terça-feira, 1 de maio de 2007

Uma mentira conveniente

João César das Neves publicou no DN, na segunda-feira, um artigo intitulado «Uma verdade muito inconveniente» no qual volta à carga com o estafado argumento de que o principal problema da economia portuguesa reside nos altos salários dos trabalhadores. Altos, não em comparação com os seus parceiros europeus, esclarece, mas altos face à sua produtividade.

César das Neves apresenta esta tese como se se tratasse de uma verdade que poucos se atrevem a denunciar. Mas como todos aqueles que lêem jornais sabem, passa-se precisamente ao contrário. Se há tese que vem sendo defendida e publicada amiúde na imprensa nacional é a de que os trabalhadores portugueses ganham em demasia.

Por isso, parece-me desapropriado o adjectivo «inconveniente» escolhido pelo famoso colunista, já que só algo muito conveniente é que poderia ser publicado tantas vezes e tão aplaudido e reproduzido na blogosfera. O célebre economista britânico Keynes já dizia, na sua Teoria Geral, pejado de ironia, que a «a sabedoria universal ensina que é melhor para a reputação fracassar com as convenções do que vingar contra elas».

Mas vamos lá ver porque razões (e o plural aqui é importante) a tese de César das Neves não é inconveniente nem tão pouco corresponde à verdade.

1. A produtividade em Portugal é baixa, isso é ponto assente. Mas esta depende em grande medida de outros factores, tais como a tecnologia, a organização do trabalhado e a cadeia de comando. O conhecido economista Silva Lopes disse há uns anos no Parlamento que «o que mais explica a falta de produtividade é a deficiente capacidade empresarial e a prova está na maneira como os nossos empresários estão a ser batidos no mercado interno». Monteiro Fernandes, por seu lado, atribuiu a fraca produtividade ao «desastre» que é a educação e formação profissional no nosso país.

2. A produtividade de um trabalhador depende muito do produto que ele produz. Sendo aquela medida, geralmente, em euros, não se pode esperar que trabalhadores que produzem produtos de baixo valor acrescentado (como se passa em grande parte do país) apresentem elevados índices de produtividade.

3. Por outro lado, segundo um estudo do economista Eugénio Rosa, a diferença entre a produtividade portuguesa e a europeia é bem menor do que a diferença entre os salários dos portugueses e dos europeus.

4. E, finalmente, não se deve esquecer o efeito que a remuneração pode ter na produtividade em si: no curto prazo, produz efeitos sobre o empenho e motivação dos trabalhadores (pelo menos comigo é assim) e tem um efeito de longo prazo na qualificação dos trabalhadores e, sobretudo, dos seus filhos.

6 comentários:

Samir Machel disse...

"E, finalmente, não se deve esquecer o efeito que a remuneração pode ter na produtividade em si: no curto prazo, produz efeitos sobre o empenho e motivação dos trabalhadores"

Infelizmente parece que nao nos patroes... Afinal, a disparidade salarial face a Europa nos cargos de topo é bem menor que nas outras ocupacoes, mas nao os faz trabalhar melhor.

L. Rodrigues disse...

Eu trabalho numa multinacional. Segundo o meu patrão temos uma produtividade 33% superior às congéneres europeias. Segundo ele também, isso não se deve aos salários baixos, porque, ainda segundo ele, 10 dos 20 salários mais elevados da industria em portugal são pagos na empresa onde trabalho.

Ponhecendo a realidade da empresa, aposto que a produtividade seria ainda bem maior se pelo menos metade daqueles 10 simplesmente não "trabalhassem" lá.

L. Rodrigues disse...

Já agora quando se fala de produtividade gostava de saber como a calculam.

Aposto que os portugueses, com as mesmas máquinas fazem tantos sapatos como os italianos ou os chineses. E com os mesmos materiais, fazem-nos tão bons ou tão maus como eles.
Se o preço a que o dito sapato é vendido é usado para calcular a produtividade do trabalhador, não vejo como o empresariado se pode ir ilibando desta história toda...

marimarieke disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Pedro Javier Mazzoni disse...

Na verdade meu caro Rodrigues, a questão é quanto tempo é que os chineses demoram a replicar as técnicas de produção dos outros países, uma vez perdida a vantagem competitiva em relação a eles o efeito custo directo faz pender a balança para o lado chinês. Para mais explicações em vez de tentar entender com mil teorias pouco originais pode ler David Ricardo sobre o assunto.
Atentamente

joãoB disse...

Claro que o empresariado nao se pode ir ilibando desta história toda de productividade. Temos uma burguesia vergonhosa, com salarios semelhantes ao resto da europa, mas sem a mesmas responsabilidades.