha. Quem não se lembra do Portas a dizer que nunca entraria na política? Quem não se lembra do Portas, depois de mentir e ter entrado, vir dizer que o CDS era partido dos contribuintes? De 1% dos contribuintes, sim? E para melhor reduzir ao mínimo dos mínimos o interesse dos outros 99%, também? Com o outro pafista, Passos Coelho, tivemos não só a demagogia populista, mas também a mentira pura e dura, descarada mesmo.
Resumindo: reflexão e crítica política e propostas populares consistentes para defender os interesses da maioria das pessoas que vivem do seu trabalho e pensões, tendencialmente os 99 % - SIM; demagogia populista para defender os interesses dos rentistas e acumuladores, os 1 % - NÃO.
Um excelente post do Jorge Bateira para acabar de vez com a manipulação estigmática.
Há uma coisa na mentalidade norte-americana que pode parecer um bocado extra-terrestre aos nossos olhos europeus, mas que lá é perfeitamente normal: muitos americanos opõem-se a Wall Street e ao "Big Business" precisamente em nome do sistema capitalista idelalizado e utópico que tem o seu paradigma no "self-made man". Viram Clinton (correctamente) num destes campos; e viram Trump (erradamente) no outro.
Pois é, meu caro José Luiz Ferreira, são essas as aborrecidas complexidades tão bem expostas por si que não há meio de as pessoas (da direita, do centro, da esquerda ou da "esquerda"), tão bem industriadas pelos "mainstream media", encararem de frente e com pragmatismo. Já o falecido Chalmers Johnson tinha, há uns bons tempos, teorizado argutamente sobre o autêntico oximoro político em que se tornaram os EUA: o seu conceito de "blowback" está agora a materializar-se, ao vivo e a cores, perante os nossos olhos.
Muito bons comentários a seguir a um post muito bom
Ricarso Amaral tem esperto. Descobre em Nuno Robalo, ex-apóstolo do merceeiro do Pingo Doce, um homem capaz de reflectir além do pensamento único. Plauditae, plauditae.
"A globalização certamente piorou as condições dos trabalhadores nos países metropolitanos, um fato recentemente destacado pelo economista Joseph Stiglitz. Quase 90 por cento dos americanos, o que significa quase toda a população trabalhadora daquele país, hoje tem rendimentos reais que estão muito pouco acima do que eram há um terço de século atrás. Hoje os salários mínimos dos trabalhadores americanos estão, em termos reais, pouco acima do que eram há 60 anos atrás. Uma vez que houve algumas melhorias nestas magnitudes na primeira parte destes anos, o que isto significa é que houve uma deterioração no período mais recente, o que coincide com o auge da globalização.
Estatísticas ainda mais impressionantes descrevem o declínio drástico da expectativa de vida entre homens americanos brancos nos anos recentes, um declínio que recorda a queda drástica da expectativa de vida que se verificou na Rússia após o colapso da União Soviética. Um declínio da expectativa de vida, quando não há qualquer epidemia óbvia, é um assunto muito grave. E descobrir um tal declínio no mais avançado país capitalista do mundo testemunha o assalto aos meios de vida do povo trabalhador que a globalização provocou.
Uma história muito semelhante pode ser contada acerca de outros países capitalistas avançados. Sustenta-se habitualmente que os EUA são uma das economias com mais êxito, a primeira sede dos booms dos anos 90 e da primeira década do século actual, originadas respectivamente pelas bolhas "dotcom" e "habitacional", e também a economia que aparentemente está a ver um ressuscitar após o colapso da bolha habitacional. Considerando isto, o facto de que a população trabalhadora naquele país esteja a enfrentar tais dificuldades é extremamente significativo. No Reino Unido, nestes últimos anos houve uma queda drástica nos salários reais dos trabalhadores. Não é de admirar portanto que o descontentamento com a globalização seja generalizado entre os trabalhadores das economias metropolitanas, os quais, uma vez que até agora a esquerda não tomou adequado conhecimento disto, estão a ser explorados pela direita. Fenómenos como a votação do "Brexit" e a emergência de Donald Trump são explicáveis a esta luz".
Prabhat Patnaik
Há dois elementos do seu texto que eu destaco. Um é precisamente quando se refere a um 'programa alternativo consistente'. Relativamente a Sanders esse era porventura o caso, já quanto a Corbyn ou a Melenchon (que disse que a social-democracia era tóxica), tenho dúvidas e sérias. E sem os querer meter no mesmo saco de um Trump, Le Pen ou Farage, porque do seu discurso está ausente a xenofobia e a tentação de exclusão do Outro (mas confesso que fico estarrecido quando ouço falar neste espaço em reestabelecimento de fronteiras), diria que a luta contra a 'demagogia de Extrema-Direita' (para não usar a palavra populista que tanto vos desagrada, exceto porventura ao João Rodrigues) começa justamente na denúncia e desmontagem de um programa político onde parece caber tudo e na apresentação de alternativas realmente coerentes. Nesse sentido, Jorge Bateira, o institucional Mário Centeno, com os seus modelos económicos e as suas décimas do deficit é muito mais radical do que você, que defende uma 'frente de libertação do euro' que ninguém sabe bem o que é. Depois, diz que devemos perguntar às massas 'o que desejam'. O problema disso é que pode acontecer que a resposta não lhe agrade muito. Não, não falo do alto. Falo de quem se reserva ainda o direito de dizer que exclusão do outro com base na crença, cor da pele, orientação sexual, é algo de imoral. E se os seus excluídos ficarem ofendidos com isso, olhe paciência...
Não há já paciência para tanta demagogia
Quem é que defende a exclusão do outro com base na crença, cor ds pele, orientaçao sexual?
Quanto ao radicalismo de Mário Centeno...
Tenha dó
Se lhes tivessem mostrado o exemplo Benfica/Vale e Azevedo, Trump teria certamente perdido!
Jaime Santos diz que alguém falou no reestabelecimento de fronteiras. O que está longe de estar correcto.
Alguém fala, sim, o que é diametralmente diferente, na manutenção das fronteiras, mas parece que fala disso não enquanto reposição dos serviços alfandegários, mas antes associado a uma manutenção da soberania, uma fronteira a poderes políticos externos.
Não se percebe em que é que impedir o ministro das Finanças alemão ou holandês de nos governarem implica uma exclusão do Outro.
Anónimo das 14:29 de 15/11: É claro que impedir o ministro das Finanças alemão ou holandês de nos governarem não implica uma exclusão do Outro. Menos claro, mas igualmente verdadeiro, é que a exclusão do Outro pode simbolizar poderosamente a vontade de impedir que estrangeiros nos governem. O Outro não é a globalização neoliberal; mas em muitas cabeças é o rosto - o único que conhecem ou reconhecem - da globalização neoliberal.
Enviar um comentário