O último post partiu de um erro e chegou a uma conclusão meia errada. Mas não inteiramente incorrecta.
Em discussão, estava a afirmação repetida à exaustão de que "Portugal nunca recebeu tanto dinheiro". Essa afirmação tem por base o valor de 57,9 mil milhões de euros para os próximos 9 anos (2021-2029), que se obtém somando 29,8 mil milhões do próximo quadro comunitário (2021-2027), mais 15,3 mil milhões do fundo de recuperação da economia e ainda mais 12,8 mil milhões de verbas não executadas do anterior quadro comunitário. Como as verbas não executadas já se encontram contabilizadas no próprio período, atenha-se apenas às duas primeiras parcelas, num total de 45,7 mil milhões.
No post anterior, partiu-se do texto de Luís Madureira Pires, “30 anos de fundos estruturais (1986-2015)” que, no quadro 1, sintetiza as verbas comunitárias recebidas desde 1989. Como não é correcto comparar valores correntes de anos distintos, usou-se o actualizador do INE. E concluiu-se que, não só as verbas recebidas entre 1994 e 2007 estavam ao mesmo nível do que se irá receber de 2021 a 2027, como era - por isso - muito provável que, em termo de transferências líquidas de contribuições para o orçamento comunitário, as ajudas comunitárias ficassem mesmo aquém das já recebidas.
Porém, cometeu-se um erro. Ao actualizar-se aqueles números não se reparou que já estavam actualizados a preços de 2014. Assim, ao actualizar-se a preços de 2019 como sendo valores correntes (e não a preços de 2014), sobrevalorizou-se os valores mais antigos.
Quando se compara os tais 45,7 mil milhões de euros com o passado, esse montante está francamente acima do recebido anteriormente. Mas apenas o está porque se receberá 15,3 mil milhões de euros do fundo de recuperação. Caso contrário, os fundos comunitários a receber por Portugal - 29,8 mil milhões estariam bem abaixo do recebido entre 2000 (34,3 mil milhões) e 2013 (31,2 mil milhões). Para vitória, continua a ser uma meia vitória.
Em termos de montantes anuais a entrar em Portugal, deve ter-se em conta já os 57,9 mil milhões de euros, incluindo os 12,8 mil milhões não executados. Em rigor, dever-se-ia abater aos valores passados as verbas não executadas, mas omita-se essa correcção.
Como se pode no gráfico ao lado, o erro - mais uma vez - sobrevalorizou os valores passados. E, claro está, que a média anual na próxima década é superior a qualquer período passado. Mas o curioso é que - mesmo tomando esses valores mais elevados - a média anual do período 2021/2029 não está muito longe da verificada entre 1994 e 2013. Se na próxima década a média anual será de 6,4 mil milhões, entre 1994-1999 foi de 4,6 mil milhões, entre 2000-2006 de 4,9 mil milhões e entre 2007-2013 foi de 4,5 mil milhões.
Ou seja, apesar do erro, mantém-se a dúvida: Qual a razão então de tanta euforia com a vinda dos dinheiros
comunitários? E mais uma vez, é de sublinhar que a aproximação política que faz soar as campainhas de um bloco central entre o PS e o PSD se verifica num contexto de entrada avultada de dinheiros comunitários. E que, olhando para a História, é de temer que essa confluência de entendimento adense o ambiente de pântano que levou António Guterres a demitir-se de primeiro-ministro ao menor pretexto (derrota nas autárquicas de 2001).
Segundo conclusão: Quanto é que efectivamente Portugal receberá da UE?
Aqui, o post passado não errou. Chamava-se a atenção para o facto de, politicamente, se estar a atirar para os olhos dos cidadãos os montantes das transferências brutas, quando - na verdade! - não é esse o montante que ficará: é preciso lembrar que Portugal contribui para o orçamento comunitário. E não é pouco. As transferências têm vindo a descer e as contribuições a subir. E caso se compare entre o que entra e o que sai, observa-se que o montante final das transferências comunitárias são bem mais baixas e que isso poderá fazer diferença quando se tem um plano da pólvora por financiar e se quer mudar a estratégia económica de Portugal.
Concluindo: é verdade que "Portugal nunca recebeu tanto dinheiro"? É. Mas não é assim tanto mais se tivermos em conta que é suposto servir para enfrentar a maior crise de que há memória...
4 comentários:
Mais vale corrigir tarde que nunca. Mas que foi uma bronca de um erro, foi. Ainda por cima, o post, com a análise e a conclusão errada, foi invocado numa série de sítios. Nem é preciso ir longe, basta ver o imediatamente anterior no blog. Não leve a mal, acompanho e valorizo o seu trabalho e a sua crítica, mas às vezes fico com a sensação de que escreve com demasiada precipitação.
O preço que a maioria da população portuguesa está a pagar com a sua inclusão na não referendada CEE e zona Euro não se limita à contribuição para o orçamento europeísta...
Um outro preço são as "reformas estruturais" (austeridade) que a inclusão no clube europeísta obriga.
Existe para aí euro-dependentes que afirmam que os portugueses devem estar muito gratos pela bondade da Comissão Europeia e restante canalha europeísta, nada mais perfidamente errado.
A larga maioria da população portuguesa nada deve à seita europeísta, é o contrário!
A União Europeia é uma máquina de regressão e punição desde o seu início, especialmente para os países do sul da Europa.
Os que têm a ganhar com os subsídios da União Europeia são sempre os mesmos, ou seja, a classe política do centrão, a comunicação -manipulação- social e os interesses económicos dominantes.
Não tenho qualquer razão para acreditar que a situação vai melhorar para a larga maioria da população só porque a União Europeia abriu um pouco mais a bolsa e resolveu distribuir mais uns euros que não estava a contar distribuir...
E repito aquilo que aqui já varias vezes divulguei. No Japão, país com muito menos população que a União Europeia, a criação de novo dinheiro é maior que o da União Europeia.
Os que não fazem parte do complexo mediático-económico-político europeísta não têm qualquer razão para estar eufóricos, têm razão para estar frustrados e revoltados pelos já longos anos de repressão financeira e degradação democrática a que têm sido sujeitos pelo europeísmo/ neoliberalismo!
João pimentel ferreira acha que o autor do post escreve com demasiada precipitação?
Ahahahaha
É o próprio Pimentel ferreira que o diz? Aquele que nos acostumou a dar broncas e erros,tudo ao mesmo tempo e com fé em deus e no ministro holandês?
Aquele da segunda derivada montado no cavalo de Passos coelho?
Ahahahah
São apenas mais umas migalhas, mas apregoou-se simplesmente "Temos que estar muito gratos", "Isto é uma grande oferta" e, no fundo, ninguém discutiu se os tais montantes do fundo de recuperação é adequado e suficiente à dita recuperação... Não vi qualquer análise técnica ou sua apresentação pelos políticos, em termos simples...Se é que me faço entender.
E já agora, se alguém me puder informar, que material e estudos existem da situação portuguesa, no que respeita a comércio: situação integrados na UE e que entraves ela nos levanta ao comércio com o mundo. Ou seja, comparar se não perderemos o comércio com o resto do mundo, se esse comércio não seria muito mais do que os tais cerca de 15 mil milhões, ou mesmo todo o dinheiro que vem agora para 2021-2027...
O impacto económico e comercial do livre comércio com o resto do mundo não seria mais vantajoso do que estes milhões? Será mesmo vantajoso actuarmos com o resto do mundo em bloco? É que o que se diz é que actuando no mundo com o bloco UE é melhor, mas ressaltam-me algumas dúvidas quanto a isso.
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