terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Eleições, democracia e reformas políticas (II)



Pelo contrário, como demonstrou Paulo Trigo Pereira (PTP), no estudo “boletins de voto, fórmulas eleitorais e liberdade de escolha” (e à semelhança do que já tinha sido feito na pesquisa sobre a reforma eleitoral que coordenei em 2008), o que falta em Portugal (um caso desviante na Europa) é “liberdade dos eleitores na escolha dos seus representantes”. E tal não se consegue com círculos uninominais mas sim com a capacidade de o eleitor poder escolher não só o seu partido mas também o(s) candidato(s) que prefere na lista de deputados (através do voto preferencial ou do “voto único transferível/VUT”, como propôs PTP). Claro que passar este poder para os eleitores implica retirá-lo às direcções partidárias (embora apenas parcialmente se se adoptasse também um círculo nacional com “listas fechadas e bloqueadas”). Num sistema como o que propusemos (2008) haveria uma repartição destas “tarefas” entre os eleitores, nos círculos regionais, e as direcções partidárias, no círculo nacional. Mais, num sistema como este, o uso das “listas aparentadas” e do VUT, só para os círculos primários, poderiam ainda funcionar como incentivos institucionais à cooperação (reforçando a governabilidade sem beliscar a proporcionalidade).

Curioso foi verificar que, apesar disto e da usual insistência de PS e PSD na questão da “qualidade da representação”, no debate só o BE declarou apoio ao voto preferencial (ainda que sublinhando a sua fraca utilização efectiva: mas com o “voto preferencial forte” - como seria o caso usando um boletim como o exemplificado acima: o voto num candidato, de um partido, é obrigatório - ou com o VUT tal ficaria resolvido). Pelo contrário, da parte do PS houve antes uma insistência nas questões da governabilidade, ainda que sem querer beliscar a proporcionalidade (moção de censura construtiva; possibilidade de converter certas leis cruciais, como o orçamento, em moções de confiança só derrubáveis por quem for capaz de propor um governo alternativo; etc.). No caso do PSD, além da subalternização da “qualidade da representação”, sobressaiu a ênfase na redução do número de deputados, no voto dos emigrantes e na ideia de que deve haver “proporcionalidade suficiente” para que as minorias possam fiscalizar os governos. Ou seja, tudo aponta para que, de moto próprio, os directórios partidários dificilmente prescindirão do seu poder na escolha dos deputados. Só o farão (eventualmente) sob pressão dos cidadãos, caso esta ocorra.

Publicado originalmente no Público de 30/11/2009.

Bibliografia útil sobre o tema:

1) André Freire, Manuel Meirinho e Diogo Moreira (2008), Para uma melhoria da representação política. A reforma do sistema eleitoral, Lisboa, Sextante.

2) Paulo Trigo Pereira e João Andrade e Silva (2009), “Citizens’ freedom to choose representatives: ballot structure, proportionality and «fragmented»’ parliaments”, Electoral Studies, 28, pp. 101-110.

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