sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Já seria um bom começo

Preocupados com o coro monolítico e redundante de economistas e comentadores, que clamavam sem contraditório por austeridade, foi entregue à ERC, em outubro de 2010, uma petição pelo pluralismo no debate político-económico. Nesse documento, exigia-se aos «órgãos de comunicação social – em particular às televisões, e sobretudo àquela a quem compete prestar “serviço público”» - respeito pelo pluralismo, «de modo a que se possa construir uma opinião pública mais ativa e informada», indispensável a uma democracia verdadeiramente capaz de fazer escolhas.

Em resposta, a ERC afirmou que sendo possível aferir a «diversidade da proveniência dos actores sociais presentes no comentário económico» (através do resenceamento de programas), já «o substrato ideológico subjacente às posições assumidas» pelos intervenientes era difícil de apurar. O que não impediu a entidade reguladora, contudo, de concluir que o comentário sobre assuntos económicos era «tendencialmente diversificado», consideração que levou os promotores da petição a endereçar à ERC um comunicado de resposta.

Percebe-se, claro, que seja mais fácil e exequível mapear comentadores, analistas e colunistas que escrevem em jornais e/ou participam em programas de rádio e televisão (exercício que a ERC não faz e devia fazer regularmente), que proceder a uma análise do seu discurso e à tentativa de definir o seu posicionamento político-ideológico, permitindo que se tivesse uma noção do grau de pluralismo de opinião em cada órgão de comunicação social.

Por isso, e face ao declínio editorial persistente, que o João Rodrigues tem assinalado neste blogue, através de uma certeira e oportuna sequência de posts (ver por exemplo aqui, aqui, aqui ou aqui), as televisões, rádios e jornais bem poderiam adotar um barómetro político, solicitando aos seus comentadores, analistas e colunistas - nomeadamente os que participam em programas ou espaços de debate e comentário político e económico - o seu preenchimento.


Escolhida uma versão aceitável desta ferramenta, como a original ou até, por exemplo, a recentemente criada pelo Público (mesmo sendo mais circunstancial), e evitando versões manhosas (como a do Observador ou outra, menos recente, ligada à Iniciativa Liberal), poderia obter-se uma ideia do grau de enviesamento e de preocupação com o pluralismo e diversidade de opiniões em cada rádio, jornal ou televisão. É pouco? É. Mas já permitiria dar um passo ao nível da transparência e da conformidade das escolhas com os estatutos editoriais, em regra pautados pela retórica da isenção, rigor e imparcialidade.

3 comentários:

Jaime Santos disse...

Já reparou que pede que se faça o policiamento das opiniões dos comentadores, inclusive o auto-policiamento, recorrendo nesse caso ao preenchimento de inquéritos?

O pluralismo alcança-se dispondo de um vasto leque de órgãos concorrentes na comunicação social. O liberal Guardian aguenta-se há duzentos anos. Em Portugal, a Esquerda queixa-se da sua falta de representatividade apelando ao Estado que intervenha...

Com a decadência do modelo estatista após as crises do anos 70, this is self defeating...

A não ser, claro, que seja apenas uma desculpa para não admitir responsabilidades após uma derrota muito amarga...

Nuno Serra disse...

Caro Jaime Santos,
Não distorça o argumento nem desvie a conversa, como costuma fazer quando o tema é este. O que está aqui em causa é sobretudo a contradição entre os estatutos editoriais dos órgãos de comunicação social, que apregoam isenção, rigor e pluralismo, para de seguida - na prática - fazerem o contrário disto tudo na composição de painéis de comentário e debate.
Desse ponto de vista, convenhamos, o Observador por exemplo é mais sério, não finge e diz ao que vem. Nada contra. Mas que dizer do enviesamento político-ideológico de um canal público como a RTP? Como o justifica no seu quadro interpretativo das coisas?
Cumprimentos,
Nuno Serra

Anónimo disse...

Parece o filme «Citizen Kane»; ninguém é dono da sua opinião, porque esta é paga e a bom preço.
Daí que os «Ladrões de Bicicletas» fazem bem em seguir com o seu trabalho. Este é de tal maneira perfeito e bom que até um palonço, como o Jaime Santos, reconhecem o seu mérito.