Fundo de Garantia de Depósitos |
Fazendo fé ao relatório do Fundo de Garantia de Depósitos, relativo ao mais recente exercício - que é o de... 2014(!) - a intenção oficial de dar acesso à Administração Tributária aos saldos das contas bancárias acima de 50 mil euros, abrangerá apenas uma minoria dos depositantes. Veja-se a página 16 do relatório, cujos valores se reproduzem ao lado.
Rapidamente se depreende que a medida anunciada pelo Governo, na sua versão final, abrangerá apenas 3,5% dos titulares de depósitos bancários. Mas que essa minoria detém mais de metade dos montantes depositados (53,6%).
Em 2014, havia 162,7 mil milhões de euros de depósitos bancários detidos por 16,2 milhões de pessoas titulares. Mas com mais de 50 mil euros de depósitos, havia só 568 mil pessoas que tinham cerca de 87,2 mil milhões de euros depositados. E desses, os que tinham mais de 100 mil euros de depósitos, eram 194.772 pessoas, com 61,5 mil milhões de euros depositados. E era interessante ter estatísticas mais desagregadas...
Pessoalmente, sou a favor da quebra total de sigilo bancário. Mas admito que o Governo, ao rever a sua posição (fixando o limite de 50 mil euros), restringiu fortemente a possibilidade de crítica política. Ou seja, qualquer tentativa de criar a ideia de que aquela medida vai ainda tocar todos os portugueses, ou até a maior parte deles é completa e totalmente capciosa. E interesseira. Visa criar um mal-estar junto de quem não tem - obviamente - os mesmo interesses que os verdadeiramente visados. E ao criar essa ilusão, pretende defender na prática os interesses daqueles que a medida vai efectivamente atingir. A isto chama-se manipulação política.
Apesar da revisão da posição do Governo, a presidente da CNPD voltou à carga e disse: "O que é fundamental perceber é que a administração tributária deve demonstrar a necessidade de aceder a esta informação para cumprimento das suas atribuições. E é isso que falta. Não está demonstrada a necessidade de aceder a esta informação". Ou seja, as contas bancárias nunca poderão ser um indício de combate à fraude e evasão fiscais. "Em segundo lugar, não está minimamente equilibrado, proporcional, que relativamente a todos os cidadãos que tenham contas neste montante seja necessário aceder às contas, quando em 99 por cento dos casos, digo eu, as pessoas não andam a fugir ao fisco”. Como sabe ela?
Bem sei que a CNPD olha apenas para os valores em absoluto - ainda que mal sustentados do ponto de vista jurídico - mas conviria que, de ora em quando, tivesse uma visão do conjunto da sociedade e da forma de resolver as entorses reais de que padece. No passado, a CNPD já se manifestou contra o cruzamento de informação que poderia ajudar a combater a evasão e fraude fiscais, alegando-se ataques à privacidade de informação. Agora é esta medida. Se não alterar a sua atitude conservadora, a CNPD arrisca-se a ser apenas mais um organismo criado, financiado por todos, mas que acaba por contribuir para uma sociedade desigual.
E depois, ainda gostava de perceber porque não há dados mais recentes sobre os depósitos bancários!
11 comentários:
João Ramos de Almeida, sou um dos acompanhantes do blogue que em duas contas bancárias de que sou contratante, não atinjo o montante de depósitos estabelecido como patamar, de 50 000 € e, nada, mas mesmo nada me leva a duvidar dos dados partilhados no post.A desigualdade, em Portugal, tem uma extensão muito superior ao imaginário dos portugueses e ao desconhecimento da realidade que ,alguns apostados na manipulação, ou seus directos beneficiários, não se cansam de explorar.
O respeito pelas minorias parece ser a grande bandeira progressista mas, logo que a minoria tem nota-graveto-pilim, adquire o estatuto não de proscritos mas de presumidos inimigos da maioria merecedores de vigilância específica e discriminatória.
Surpresa? Nenhuma!
Progressismo e comunada são sinónimos no léxico da treta.
Uma precisão: Nada tenho contra a informação dos saldos bancário ao fisco.
Isto dito, não posso aceitar como argumento a favor da medida o facto de atingir uma minoria.
A limitação a saldos superiores a 50 000 euros, pode justificar-se por razões de ordem prática, em nome da eficiência.
Em termos de princípio, é medida é justa ou injusta, mas tal não decorre de abranger muitas ou poucas pessoas.
O Partido Socialista em medidas como esta de extrema importância para o revigoramento da República e das suas instituições, tem de esclarecer os cidadãos sobre o conteúdo das acções que pretende implementar, caso contrário continuará a ser vítima da comunicação social que irá sempre denegrir (para confundir) tudo que ponha em causa o sistema neoliberal que sustenta os interesses da Oligarquia e do Clero em Portugal.
Que façam de Norte a Sul do país sessões de esclarecimento acerca das leis e medidas de governo de extrema importância para a República e os cidadãos que pretendam aplicar, informem e expliquem para com isso conseguir o apoio popular essencial que sustente a Democracia e o bem-comum.
Pelo “Pilim”, considerado pelos deuses o vil metal, e pesando o seu valor na evolução e revolução na vida das nações, não admira que as pessoas, desconfiadas, o escondam na cama ou entre encharcas e colchoes, pois e´ o lugar, não seguro, mas mais sagrado do ser humano, onde descansa, sonha e procria mesmo antes, muito antes de a Moeda passar a Mercadoria.
E hoje, passado milénios, vivemos mais na guerra e pirataria, de holocausto em holocausto sem precisar de DACHAU ou AUSCHWITS. O sistema bancário faz o extermínio humano mais consentâneo com os tempos que correm… de Adelino Silva
Caro João Ramos de Almeida,
Não vou falar do lamentável argumento de a medida afectar apenas uma minoria (mesm que relativamente grande), porque já foi endereçada por outros. Se a medida é má tanto faz que seja um, poucos ou muitos os afectados. E já não é a primeira vez que este argumento é utilizado pela esquerda, foi-o tb na história do IMI. Lamentável.
A minha preocupação é outra. O acesso a uma conta é hoje em dia, com a utilização de multibanco e pagamentos por transferência, uma grande devassa da vida privada. Como aliás já acontece com o sistema de e-factura, que podia ter sido aliás implementado de modo a que isso não acontecesse.
E é para mim um valor importante o direito à privacidade do que faço no dia a dia e onde gasto o meu dinheiro, sem prestar contas que não tenho que prestar. Faz parte da minha noção de liberdade e de poder ser, tanto quanto a vida em sociedade o permita, ser deixado em paz.
Ora o modo como esta questão está a ser colocada põe tudo isso em causa e pior, tem uma enorme carga de opressão e controlo pelo estado e tem grande potencial de ser extremamente perigosa em algum desvario não democrático futuro, sempre possível.
A sua tirada sobre não saber se 99% das pessoas não anda a fugir ao fisco é sintomática do quão afastado da realidade éeste seu post, tendo em conta os meios de controlo já existentes no fisco, aliás também eles insuportáveis, potenciadores de um inferno burocrático, da arbitrariedade e da prepotência de funcionários, como infelizmente já tive ocasião de experimentar. Os fins não justificam os meios, mesmo, ou principalmente, quando exercidos sobre uma minoria.
Esta medida será mais do mesmo, não é nada claro como na maior parte dos casos só por si sirva para mais do que importunar os cidadãos e os tornar mais indefesos relativamente ao rolo compressor que se está a tornar o estado burocrático informatizado.
Eu percebo que vivendo em sociedade e sendo o dinheiro uma construção social a sociedade tenha necessidade de algum tipo de informação. Mas esta via é completamente despropositada, desproporcionada e perigosa. Não se deve oprimir os cidadãos deste modo sem fortes razões.
E será esta medida eficaz para o fim pretendido? Há outras alternativas que não coloquem em causa a devassa da vida privada e podem ser até mais eficientes: por exemplo o controlo de transferências acima de certos montantes (o seu teor e não o resto da conta) ou até o IRS ser público (mas com acesso controlado e certas deduções privadas como as despesas de saúde, pq no IRS a vida privada tb é devassada; mas entendo que o ganho é feito em sociedade e portanto justificadamente público). Só em caso de suspeita suficiente a devassa das contas - todas - deveria ser permitida. E só um juíz deve decidir o que é suficiente.
Todas estas coisas só por si podem parecer pequenas, e se calhar até são, mas quando se acumulam transformam o estado em opressor e põe em causa a liberdade. O que me lembra é a burocracia soviética, mas agora com computadores, muito mais eficiente e perigosa.
E tudo isto é frequentemente apresentado com um moralismo insuportável pela incapacidade que demosntra de introspecção, de auto-análise.
E são todas estas coisas (não cheguei a comentar a celeuma do IMI por falta de ocasião) que no fim fazem as pessoas afastarem-se da esquerda, e isso é terrível. Porque há uma certa esquerda que, acredito que por cegueira, dá pouco valor à liberdade ou a uma parte da liberdade.
Paulo Gil
@João Ramos de Almeida,
Acredita então que, com esta medida, quem tiver algo a esconder vai continuar a colocar o seu dinheirinho sujo no banco, tranquila e impavidamente? Não está a ser ingénuo?
Não irá antes engordar os colchões ou «alavancar» a indústria de colocar dinheiro no paraíso?
Em vez de se bater por uma medida potencialmente anti-constitucional, de eficácia duvidosa e PERIGOSA (não leu o 1984?!), porque não canalizar esforços para o combate ao chamado enriquecimento ilícito?
Com a obrigatoriedade da comunicação de facturas e a possibilidade de pedir às pessoas que justifiquem o seu estilo de vida (só e apenas quando a cara não bate com a careta), obtém-se os meios para combater a evasão fiscal sem um Estado omnipresente à mistura.
E quanto ao combate à elisão fiscal, nada de novo.
Caros Paulo e Filipe,
Várias ideias:
1)a defesa da privacidade de uns não pode nunca servir para impedir as suas obrigações fiscais, sob pena de se estar a defender - repito - uma minoria que tem recursos para fugir às suas obrigações sociais;
2) Não, não considero que seja a única forma de combater a evasão. Até concordo consigo sobre as medidas propostas. Á semelhança de países nórdicos, o sigilo fiscal poderia ser afastado. Controle-se as transferências. Mas isso em nada me inibe de defender o acesso pelo Fisco às contas bancárias. Faça-se um levantamento dos regimes de outros países e encontrará situações bem mais "intrusivas". E nunca se lembraria de pensar em 1984. É uma questão de justiça. Quando a fraude e evasão fiscais atingem valores tão elevados em Portugal - desde a omissão de emissão de factura pelos pequenos até à manipulação dos preços de transferências pelas multinacionais, apoiadas por regimes especiais em paraísos fiscais - é estranho como se pode pensar que apenas 1% dos contribuintes ou dos rendimentos foge. Qualquer pessoa que leia esses relatórios internacionais se apercebe disso. Estranho é que a CNPD - são quantas pessoas? Meia dúzia (https://www.cnpd.pt/bin/cnpd/composicao.htm) - achar que se trata de um combate já vitorioso...
3) Ou seja, nada me inibe de defender que convém calafetar as portas e janelas antes de se apontar o dedo ao governo por nos fazer morrer de frio;
4) Será eficaz? Veremos. Há que tentar e aprender.
5) De qualquer forma, ninguém está a tornar públicas contas bancárias: apenas a dar-lhes a conhecer ao Fisco, que está limitado pela obrigação legal de sigilo profissional.
6) Remate: Li o 1984 e nada tem a ver com isto. O controlo de comunicações em larga escala já existe e ninguém protesta. O controlo de mentes é já feito de forma pacífica através do estado comatoso de uma comunicação social homogeneizada, sem capacidade crítica de ter uma leitura própria dos acontecimentos. A reconstrução do passado já se faz, permitindo pegar em velhos argumentos para os reformatar no terreno actual. E esse controlo em nada atenua - bem pelo contrário - desigualdade reinante. Esse sim é nosso 1984. Não o acesso a um saldo anual das contas bancárias por funcionários tributários!
E mais: o que é interessante é que a forma de rebater esta medida em nada evoluiu desde os anos 90...
@João Ramos de Almeida,
Concordo com todas as questões orwellianas que aponta, mas não concordo que o 1984 se tenha cumprido. Continua a cumprir-se todos os dias. E quem controla do dinheiro controla tudo. E o poder total não deixa margem para rebeldias ou contestações.
Só um ET pode acreditar nisso do 1%. Eu vejo fugas todos os dias, sem excepção. Há até negócios que não seriam viáveis sem elas.
Mas os princípios também contam, e é um mau princípio tratar toda gente como potencial transgressor. Há outras ferramentas. (E eu próprio estou a tentar propor mais uma ao Estado.)
E insisto na eficácia ou falta dela. Não acredito que o João não perceba que seria incentivar a malta a voltar a meter o dinheiro no colchão (alguns nunca de lá o tiraram).
Quanto à forma de rebater, se calhar não muda desde os anos 90 porque o que está em causa é um princípio, e esses não mudam em tão pouco tempo.
E note que a discussão que temos aqui é uma discussão à Esquerda, em que os nossos valores são próximos. Imagine-se o que será na sociedade como um todo...
Fiz o comentário abaixo hoje de manhã mas só agora reparei que era demasiado comprido e não foi submetido; segue dividido em 2:
Caro João,
1a) Algo afectar apenas uma minoria não é um bom argumento para nada, e nem sequer é o caso da “excepção que confirma a regra”; exagerando para ser mais claro: aceitaria a solução final, pq apenas afecta uma minoria? Desprezaria o casamento entre pessoas do emso sexo pq são apenas uma minoria? Aceitaria que um inocente fosse condenado pq as pessoas nessas circunstâncias são uma minoria?
1b) “a defesa da privacidade de uns não pode nunca servir para impedir as suas obrigações fiscais” Isto é uma falácia pq uma coisa não depende necessariamente da outra; estamos perante dois bens concorrentes, a obrigação de cumprir as obrigações fiscais e a liberdade de não ser importunado desnecessariamente. Porque estas coisas não são gratuitas para o cidadão, como expliquei no meu comentário original, especialmente quando vistas na perspectiva de outras medidas. Esta possibilidade automática, face aos valores que defendo e ao problema que existe vai muito para alé do razoável, sendo que as alternativas que referi no outr comentário muito mais interessantes. Outro aspecto é que esta medida,e o seu discurso, pressupões culpa até prova em contrário, e esse a caminho, mesmo que inócuo de início, torna-se facilmente terrível.
2) Tenho sérias dúvidas que a evasão fiscal, nos moldes aqui debatidos, seja elevada. Com a introdução d e-factura e outras medidas, que infelizmente tb não foram introduzidas de modo a proteger os cidadãos nocentes da máquina trituradora do fisco, penso que há indícios de que que a fuga ao fisco tem diminuído no que respeita à não emissão de factura, não se justificando tais meios, especialmente sem avaliar o que tem sido feito. O João mistura alhos com bugalhos ao invocar transferências de multinacionais e paraísos fiscais: tipicamente essas tropelias são feitas de forma legal – o problema está na lei! – e dificilmente se percebe o contributo desta medida para a resolução deste problema- Pelo contrário, ao importunar desnecessariamente um conjunto elevado de cidadãos que pela sua riqueza têm influência acrescida pode sim minar a eficácia da na perseguição da justiça, pela diminuição do apoio.
3) É que nada disto é gratuito, que é o grande problema das medidas voluntaristas de experimentação sem reflexão suficiente: as suas consequências não intencionadas, nomeadamente neste caso, a falta de eficácia (usando mal os recursos), a oportunidade (gastando tempo numa medida ineficaz perde-se a oportunidade deaplicar outras mais eficazes), a diminuição de apoio político (se os cidadãos inocentes são sistematicamente importunados, o apoio vai diminuir) e outras questões que referi antes como por em causa a privacidade (sem necessidade) e a liberdade de sr deixado em paz, tanto quanto possível. É que a justiça não pode ser apenas vista na fiscalidade, tem que ser vista globalmente. Portanto não, não é experimente-se e logo se vê. São coisas destas que minam o apoio à esquerda, quando esta se recusa perceber quais são os desafios mais importantes de hoje, como a capacidade de opressão que a burocracia aliada às tecnologias de infirmação tem. E não minore a capacidade que o fisco tem de importunar, já hoje, os cidadãos pq ela é real. E a continua por este caminho, que como eu disse originalmente deve ser visto em conjunto com outras medidas como foi a alteração do coeficiente de qualidade e conforto do IMI (uma medida inventada pelo PSD que alegremente e erradamente a esquerda abraçou e alargou)), a esquerda vai mais uma vez negar que pode ser uma alternativa, por insistir em métodos de pensamento ultrapassados.
[continua]
[continuação]
4) O 1984 tem tb que ver com tudo isto, pq te que ver com o contrlo do estão sobre o cidadão, e isso começa logo no pensamento (mas qual é o problema se só uma minoria é afectada?) e continua na vigilância sobre cidadão – o que faz e onde gasta o seu dinheiro – e na opressão e controlo burocrático através neste caso do fisco todo-poderoso com quem, em nome da eficácia do combate à fraude, é praticamente impossível argumentar mesmo quando se tem razão. E a complexificação das regras, que mudam todos os anos, os casos omissos e a falta de qualidade das leis, a falta de informação e os processos informáticos deficientes, tudo isto se torna opressão (não fui eu que invoquei o 1984, não achando despropositado eu tenderia mais a citar Kafka). E não vale acusações generalistas e infundadas sobre não haver protestos sobre o controlo dos media, isso não é verdade. Aliás, para voltar ao 1984, a novilíngua foi decididamente aprendida pêlos media e agentes políticos, e tem vindoa ser usada com eficácia pelo menos desde o tempo de Sóvcrates
E mais: o que é interessante é que a forma com que certa esquerda tem de abordar estas e outras questões em nada evoluiu pelo menos desde os anos 70... Enquanto a esquerda não fizer uma reflexão séria e evoluir, não será infelizmente uma alternatva que se possa tornar hegemónica, e isso é que é o drama. Infelizmente não vejo sinais suficientes de evolução.
Paulo Gil
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