quinta-feira, 6 de outubro de 2016
A abrir
Quando um comportamento responsável dos povos de Estados organizados democraticamente significa deixar de dispor da sua soberania nacional e limitar-se, durante gerações, a assegurar a sua solvabilidade perante os seus credores, poderá afigurar-se mais responsável tentar comportar-se forma irresponsável. Se ser razoável significa pressupor que as exigências dos “mercados” à sociedade têm de ser cumpridas, nomeadamente à custa da maioria da sociedade à qual, após décadas de expansão neoliberal do mercado, nada resta senão prejuízos, então, o irracional poderia ser, de facto, a única coisa racional.
Wolfgang Streeck, Tempo Comprado – A Crise Adiada do Capitalismo Democrático, Actual, p. 235.
Amanhã, terei o privilégio de fazer a apresentação de Wolfgang Streeck, que abrirá certamente com chave de ouro o Fórum de Outono da Manifesto. Direi três ou quatro coisas.
Em primeiro lugar, Streeck é o autor do que considero ser o melhor livro disponível entre nós sobre as origens do crescente divórcio entre capitalismo e democracia, que assume formas particulares no continente europeu, ou seja, do melhor livro de economia política escrito depois da crise de 2007-2008.
Em segundo lugar, Streeck tem sido, a partir do seu influente lugar no topo da academia alemã, um dos defensores do regresso da teoria social à economia política, na tradição de Karl Marx, Max Weber ou Karl Polanyi, referências que combina criativamente no seu trabalho.
Em terceiro lugar, e partindo de uma adequada compreensão das origens monetárias e financeiras das tendências pós-democráticas no continente, o que implica uma adequada compreensão da natureza política da moeda, enquanto produto em última instância de um poder soberano, Streeck tem sido um crítico denodado do Euro, que divide a Europa, defendendo o seu desmantelamento. Isto em nome de uma cooperação regional europeia compatível com ampla margem de manobra dos Estados. Tal processo de desmantelamento e reconfiguração monetária é uma condição necessária para travar esta trágica maquina hayekiana de liberalização que dá pelo nome de UE, incluindo também um Tribunal muito pouco escrutinado, que destrói a social-democracia em nome das liberdades cada vez mais irrestritas do capital.
Em quarto lugar, Streeck tem emergido como um intelectual público, um crítico vocal das ilusões federalistas pós-nacionais, entre outros, de um Habermas, uma espécie de anti-Habermas, na realidade, indicando como as análises e prescrições do filósofo de Frankfurt assentam numa visão altamente despolitizada da moeda e dos mercados, acabando a teoria crítica, divorciada da economia política, trágico destino, a elogiar Draghi, mesmo que o BCE seja o mais rematado exemplo institucional de desconsideração dos interesses sociais e democráticos dos tais povos dos Estados. A Grécia aí está: ao não controlar a moeda na qual a dívida está denominada, a democracia fica refém de um banco central para todos os efeitos estrangeiro e só um banco assim poderia montar uma operação de desestabilização de um sistema bancário nacional para alcançar objectivos políticos.
Não faltem. Haverá debate, certamente.
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8 comentários:
Para apresentação duma apresentação...muito bom.
Apetece mais
A questão que se coloca é apenas qual o plano de contingência e as políticas que é necessário implementar se queremos ser 'irracionais'. E quais as consequências e os eventuais riscos dessa 'irracionalidade'. O parágrafo citado nada diz sobre isso. Nunca a razão sozinha ganhou guerra alguma. Se a Grécia não se tivesse rendido e se tivesse seguido uma crise social muito pior do que a presente (lembre-se da situação dos refugiados nas ilhas gregas, por exemplo), defenderia o João Rodrigues que tal valeria a pena? E quais seriam as balizas? A ética das convicções deve ser temperada pela ética da responsabilidade e por uma boa dose de humildade, até porque estados de alma não são uma boa maneira de fazer política...
Ora em vez de irracionalmente Jaime Santos investir contra a irracionalidade citada que que tal se procurasse informar mais?
Quais as consequências e eventuais riscos de continuarmos como estamos , a cumprir as ordens e as chantagens dos senhores?
JS diz que a "razão sozinha nunca ganhou guerra nenhuma"- Frase estranha que se estranha ainda mais vinda de quem a profere, um defensor da normalidade europeísta e da "racionalidade" ( por acaso da racionalidade dos chantagistas e do império
A razão é uma abstracção. A razão assim invocada é uma aldrabice. É uma encenação pela qual se tenta disfarçar uma coisa feia.
As razões variam de acordo com a posição do observador. Não faltarão razões a herr Schauble para agir como age. Não faltarão razões a alguns para tentarem defender este tipo mesmo contra os seus próprios interesses. Não faltarão razões a muitos para considerar este um extremista de direita corrupto e venal.
Também não faltarão razões a JS para defender o caminho da rendição da Grécia.
Há sempre quem ache que a traição é o melhor caminho. E que tente arranjar "razões" para tais estados de alma em jeito de cumplicidade.
O Jaime Santos parece uma versão mais sofisticada do José.
Toda a fé requer seus salmos em suas igrejas.
"Streeck tem sido um crítico denodado do Euro, que divide a Europa, defendendo o seu desmantelamento. Isto em nome de uma cooperação regional europeia compatível com ampla margem de manobra dos Estados. Tal processo de desmantelamento e reconfiguração monetária é uma condição necessária para travar esta trágica maquina hayekiana de liberalização que dá pelo nome de UE, incluindo também um Tribunal muito pouco escrutinado, que destrói a social-democracia em nome das liberdades cada vez mais irrestritas do capital"
É natural que os hayeks de casa se cheguem à frente num esforçado esforço de ruído idiota. Mas fugindo ao que se debate e optando pela reivindicação do seu lugar como chefes religiosos e agitando a sua fé, os seus salmos, as suas igrejas...
Tudo serve aos viúvos da legião.
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