sábado, 13 de agosto de 2016

Moeda


Numa passagem deste livro de Jean-Pierre Chevènement (minha tradução das pp. 45-6) está bem condensada uma definição não convencional da moeda, muito diferente do entendimento da teoria económica dominante. A falta de um conceito de moeda que assume a natureza histórica das instituições, tal como formulado pela Economia Política crítica e institucionalista – a moeda como instituição enraizada na cultura de uma sociedade –, explica porque tantos economistas admitiam a possibilidade de uma saída federal para a crise da UE. Como se a moeda fosse um instrumento técnico, cultural-social-politicamente neutro, mobilizável por uma qualquer engenharia.

“A “moeda única” oferece um bom exemplo do contrassenso cometido: negando a realidade – e a heterogeneidade – das nações, os seus mentores construíram uma “fábrica de gás” cujas consequências são agora visíveis: feita para unir os povos, mas recusando aceitar a realidade, ela atira uns contra os outros porque é da sua natureza polarizar a riqueza onde é produzida e fazer do subdesenvolvimento o outro polo, transformando a Europa do Sul num Mezzogiorno alargado.

Não é preciso ir mais longe para procurar as razões de uma construção puramente tecnocrática. Muito simplesmente colocou-se a charrua à frente dos bois. Pragmaticamente, podia ter-se criado uma moeda comum, mantendo as moedas nacionais e, portanto, os mecanismos de ajustamento. Em vez disso, cometeu-se um pecado ideológico ao esquecer que uma moeda é feita para um povo e na Europa há cerca de trinta.

A moeda única foi uma resposta ideológica, dada em 1989-1992, à reunificação alemã. A ideia que na altura avancei era a de que, tomando à Alemanha o seu marco [banco central e política monetária], se amarrava o gigante alemão reunificado. Foi o contrário que se produziu porque uma moeda corresponde a uma economia e uma cultura específicas. O antigo embaixador alemão em Paris, Reinhard Schäffers, dizia que, se para os franceses a moeda era um instrumento de política económica, para os alemães ela representava uma espécie de Graal, um valor sagrado. (...)

A moeda única foi concebida como um meio de provocar o parto, a ferros, de uma nação europeia, o pressuposto de qualquer construção federal. Ora, para este projecto ter algum sentido, teria de ser realizado no tempo longo da História e pela vontade dos povos. Infelizmente, conduziu a um resultado contrário ao inicialmente pretendido. Quanto tempo será preciso agora esperar para se perceber isso e, sobretudo, para encontrar uma saída colectiva para o impasse em que a Europa se extraviou?”

3 comentários:

Jaime Santos disse...

Parece-me que o problema fundamental não é tanto o reconhecimento de que o projeto do Euro falhou (a acreditar no que Varoufakis disse do que Schaeuble lhe disse a ele, por exemplo), mas o que fazer para permitir um falhanço suave do Euro, que não lance a Europa numa crise pior do que aquela em que já se encontra. É que, goste-se ou não, o modelo económico seguido nos últimos trinta anos conduziu a um alto grau de integração económica dentro da UE, veja-se o endividamento inter-bancário, por exemplo. E veja-se igualmente a dependência do Mercado Interno de muitas empresas, inclusive entre nós. Por isso é que quando se fala em desglobalização é preciso explicar como ela se faz, e quais os passos que se devem tomar para atingir esse objetivo e em que grau. Até porque, Jorge Bateira, a política de inovação de que fala faz na verdade muito pouco sentido se a nossa Economia não continuar a ser uma Economia aberta...

Anónimo disse...


Pode dizer que a moeda única foi “uma resposta ideológica, dada em 1989-1992, à reunificação alemã.” Ou que a “economia tem de ser aberta e não fechada” e etc e tal. Pois pode. Todavia, esquecer que ambas serviram e servem a teoria hegemónica Yankee e´ falta grave para quem se diz democrata e de esquerda.
Não foi por desconhecimento que o PS apoiado a´ direita, se lançou na moeda única (euro). Foi antes de mais para servir seu amo e senhor TIO SAM acompanhado de sua corte Imperial.
De Adelino Silva

Luís Lavoura disse...

é da sua natureza polarizar a riqueza onde é produzida e fazer do subdesenvolvimento o outro polo

Isto parece-me disparatado. Há muitos países muito diversos (os EUA, a Rússia, a China, a Índia, o Brasil, etc) que têm uma moeda única e não se pode dizer que ela polarize a criação de riqueza nesses países.