terça-feira, 18 de outubro de 2016

A reforma é outra

Volta e meia vem à baila a necessidade de reforma da Segurança Social. A comunicação social - pressionada pela agenda da oposição de direita - insiste. Mas o discurso da insustentabilidade parte de pressupostos que representam a desistência de uma política económica com objectivos estratégicos.

O capítulo anexo do relatório do Orçamento de Estado sobre esse tema – a partir de estimativas europeias - apresenta na pagina 247 uma tabela que diz quase tudo. Dá-se por adquirido que a natalidade não progredirá de forma a compensar o envelhecimento; que a esperança de vida continuará a subir (ainda bem!) e que o saldo migratório se manterá negativo. Ou seja, que continuaremos a emigrar mais do que atraímos imigrantes. Espera-se – de braços cruzados – que Portugal perca 2,3 milhões de pessoas até 2060!! Claro que assim não há contas que resistam.

Além disso, espera-se que as contribuições e quotizações para a Segurança Social, feitas pelos trabalhadores e patronato, manterão o mesmo peso no PIB (8,1%) até 2060.


Isso quer dizer que o peso dos salários no PIB se manterá constante ao longo do tempo e que não haverá qualquer melhor redistribuição do valor acrescentado produzido do que a actual. Para que esse objectivo seja possível, isso pressupõe que a subida da massa salarial - o produto da subida do emprego com a subida dos salários - nunca possa ir além do crescimento do PIB. O que – segundo as previsões – ficará ao redor de 1%!!! De 1,4% em média anual até 2020, de 1,6% na de 20, de 1% na de 30, de 0,7% na de 40 e de 0,8% na década de 50!

Faça-se um exemplo: para que a massa salarial cresça 1,4% num ano, tanto o emprego como os salários deveriam crescer apenas 0,7%. Ou mais o emprego e menos os salários. Ou vice-versa. Estão a imaginar a chantagem que será feita... Para a massa salarial crescer 0,7%, será metade disso!

E, claro está, o nível de desemprego descerá ligeiramente, mas não muito. O que ajudará a pressionar os salários para baixo.

Ou seja, algo que prolonga o que se viveu até agora e que nos tem levado a esta situação.

Entre 2000 e 2011, Portugal perdeu 213,9 mil empregos e o desemprego em sentido lato abrangeu mais 520,4 mil trabalhadores. Mesmo assim, a população activa subiu quase 200 mil pessoas. Mas, a partir de 2011 e pela primeira vez, a população activa perdeu pessoas: cerca de 300 mil. Além do que se perdera antes, foram destruídos mais 260 mil postos de trabalho. A emigração foi o escape da estagnação.Os salários recuaram e a pobreza aumentou.

Por outras palavras, o Portugal que nos prometem já aí está. É o de um país em completa estagnação, em que os serviços públicos estão cada vez mais rarefeitos, em que os portugueses definham e emigram. E os que sobram envelhecem e recebem prestações sociais, necessariamente cada vez menores, porque a pressão do sistema será - neste quadro - para a ruptura e, por isso, há que fazer poupanças...

E mesmo assim, a crise do sistema - segundo as mesmas contas - apenas aparecerá lá para a década de 50...! Ou melhor, aparecerá mais cedo, mas o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), criado para as emergências, suportará o embate.


A solução não está, pois, numa reforma que reduza prestações sociais ou que reduza contribuições como querem as direitas. Porque essa “saída” levar-nos-á mais facilmente ao fundo, como aconteceu em 2011-2013, ou chegaremos mais rapidamente à ruptura (caso se retirem contribuições a alguns trabalhadores através do plafonamento).

A reforma deverá ser outra.



Não será fácil encontrar uma saída no actual quadro comunitário (Tratado Orçamental, moeda única, funções do BCE) e não será fácil viver com algumas rupturas. Mas nenhum povo se pode entregar a um destino como o que nos mostram como sendo o expectável.

A verdadeira reforma da sustentabilidade da Segurança Social é a reforma das causas profundas que atam o nosso país. O problema não são os salários elevados (quais?! A esmagadora maioria recebe abaixo de mil e tantos euros mensais!). Passa por encontrar forma de elevar o emprego. De crescer mais. De fazer com que o consumo e o do investimento privados não se transformem num maior défice das contas externas. Porque o nosso problema não é o consumo ou o investimento, mas sim as importações.

Porque chegará a altura em que - tal como a reestruturação da dívida pública passou de um tema maldito a aceitável pelo FMI... - o fim da moeda única (como a conhecemos) se tornará consensual. E isso porque é irracional do ponto de vista económico e um factor de desestabilização da Europa. E nessa altura, Portugal terá de aguentar a subida do preço das importações e precisará de estar preparado para isso.

Neste combate, o patronato e os empresários terão todo o interesse em encontrar um terreno comum com os trabalhadores. Sob pena de todos definharem, a prazo. Pode ser que alguns sobrevivam, mas à custa de muitos outros. Talvez seja a lei de concentração do sistema capitalista, mas muito poucos terão interesse nisso. E depois não nos falem de violência ou caos.

Nem mesmo a direita nacional – sempre tão míope nas suas ideias - se deveria manter afastada dos seus jogos de vistas curtas que têm levado a cabo ao longo de mais de duas décadas, individualistas e egoístas, subservientes de um pensamento importado, que apenas beneficia um sistema financeiro depauperado ou internacional. Mas isso fica para o próximo post.

7 comentários:

Anónimo disse...

Interessa saber se existe realmente o risco de que os recibos verdes paguem mais, com diz o DN. Vai o Governo atacar os precários?

Jose disse...

Fez-se luz!
Ainda que haja fortes bancos de nevoeiros: «o nosso problema não é o consumo ou o investimento, mas sim as importações»!

Enquanto a esquerda se mantiver nesta estúpida ideia que ´pode haver crescimento económico sem que surjam ricos ou sem que os ricos enriqueçam;

Enquanto dominar a piegas e parola ideia que mais vale pobres e iguais que prósperos e desiguais;

Enquanto que o progresso económico que se quer para os pobres seja execrado nos remediados e ricos;

Enquanto os pseudobolcheviques habitarem as pastelarias de Lisboa;

Estamos feitos!

Unknown disse...

Como eu gostava de ter uma santinha boa em fantasias : "o que se viveu até agora e se prolongue"
Foi, já piorou, mas mais para a frente todos virão criar riqueza para podermos sair da UE em grande ...linda santa da demagogia.

Anónimo disse...

"Enquanto a esquerda se mantiver nesta estúpida ideia que ´pode haver crescimento económico sem que surjam ricos ou sem que os ricos enriqueçam"

Este tipo da 1 e 51 está tonto. Parece que há aí um post recente no LdB sobre eo assunto.

Mas este encavalitar dum a tentar justificar a riqueza duns eleitos, faz lembrar quem defende a natureza divina do poder real ou a prepotência de maia dúzia de nobres habitualmente fanados e impotentes.Mas profundamente ciosos dos seus privilégios de classe

De forma piegas e parola eis a estúpids ideia da necessidade de ricos ( muito ricos dirá em surdina) como forma de suprir as deficiências do Capitalismo

Eis de forma negra e acintosa a confirmação que há mesmo luta de classes. Está o da 1 e 51 com a sua. Era "perito" em relações laborais pelos grandes patrões.
Pago para o efeito e com ajudas de fundos comunitários.

E faz serviço cívico em função de tal

Anónimo disse...

Herr Jose.
Terá sido do cuco que o atormenta, do álcool que o consome, ou da peritagem a soldo do grande patronato...

Mas a que propósito tira tais conclusões deste excelente post do João?

Um calmante, o consumo moderado ou o deixar de se prestar a tais cenas seriam saídas possíveis para evitar estas suaa deixas piegas, parolas e pegajosas

Jose disse...

´«...nobres habitualmente fanados e impotentes»
Donde se prova que onde há nobres há ralé a tomar-lhes as medidas.

Anónimo disse...

Parece que o das 16 e 13 não percebeu o dilema, embora possa ser curioso este tomar piegas das dores pelos nobres fanados e impotentes.

O que se regista é o anacronismo da existência daquela casta, ou da existência real por vontade divina. Tal como a justificação dos ricos e muito ricos a pingar para os demais. Mas já lá vamos

Coisas bolorentas estas dos nobres ( esta pieguice...)a tentar justificar o injustificável.

Tanto mais que a ralé actual está pejada dos nobres fanados aí falados atrás. Como é do conhecimento de todos.