domingo, 21 de agosto de 2016

"Duvivier" e o contencioso tributário

Na passada 6ª feira, o noticiário da RTP3 conduzido por Ana Lourenço convidou Pedro Vital Matos para comentar o diploma que permite o acesso da Autoridade Tributária aos saldos das contas bancárias dos contribuintes acima dos 50 mil euros.

O convidado foi apresentado como "fiscalista", mas de repente, ao ouvi-lo falar, pareceu-me estar a assistir à charla de Gregório Duvivier na "Porta dos Fundos" sobre o homem que não sabia mentir. Não só porque até são levemente parecidos, mas porque rapidamente nos apercebemos que estava a falar em nome dos seus clientes "apoquentados" pelo Fisco, e o discurso tornou-se de tal forma assumido que quase dava para ser mais um texto do sketch do programa humorístico...

É que Pedro Vital Matos é advogado associado de um maiores escritórios de advogados, o Cuatrecasas Gonçalves Pereira, dedicando-se sobretudo ao direito fiscal e "muito especialmente ao contencioso trbutário, tanto administrativo como judicial" abarcando "reclamações ou impugnações de actos de liquidação, mas também a defesa no âmbito das infracções tributárias ou de processos de execução fiscal". O escritório de advogado onde trabalha tem sede em Madrid, mas desenvolve actividade em Marrocos, México, Londres, Luanda Maputo, Nova Iorque, São Paulo e Xangai.

Dizia ele:

"O que se pretende - e é preocupante - com esta medida é algo diferente, é um bocadinho inverter a ordem normal de actuação da inspecção tributária. O que existe agora, no paradigma actual, (...) é que tem de haver uma decisão fundamentada por parte o inspector tributário, tomada caso a caso, por escrito e notificada ao contribuinte (...) - para aceder a essa informação. O que se pretende agora é algo diferente:  É que, em massa, essa informação  seja enviada pelas entidades financeiras ao Fisco numa base anual, (...) que fica em arquivo da administração tributária, e que, portanto, vai ser sujeita e analisada, sem qualquer informação aos contribuintes, (...) para detectar situações, que depois inspecciona. Isso é um volte-face."

Pergunta nossa, género Porta dos Fundos (porque a Ana Lourenço quase que a fez, mas com um ar realmente muito sério... ):  Ah, claro. E isso, doutor, como é que aflige quem aplica capitais lá fora?
 "Há um problema na fiscalidade internacional, num contexto de livre circulação de capitais, que é o seguinte: o residente paga impostos no seu Estado de residência e tem de declarar os rendimentos que obtém numa base mundial, incluindo as de fonte financeira que obtém no estrangeiro. O que se pretende (...) é agilizar esta troca de informações. Portanto, os Estados vão ficar com informação bancária das contas que os seus residentes tenham noutros Estados. (...) São contas tipicamente vultuosas. Não se vai abrir contas no estrangeiro para o quotidiano..."

Claro, capitais de avultados montantes. Há que ter cuidado, não é, doutor? Sobretudo, com aquela coscuvilhice pegada da administração Fiscal. Eles falam muito entre eles, mas não se sabe nada cá fora. Isso pode ser perigoso, não é? Se eles se lembram de começar a tributar esses rendimentos? "Nesta questão da informação que é gerida, estamos a falar de volumes de informação enormes (...) É preocupante, porque este género de informação bancária, ficando disponível para os funcionários da administração tributária - também para outros, porque nós sabemos que a segurança informática é muito relativa (...) - pode dar azo a contribuintes que não tenham nenhum problema fiscal, que tenham a sua vida declarativa perfeitamente regular, terem preocupações como seja serem conhecidos os saldos no âmbito dos seus negócios, serem alvo de processos de extorsão, enfim, isso gera todo um conjunto de preocupação". "É preocupante estarmos a dar este salto (...) Muito pouco de bom virá desta norma".

Claro, doutor, se calhar mesmo o melhor era essa informação nunca chegar ao Fisco. Lembram-se de cada coisa. Mas conhece casos concretos de contribuintes como nós a quem tenha acontecido situações dessas?
 "A esse propósito, é interessante notar que tem havido - e temos tido a experiência de alguns clientes que têm tido essa situação, essas preocupações - notificações do Fisco nos últimos anos - e o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais não ignorará isso -, bastantes problemas com as trocas de informações que já existem no âmbito comunitário, relativamente a aplicação de capitais. Porque os inspectores tributários têm tido alguma dificuldade - e isso serão insuficiências da administração fiscal portuguesa -  em gerir e interpretar a informação que lhes vem dos Estados Membros e tem pretendido imputar, por exemplo, aumentos - supostos aumentos - de rendimento, quando... Enfim, se a Ana tiver uma conta em Espanha a 3 anos com uma taxa de juro de 4% naturalmente que no final desses 3 anos recebe 12% de juros e no ano anterior não recebeu nada. Esse género de situação tem vindo a ser interpretado pelo Fisco como, por exemplo, que o capital não existia nos outros anos. E existem situações patrimoniais injustificadas - que é tributado a 60% - e temos conhecimento de contribuintes que são apoquentados com pedidos de explicações, que têm aplicações financeiras desse género, com depósitos plurienuais (...) Há contribuintes que têm visto a sua paz jurídica bastante perturbada, terem de contratar consultores fiscais e advogados para se defenderem e explicar algo que deveria ser evidente".

As pessoas lá em casa poderão estar a pensar que, no fundo "Quem não deve, não teme".  E que isso não se lhes assiste. E poderão pensar que nunca terão de gastar o dinheiro que não têm, nem para viver, para contratar um advogado do escritório Cuatrecasas. Mas se calhar não é bem assim...
"O problema aqui não é bem Quem não deve, não teme. (...) Eu diria que Quem não deve é que deve temer. Porque vê-se envolvido num processo kafkiano, em que tem de justificar aforro acumulado... As pessoas podem saber de onde aquilo veio, mas dificilmente nós - se constituímos uma poupança de 60-70 mil euros ao longo de dez-vinte anos de trabalho, o comum dos contribuintes não terá a prova documental de como foi constituída essa poupança (...) O contribuinte pode se ver na circunstância de não conseguir documentalmente provar isso. E estamos aqui a abrir o caminho para grandes dores de cabeça potenciais para os contribuintres. (...) Causa arrepios".

Tem razão, doutor. Para finalizar gostaria de rematar com uma citação da ex-presidente da Assembleia da República, Assunção Esteves, na tomada de posse da actual presidente Maria Filipa Calvão, sobre o papel da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD): «Há zonas cinzentas em que cabe a esta entidade [CNPD] um papel central de descodificar, interpretar e tomar a ação correta». porque o cumprimento desta tarefa é primordial para a «saúde da República e o descanso de todos». Nos tempos que correm, não é facil enfrentar tais problemas: a «invasão da privacidade é um mal em que há dificuldade de combater, mesmo democraticamente».

Música. Créditos.

20 comentários:

Jose disse...

Para além do gestor de conta na Banca haverá que criar o gestor fiscal na AT e pô-los a falar livremente sobre as decisões do contribuinte.
Com uma não modesta comissão para almoços de trabalho e horas extras acredito que todos os impostos são pagos com pleno descanso para o contribuinte.

Em alternativa pode emigrar para a Londres do tão aclamado Brexit ou para as Bahamas se gostar de clima mais tropical, e viver sossegadamente para sempre.

Anónimo disse...

"As pessoas podem saber de onde aquilo veio, mas dificilmente nós - se constituímos uma poupança de 60-70 mil euros ao longo de dez-vinte anos de trabalho, o comum dos contribuintes não terá a prova documental de como foi constituída essa poupança..."

Olhe que não, olhe que não! Não há problema algum quanto a uma poupança de 60-70 mil ao longo de dez-vinte anos! Nenhum!

Haverá se os 60-70 mil, ou 600 mil ou 3-4 milhões (e há-os às dezenas-centenas de casos) que caem do céu (sim, pq há muito dinheiro a cair do céu... a muito "boa gente") nas sua contas bancárias, sem a correspondência declarativa em IRS. A esses, é exigida a demonstração da origem da grana e que a mesma não estava sujeita a impostos.

Para esses, em que muito facilmente se esquecem de onde vieram os cabritos... o que é deveras desejável é que seja perturbada a "sua paz jurídica".

Anónimo disse...

Convinha editar isto de modo que se percebesse o que são as palavras exactas do fiscalusta da quatro casas e as de ana Lourenço. Está metaficção onde se mistura o advogado, a jornalista e JRA prejudica a percepção do que foi realmente dito e por quem.

Anónimo disse...

Caro Ramos de Almeida,

Não sou ingénuo. Sei bem que a fuga ao fisco é um desporto muito apreciado, onde há vários tipos de praticantes, desde os sofisticados profissionais Olimpicos, com treinador e tudo, como é o caso do cavalheiro do seu exemplo, até aos amadores de fim de semana. Performances muito distintas para uma atitude de principio idêntica. E é um problema com imensas ramificações, reconheço. Até aqui acompanho-o. Mas depois não subscrevo a solução que preconiza.
Eu entendo que é muito mais prático "enrabar" um gajo que vai entrar num avião para despistar a possibilidade de ele levar alguma bomba enfiada no cu, do que criar paulatinamente as condições para que não haja pessoas cuja vida faz tanto sentido que aceitam fazer-se explodir. Só que há um problema: odeio a ideia de ser "enrabado" em nome da segurança, quando de facto o sou em nome de um principio bem pernicioso: a desconfiança. Ora, uns dias por isto, outros por aquilo, o principio da desconfiança instala-se cada vez mais. E a desconfiança, generalizada, leva a pulsões e a práticas inquisitoriais e persecutórias com as quais detesto conviver. Odeio a ideia de que todos somos culpados de qualquer coisa até prova em contrário. Entre isso e saber que convivo com criminosos, não tenho dúvidas sobre a minha escolha.

Cumprimentos,

MRocha

Jose disse...

Se bem me lembro...

O alarido dos excelsos cidadãos que se negavam a pedir factura porque não eram lacaios da AT!!!
A indignação cidadã que se insurgia contra os desígnios dos Pafiosos!

Triste espectáculo sectário.

João Ramos de Almeida disse...

Caros,
Apenas para explicar: todas as frases entre aspas são dofiscalista. As declarações a bold, são minhas. Claro está.

Anónimo disse...

Essa do “sigilo” bancário tem muito que se lhe diga.
A meu ver “sigilo” bancário corresponde a não-democracia. Ele e´ um dos instrumentos “crivo bitolado” a´ medida dos Guardiões do Templo. O Estado de Direito Democrático não necessita fazer segredo para defender o rico do pobre, ele, Estado de Direito Democrático devia ser claro e transparente, mas não e´…
Já que se fala tanto do “Sigilo Bancário” porque não elimina-lo…talvez assim houvesse menos subterfúgios. De Adelino Silva

Pedro Vidal Matos disse...

Caro Senhor João Ramos de Almeida,

Pretendo apenas esclarecer que todas as minhas afirmações foram feitas em meu nome pessoal e não em nome de qualquer Cliente. Traduzem a minha opinião sobre o tema, após reflexão ponderada e tendo em mente apenas a construção jurídica de um sistema fiscal em que a defesa dos direitos dos cidadãos contribuintes não saia cilindrada por uma máquina fiscal ávida de receitas e condicionada, cada vez mais, por sistemas informáticos programados não raras vezes com graves atropelos às leis vigentes.

Quanto ao seu texto é uma peça que infelizmente fica a meio caminho entre o jornalismo e o humorismo. Digo infelizmente porque não revela V. Exa. através da mesma grandes capacidades para qualquer dos dois... e o bom jornalismo e o bom humorismo são essenciais à sã convivência social e ao progresso da Humanidade.

Quanto ao tema, quando quiser discutir seriamente o assunto estou à sua inteira disposição. Entretanto digo-lhe apenas que nada do que disse na entrevista é factualmente errado e, já agora, friso que os textos que V. Exa. introduziu a negrito estão bem distantes das perguntas concretas que me foram colocadas e que suscitaram as respostas reproduzidas no seu artigo.

Atentamente,
Pedro Vidal Matos

Jose disse...

Andaram governos a promover a vinda de dinheiro lá de fora com imposto de 5%.
O que se prepara agora é, não o esforço da fiscalização para que essas emigrações de capitais sejam contidas mas para que, se realizadas, lá permaneçam.

Anónimo disse...

Que engraçado, Pedro Vidal Matos acha que foi convidado pelos seus belos olhos e não por ter os clientes que tem, onde tem.

Fala-se do levantamento do sigilo bancário e o que ocorre à jornalista e à RTP é pescar no enorme aquário dos escritórios de advocacia os advogados de uma multinacional que se dedica aos milionários. Logo um de um escritório que que quando fala de fiscalidade falará de planeamento fiscal, de fiscalidade internacional e preços de transferência.

Deve ser o que o Pedro Vidal Matos chama contributo para a "sã convivência social e [...] progresso da humanidade".

Pedro Vidal Matos disse...

Caro(a) Anónimo,

Desconheço a sua identidade e nessa medida não me atrevo a especular sobre o nível de preparação técnica que V. Exa. terá sobre este assunto nem sobre se teria sido preferível ter sido V. Exa. o(a) convidado(a) da RTP na última sexta-feira para tentar fazer incidir alguma luz sobre o mesmo. Admito que sim.

Pela minha parte digo-lhe apenas, em todo caso, que conto já com longas horas da minha vida dedicadas ao estudo do Direito Fiscal, tendo inclusive a satisfação pessoal de ver publicados alguns trabalhos académicos da minha autoria e a honra de desempenhar funções de docência universitária na área do Direito Fiscal. A isso imputei o convite que amavelmente me foi dirigido. Aceitei-o por considerar, enquanto advogado e como aliás plasmado no artigo 90.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei n.º 145/2015, de 9 de Setembro), ser meu dever deontológico para com a comunidade defender os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e pugnar pela boa aplicação das leis e pelo aperfeiçoamento da cultura e instituições jurídicas. Nada mais que isto.

Melhores cumprimentos,
Pedro Vidal Matos

Unabomber disse...

Para o Senhor Pedro Vidal de Matos:

Para a “sã convivência social e o progresso da Humanidade” aqui ficam algumas pequenas observações sobre as “factualidades” do que disse na entrevista:

- Sobre a factualidade de “o que existe agora, no paradigma actual, (...) é que tem de haver uma decisão fundamentada por parte o inspector tributário, tomada caso a caso, por escrito e notificada ao contribuinte (...) - para aceder a essa informação”:
Contrariamente ao que o senhor pretende fazer crer, a decisão fundamentada que a que se refere não visa obter autorização para aceder apenas aos saldos anuais de determinadas contas bancárias, mas sim para aceder aos respectivos extractos bancários e aos documentos que estão registados nos mesmos.
E, obviamente, o que se pretende agora não é que os extractos bancários das contas de todos os contribuintes sejam enviados “em massa (…) pelas entidades financeiras ao fisco numa base anual” – pretende-se sim apenas que sejam enviados os saldos anuais das contas bancárias.

Unabomber disse...

Para o Senhor Pedro Vidal de Matos (continuação):

- Sobre a factualidade de que “é preocupante, porque este género de informação bancária, ficando disponível para os funcionários da administração tributária (…) pode dar azo (…) a serem conhecidos os saldos (dos contribuintes) no âmbito dos seus negócios” e que sejam alvo de extorsão:
Como o senhor deve saber os funcionários da inspecção tributária há muito tempo que têm acesso aos saldos das contas bancárias da generalidade das empresas, e dos da actividade empresarial de contribuintes individuais com contabilidade organizada.
Por isso pergunta-se: quantos casos de extorsão de contribuintes resultaram do acesso dos ditos funcionários aos saldos destas contas? O senhor conhece algum?
Mais, pergunta-se também se o facto de os bancários terem conhecimento dos sacrossantos saldos não pode também “dar azo” a extorsões? Ou, será que os bancários são todos super-honestos e nunca nenhum violou o sigilo bancário?

Unabomber disse...

Para o Senhor Pedro Vidal de Matos (continuação):

- Sobre a factualidade de “se constituímos uma poupança de 60-70 mil euros ao longo de dez-vinte anos de trabalho, o comum dos contribuintes não terá a prova documental de como foi constituída essa poupança”:
Como o senhor deve saber, por existir o prazo de caducidade, que normalmente é de quatro anos, ao fisco pouco ou nada deve interessar as poupanças constituídas há dez ou vinte anos, apenas devem interessar as constituídas ou reforçadas nos últimos quatro anos.
Sendo que, por consulta aos extratos bancários, geralmente não é muito difícil saber quais as poupanças que foram constituídas há muito tempo, e quais é que foram constituídas nos últimos quatro anos.
Da mesma forma, quanto à prova documental, desde que as poupanças em causa não tenham derivado de depósitos em numerário, e se tenha acesso aos documentos em arquivo bancário (cópias de cheques, transferências, etc), geralmente não é muito difícil saber como as mesmas foram constituídas.

....
Muito mais haveria que dizer sobre as suas "factualidades", mas hoje teremos de ficar por aqui.

Pedro Vidal Matos disse...

Caro Senhor Kaczynski (vulgo “Unabomber”),

Permita-me esclarecê-lo:

- De acordo com a lei vigente (artigo 63.º-B da LGT), o acesso à informação bancária dos contribuintes objecto de inspecção é possível sem carecer de qualquer autorização judicial e muito menos de consentimento prévio dos mesmos. Todavia tem que existir uma decisão expressa nesse sentido por parte da Administração Tributária, a qual é notificada ao contribuinte para que este saiba da existência de um processo de inspecção em curso e possa, se assim o desejar, defender os seus direitos no âmbito do mesmo. Ou seja, de acordo com a lei actual a Administração Tributária pode já aceder a toda a informação bancária de um contribuinte que esteja a inspeccionar (não apenas mas incluindo também os saldos ao fim do ano);

- É falso que os saldos das contas bancárias da generalidade das empresas e dos empresários individuais com contabilidade organizada sejam de acesso generalizado pelos funcionários da Administração Tributária, pelo menos no sentido pretendido por V. Exa. É verdade que o artigo 63.º-C, n.º 4, da LGT prevê expressamente que a Administração Tributária pode aceder a tais contas sem dependência do consentimento dos respectivos titulares mas isso não significa a dispensa da tal decisão expressa, a tomar caso a caso de acordo com o referido artigo 63.º-B da LGT (como resulta do n.º 5 do artigo 63.º-C da LGT);

- O facto de os funcionários bancários poderem ter acesso à informação bancária dos clientes dos Bancos onde trabalham e de, por esse motivo, existir o risco do uso indevido dessa informação e da sua partilha não autorizada junto de terceiros não pode logicamente funcionar como argumento para que o universo das pessoas com acesso a essa informação possa ser alargado sem problema (!?). Em todo o caso sempre há-de convir que os Bancos não têm o poder de emitir liquidações adicionais de imposto ou de aplicar coimas aos seus Clientes, obrigando-os a esse pagamento (ou à sua garantia) sob pena de execução patrimonial, mesmo quando a legalidade dessa dívida de imposto não seja pacífica e esteja a ser discutida em Tribunal. Além disso, enquanto clientes, há inegavelmente uma margem de escolha entre as diversas instituições bancárias (em função também da respectiva seriedade e honestidade) que não existe de todo face aos funcionários do Fisco. A este respeito é interessante lembrar que, relativamente ao assunto que ficou conhecido pela “Lista VIP” e apesar de ter sido pública a detecção de situações em que funcionários acederam à informação fiscal de contribuintes apenas para alegada satisfação da respectiva curiosidade pessoal, não consta que dos processos disciplinares instaurados tenham resultado quaisquer sanções… muito menos que tais funcionários tenham sido excluídos da função pública;

- É falso que o prazo de caducidade possa ser assim tão linearmente invocado para impedir questões sobre património acumulado. Em particular chamo-lhe a atenção para a tributação das “vantagens patrimoniais injustificadas” (ou “manifestações de fortuna”) que, de acordo com o artigo 89.º-A, n.º 5, alínea b), da LGT, se consideram auferidas no ano em que a Administração Tributária tiver delas conhecimento (e não no ano em que eventualmente tenha sido recebido o rendimento). Ou seja, é apenas desde o ano deste conhecimento e para o futuro que se contará o prazo de caducidade o que significa que é possível que um património existente há largos anos seja objecto de pedidos de prova por parte da Administração Tributária sob pena de liquidação adicional de imposto por referência ao ano em curso, de nada valendo portanto nesse caso o prazo de caducidade.

Melhores cumprimentos,
Pedro Vidal Matos

P.S. - Não julgue que não aprecio a ironia de estar a tentar alertar alguém que assina como V. Exa. para o risco de nos estarmos a transformar numa sociedade que menospreza a liberdade individual e a importância de garantir que não existem abusos de poder por parte dos Governos e instituições públicas. Enfim, o preço da irreverência é, muitas vezes, a contradição…

Unabomber disse...

Sr. Pedro Vidal Matos:
Agradeço os seus esclarecimentos.
De momento não tenho possibilidade de elaborar a resposta que os mesmos merecem. Não obstante deixo aqui algumas pequenas observações “soltas”:
- Contrariamente ao que o Sr. pretende dar a entender, atualmente a administração tributária só pode aceder à informação bancária dos contribuintes individuais sem atividade empresarial em situações muito excecionais,
- A notificação da decisão ao contribuinte visa dar conhecimento dos fundamentos da A.T. para “ levantar o sigilo bancário”,

- (repito que) Os funcionários da inspeção tributária têm há muito tempo acesso há muito tempo acesso “generalizado” aos saldos das contas bancárias das empresas e das atividades empresariais dos individuais: a generalidade destes contribuintes está “obrigado” a enviar a declaração anual de informação contab. e fiscal, a qual contêm dados sobre os ditos.
- Em processo inspetivo, geralmente conseguem-se recolher em várias peças e elementos contabilísticos os valores destes saldos: por exemplo em balanços, balancetes, extratos contabilísticos das contas bancárias, conciliações bancárias ….

Unabomber disse...


Senhor Pedro Vidal de Matos (continuação):

- Diz o senhor que “Em todo o caso sempre há-de convir que os Bancos não têm o poder de emitir liquidações adicionais de imposto ou de aplicar coimas aos seus Clientes, obrigando-os a esse pagamento (ou à sua garantia) sob pena de execução patrimonial (…)”.
Pelos vistos, para si, o problema está em que a A.T. ter o poder de corrigir as situações que considera irregulares dos contribuintes. Se a A.T. não tivesse esse poder então já não haveria problema nenhum em aceder aos dados das contas bancárias e proceder à sua devassa.

- Se há quinze anos tivéssemos feito um inquérito publico sobre a “seriedade e honestidade” do B.E.S./B.P.N… os resultados que obtínhamos seriam provavelmente muito diferentes dos que se obteriam num inquérito realizado atualmente.
- Segundo o que veio na comunicação associal, durante a “guerra” pelo controlo do B.C.P. algumas dos elementos bancários que serviram de base às denúncias efectuadas pelo Sr. Joe Berardo foram conhecidos porque alguém de dentro do banco violou o sigilo bancário. Não consta que tenha sido descoberto quem o fez, e que tenha sido despedido e processado pelo banco.
- Não é pelo facto de existirem pessoas (funcionários judiciais, magistrados, advogados, ou outros) que violam o segredo de justiça - o que por vezes possibilita verdadeiras devassas da vida privada nos jornais – que vamos impedir que os Tribunais tenham acesso a informações privadas ou intimas das partes.

Unabomber disse...

Senhor Pedro Vidal de Matos (continuação):

- Disse o senhor que: ”As pessoas podem saber de onde aquilo veio, mas dificilmente nós - se constituímos uma poupança de 60-70 mil euros ao longo de dez-vinte anos de trabalho, o comum dos contribuintes não terá a prova documental de como foi constituída essa poupança”
Relativamente a isto, partindo do principio que se tratam de poupanças em bancos no território nacional, agradeço ao Senhor que, se puder, indique as normas em que a A.T. costuma enquadrar as correções que faz a poupanças nestas circunstâncias. E, já agora, se conhece alguma situação com correções deste tipo em que tenha havido “reclamação” para Tribunal concluída com “decisão” favorável à A.T.

Pedro Vidal Matos disse...

Caro Senhor Kaczynski (vulgo “Unabomber”),

Peço-lhe que leia abaixo o actual regime de acesso pela Administração Tributária à informação bancária dos contribuintes, com particular enfoque no elenco de situações em que esse acesso é permitido sem consentimento dos titulares ou autorização judicial (n.º 1). Talvez tenhamos opiniões diferentes sobre o que são "situações muito excepcionais" mas convirá que quem pretende mudar uma lei deveria explicar por que razão a lei existente não serve...

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Artigo 63.º-B da LGT (Acesso a informações e documentos bancários)

1 - A administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários […], sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos:
a) Quando existam indícios da prática de crime em matéria tributária;
b) Quando se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado ou esteja em falta declaração legalmente exigível;
c) Quando se verifiquem indícios da existência de acréscimos de património não justificados, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º;
d) Quando se trate da verificação de conformidade de documentos de suporte de registos contabilísticos dos sujeitos passivos de IRS e IRC que se encontrem sujeitos a contabilidade organizada ou dos sujeitos passivos de IVA que tenham optado pelo regime de IVA de caixa;
e) Quando exista a necessidade de controlar os pressupostos de regimes fiscais privilegiados de que o contribuinte usufrua;
f) Quando se verifique a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, nos termos do artigo 88.º, e, em geral, quando estejam verificados os pressupostos para o recurso a uma avaliação indirecta.
g) Quando se verifique a existência comprovada de dívidas à administração fiscal ou à segurança social.
h) Quando se trate de informações solicitadas nos termos de acordos ou convenções internacionais em matéria fiscal a que o Estado português esteja vinculado.

2 - A administração tributária tem, ainda, o poder de aceder directamente aos documentos bancários […], nas situações de recusa da sua exibição ou de autorização para a sua consulta, quando se trate de familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte.

[…]

4 - As decisões da administração tributária referidas nos números anteriores devem ser fundamentadas com expressa menção dos motivos concretos que as justificam e, salvo o disposto no número seguinte e no n.º 13, notificadas aos interessados no prazo de 30 dias após a sua emissão, sendo da competência do director-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, ou dos seus substitutos legais, sem possibilidade de delegação.

5 - Os actos praticados ao abrigo da competência definida no n.º 1 são susceptíveis de recurso judicial com efeito meramente devolutivo e, sem prejuízo do disposto no n.º 13, os actos previstos no n.º 2 dependem da audição prévia do familiar ou terceiro e são susceptíveis de recurso judicial com efeito suspensivo, por parte destes.

[…]

7 - As entidades que se encontrem numa relação de domínio com o contribuinte ficam sujeitas aos regimes de acesso à informação bancária referidos nos n.os 1, 2 e 3.

[…]

10 - Para os efeitos desta lei, considera-se documento bancário qualquer documento ou registo, independentemente do respectivo suporte, em que se titulem, comprovem ou registem operações praticadas por instituições de crédito ou sociedades financeiras no âmbito da respectiva actividade, incluindo os referentes a operações realizadas mediante utilização de cartões de crédito.

[…]

13 - Nos casos abrangidos pela alínea h) do n.º 1, não há lugar a notificação dos interessados nem a audição prévia do familiar ou terceiro quando o pedido de informações tenha carácter urgente ou essa audição ou notificação possa prejudicar as investigações em curso no Estado ou jurisdição requerente das informações e tal seja expressamente solicitado por este Estado ou jurisdição.

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Melhores cumprimentos,
Pedro Vidal Matos

Unabomber disse...

Caro Sr. Pedro Vidal de Matos

Antes de mais, para que fique claro, sublinhe-se que quando escrevi “situações muito excepcionais” estava a referir-me ao acesso à “informação bancária dos contribuintes individuais sem atividade empresarial”.
Relativamente ao desafio que me coloca entendo que para alguém defender seriamente que a presente lei serve, ou não serve (quer num caso quer no outro), deve ter por base um conjunto de “dados científicos”, tais como por exemplo:
a) Quantos contribuintes têm conta bancária em Portugal;
b) Quantos contribuintes o fisco inspecionou no ultimo ano;
c) Em quantas inspecções o fisco pediu o levantamento do sigilo bancário;
d) Quantos contribuintes concederam voluntariamente autorização ao fisco para aceder às suas contas;
e) Quantos pedidos de levantamento sigilo bancário feitos pelos serviços foram “recusados” pelo Diretor Geral de Impostos: e quais os motivos da recusa;
f) Quantos contribuintes recorreram aos Tribunais (para anular a decisão do fisco de aceder às suas contas);
g) Quais foram as “decisões” dos Tribunais – quantas foram favoráveis aos contribuintes e quantas foram favoráveis ao Fisco – quais os “motivos” das decisões favoráveis aos contribuintes;
h) Quantos casos houve de inspeções em que os contribuintes reuniam as condições para o levantamento do sigilo bancário mas o fisco optou por não desencadear o respectivo processo, por considerar inútil a informação que podia obter (ou por outros motivos);
i) Quantas casos (inspeções) existiram em que o fisco pretendia levantar o sigilo e só não o fez porque não conseguiu enquadrar os indícios de irregularidades que detetou no artigo 63B – (que indícios ou que situações especificamente estavam em causa);
j) Quais os resultados das inspeções em que houve levantamento sigilo – originaram todas imposto a pagar ao contribuinte ou houve algumas sem nenhum imposto;
k) Etc…..

Posto isto, e tendo em conta que a sua opinião (que não deve ser alterada a lei) passou num programa sério da televisão (e sem contraditório), tomo a liberdade de lhe colocar a seguinte questão: será que o Sr. se apoio no conhecimento de alguns destes, ou de outros, dados “científicos” para formar a sua opinião?

Antes de explicar porque considero que lei deve ser “mudada” que gostaria de obter a sua resposta a esta pergunta e, já agora obter também a informação que solicitei no meu anterior comentário sobre a tributação das poupanças de 60-70 mil euros constituídas ao longo de vinte anos de trabalho.