terça-feira, 18 de outubro de 2016

Nota sobre o Orçamento de Estado

A economia portuguesa tem vivido uma situação bastante estranha durante os últimos dois anos. Com a imposição de um programa de profundos cortes na despesa pública e aumento da carga fiscal, sob o signo da intervenção externa da troika, a economia portuguesa comportou-se de forma bastante expectável: forte contracção do produto e aumento exponencial do desemprego. No entanto, com o aligeiramento e mesmo reversão dos cortes, a partir de 2014, observa-se uma situação paradoxal: os níveis de investimento, depois da queda abrupta provocada pela política do último governo, não recuperaram. O stock de capital do país, ou seja, a sua capacidade produtiva, tem caído de forma continuada, já que o investimento não é suficiente para substituir a degradação e obsolescência do capital previamente existente. No entanto, os níveis de emprego recuperaram. Quer a forma de cálculo do stock de capital, quer, sobretudo, as estatísticas do emprego estão sujeitas a variadas manipulações, já expostas neste blogue há muito. Ainda assim, parece-me razoável assumir a existência destes dois movimentos, aparentemente contraditórios, na economia portuguesa.

(Os dados do gráfico são da AMECO para o stock de capital e do INE para o emprego)

Como explicar tal paradoxo? Penso que existem duas explicações. Por um lado, a queda abrupta da procura interna resultou em capacidade produtiva existente não utilizada. No momento em que a procura recupera, como agora acontece, muitas empresas não têm de realizar novos investimentos para aumentar a sua produção, limitando-se a contratar mais trabalhadores para postos de trabalho antes extintos – o que mostra a enorme “flexibilidade” do mercado de trabalho português, ao contrário dos mitos urbanos em torno deste. Por outro lado, parece-me legítimo assumir que a maior parte do emprego criado se concentra nos serviços, mais reactivos ao andamento da procura interna, sendo de resto pouco intensivos em capital. Poderíamos concluir que estamos perante o sucesso do programa a que Portugal foi sujeito. Com o trabalho embaratecido, observamos algum dinamismo em sectores trabalho-intensivos, cada vez mais competitivos na esfera internacional, como acontece com o turismo, originando um novo ponto de equilíbrio da economia portuguesa, marcado por baixa produtividade e baixos salários. Contudo, a contínua queda do stock de capital não nos pode conduzir a essa conclusão. A actual situação de tímida criação de emprego é insustentável no futuro, tanto mais que beneficiamos de condições dificilmente repetíveis no futuro de baixo custo de combustíveis e baixas taxas de juro, já aqui assinaladas pelo Ricardo Paes Mamede, que permitem que o frágil equilíbrio externo se mantenha.

Isto tudo para fazer um pequeno comentário ao Orçamento de Estado. Com níveis de investimento público que são, em percentagem do PIB, metade do que eram ainda há poucos anos, não há milagres na inversão da presente tendência de destruição de capacidade produtiva. Acresce a isto uma evolução negativa dos gastos públicos que serão, em 2017, um permanente lastro a qualquer recuperação económica robusta, devido a uma redução da despesa em percentagem do PIB. Tudo isto em nome do bom cumprimento das imposições europeias, que obrigam a um saldo primário (saldo antes da despesa com o serviço da dívida) positivo de uns extraordinários 2,8% do PIB. Este orçamento é a continuação da estagnação económica.

13 comentários:

Jose disse...

A bonança do turismo e da restauração.
O primado do rendmento ao eleitorado.
A dependência de fundos europeus.
A degradação dos serviços públicos.
Os transportes à espera.
O investimento desconfiado.
A oposição sem caminho nem afecto possível.
A economias pasmada.
O discurso de esquerda a fazer do pouco muito e a retórica do 'em linha'.
As contas do PS para equilibrar.
O país adiado

Anónimo disse...

À denúncia da estagnação económica provocada pelas imposições europeias, a que se aliam os mais sórdidos interesses da direita e da extrema-direita cá do burgo, leva a que um perito se mova em jeito de serviço cívico.
O que sai é uma espécie de poema, assim ao jeito de.

-Em que fala na bonança do turismo e da restauração, a marcar o passo da sua impotência perante a realidade.
-Em que desgostoso confirma que há reposição de alguns dos cortes que os seus amigos fizeram no seu processo de saque e roubo
-Em que, qual travesti da legião portuguesa, assume agora o papel oposto, mostrando a sua dependência de fundos europeus pelos quais se bateu até à última na obediência aos agiotas e aos credores.
-Em que, atestando uma falta de memória incrível, fala da degradação dos serviços públicos, repetindo puerilmente o guião de Cristas, mas esquecendo-se que ele próprio andou por aí a atacar boçalmente os serviços públicos e a apelar para a sua extinção, nos anos em que a governança governava. Cristas terá aqui que arranjar outro homem-de-mão?
-Em que também se esquece do que disse sobre os transportes e os transportes públicos e onde salivava pela sua privatização, prometendo "porrada" a quem não lhe respeitasse as ordens de Coelho e Portas.
-A repetir de forma monótona outro guião dos comissários europeus e de Barroso,aquele trafulha que elogiou e bajulou sobre o investimento "desconfiado"(esta do investimento desconfiado é digno dum vero poeta , não é?)
-O seu descontentamento pela oposição que diz termos, qual viúvo a exigir mais, em nome dos ontem que cantavam ao serviço da governança sem freio. Pelo meio uma misteriosa referência ao afecto, não se sabendo se numa referencia poética ao afecto materno pelo cuco que o atormenta.
-Uma outra referência assumidamente também poética, imitando um pouco grosseiramente Ballester sobre o pasmo das economias.( pasmado ficou depois de)
-A sua aversão ao discurso de esquerda, que tão pouco tem feito, embora vá contra a retórica agressiva e caceteira do próprio contra tudo o que a esquerda tem feito. Não joga a bota com a perdigota, mas isso de botas deve ser algo que Freud explicaria melhor, tal como a posição em linha com que sonhava os soldadinhos de chumbo a servir o dito cujo.
-A preocupação pelas contas do PS numa espécie de equilíbrio próprio dos malabaristas para não lhe pedirem contas pelo BPN e pelos patrões donos disto tudo que representou como perito.
-A expressão duma pieguice que seria censurada pelo seu admirado Passos Coelho, traduzida nesse soluço do "país adiado". País adiado pela chantagem inadmissível da UE e do directório, mas que na linguagem poética em causa se traduz na frustração que ainda não se tenham acabado os direitos que raivosamente tenta despedaçar

Moral da história:
Um sério candidato ao prémio do choradinho em tom menor a agraciar por Cavaco Silva numa próxima oportunidade e a adicionar como apêndice do livro do Saraiva a apresentar pelo seu amigo Passos.

Anónimo disse...

Este orçamento é, na melhor das hipóteses, a continuação da estagnação económica. No que respeita ao investimento é um orçamento pró-recessivo. O PS ainda não percebeu que anda a pregar pregos no seu caixão. Muito mais grave, muito gente ainda não percebeu como a recuperação, muito insuficiente, dos seus rendimentos e direitos está a ser construída sobre um terreno movediço e que facilmente pode ser deitada toda a perder. A recente intervenção da troika mostrou bem como isso é possível. E como isso se faz. Não foi assim há tanto tempo.

Viriato disse...

Ferreira Leite. "Política europeia tem sido a causa da desgraça" portuguesa - Renascença
Antiga ministra considera que “enquanto houver tratado orçamental Portugal não vai crescer”.
Espera ai....!!! Mas não era isto que o PS de Sócrates argumentava em 2011 quando dizia não quer cá a troika?!! E que mesmo assumindo o rigor dos PECs, conseguiria baixar o défice de ( 6% na altura) e a dívida publica de então 97% do PIB ?!!!!

Jose disse...

O tratado orçamental. A besta negra da esquerda e de uns tantos treteiros!
Como se sem ele houvesse crédito!!!!

Anónimo disse...


Sou uma pessoa relativamente velha, e sempre me disseram durante meus quase 80 anos que a redistribuição da riqueza só pode ser atingida por meio do crescimento econômico. Muito bem! E todavia. tendo feito isso nos últimos 40 anos, não tem funcionado. A “economia” cresce sim senhor, no mercado negro e na cambança. E tal como na Venezuela foi nos imposta uma guerra economica pra qual não estavamos preparados.
Então penso que precisamos de dar mais atenção a´ redistribuição dessa mesma riqueza. Essa deve ser a prioridade. Verificou-se um toque subtil com a reposiçao de vencimentos e ate este OE da´ um ligeiro sinal de aproximaçao a´redistribuiçao, mas torma-se ineficaz pela debilidade desse mesmo sinal.
Dir-me-ao que o BCE- a CE ou a ingenuidade deste governo dito de esquerda tem uma visao distorcida da realidade existente no pais, ate´ pode ser…so´ que a miseria das familias não se compadece com tais visoes. De Adelino Silva

Anónimo disse...

Qual será o crédito de alguém que assumidamente diz hoje algo que contradiz o que disse ontem?

O país adiado de que fala será o protectorado da troika que defendia até à histeria? A Alemanha pela qual berrava para açoitar Portugal? A Espanha para retomar o trilho do Miguel de Vasconcelos?

A besta negra ou o treteiro?

Jaime Santos disse...

Precisaria Portugal de uma política orçamental mais expansionista, onde coubesse investimento público em áreas de elevado retorno que recorram profundamente à investigação científica e tecnológica? Com certeza. O problema que se coloca é que eu não vejo ninguém a defender que o País não deva continuar a financiar-se no estrangeiro, com Euro ou sem ele. E isso coloca sempre profundos constrangimentos nas políticas orçamentais. Acreditam sinceramente que é possível que a Economia saia da Moeda Única a curto ou médio prazo sem um choque significativo que tornaria, pelo menos de forma temporária (durante dois anos, pelo menos), o País muito pouco apetecível ao financiamento externo? A necessidade de manter o País numa banda mais ou menos estável de um Euro- ou de um cabaz de moedas obrigaria aliás a que o Estado tivesse que recorrer a empréstimos que nunca viriam sem condições. E se isto é assim, então o melhor que podemos esperar é que se dê uma transformação da filosofia das instituições europeias, por pouco provável que ela pareça agora...

Anónimo disse...

"o melhor que podemos esperar é que se dê uma transformação da filosofia das instituições europeias, por pouco provável que ela pareça agora..."

Esperar sentado...tal como muitos judeus esperaram até se encontrarem a ser gaseados

Jose disse...

As ânsias por transformações externas indicam, ao que parece. que não há nada a fazer internamente entretanto.
Parece assim que o que há a fazer internamente depende de mais dinheiro que venha de fora.
Como o investimento externo é sempre explorador, blá, blá, os nossos direitos, blá, blá os nossos valores, o que está está muito bem e é para quem quer, logo se conclui que no essencial se deverá tratar de dádivas ou até mais dívida desde que não seja para pagar neste milénio.

Tudo dá numa treta mais sem jeito...e crescimento 'em linha', naturalmente.


Anónimo disse...

"Ânsias por transformações externas"?

O que será isto?

O que pretende quem passa do versejar hipócrita e lamuriento para estas ânsias, não sem antes fazer referência à "besta negra" e ao seu fanado "crédito" ?

Um blá-blá-blá de "perito" patronal pela certa, a quem dá gozo fazer serviço cívico. Mas se os exercícios onanistas confessados chocam com este choradinho perpétuo, não é admissível este desfilar de tretas treteiras sem jeito e em crescimento.

Ora vejamos:
- Quem disse ao sujeito em causa que não há nada a fazer internamente? Um dado essencial foi correr com a governança instalada. Lembrar-se-ão certamente da crise histérica paroxística e malcriada do sujeito em causa quando perante tão alegre acontecimento.
Mas muitas outras cousas há a fazer neste nosso país à beira-mar plantado. E uma delas é o esclarecimento da situação e o debate de ideias. E o colocar em causa precisamente a dependência à UE.

Tais simples verificações arruinam completamente a espécie de silogismo posterior desenvolvido pelo espécimen em causa.

Pelo que ao "poema" piegas e viscosa e à besta negra se vão juntar outros pedaços duma prosa sem nexo e ideologicamente encharcada, a saber: "investimento externo explorador, nossos valores, muito bom e é para quem quer, dádivas, dívidas, milénio...". Tudo isto desbobinado em corridinho de blá-blá-blá feito tropel velho e apodrecido.

Está inquieto e tremente esta espécie de.

Ainda bem

Anónimo disse...

Não há qualquer espécie de duvida, este orçamento é mais um de estagnação económica.

Anónimo disse...

É de facto um orçamento insuficiente que continua a estagnação económica.

Mas há que lembrar as ameaças que se acentuaram em tempo de elaboração do orçamento: «Corte e suspensão dos fundos comunitários, inevitabilidade de um novo resgate e até o FMI veio também apresentar um rol de medidas ditas de austeridade no valor de 900 milhões de euros». O objectivo é claro e passa pela tentativa de imposição da cedência, submissão e rendição incondicional à política de exploração e empobrecimento que serve os seus interesses"

Há que ousar cortar com o cordão umbilical que nos torna servos e súbditos desta UE chantagista e ao serviço dos grandes interesses económicos