domingo, 12 de janeiro de 2014

Improváveis companhias

Pedro Braz Teixeira, antigo assessor de Manuela Ferreira Leite e autor de “O Fim do Euro em Portugal?”, comentou no passado dia 1, em artigo de opinião no i, o guiãopolítico para as Europeias de 2014 que o João Rodrigues, o Nuno Teles e eu próprio escrevemos e aqui divulgámos há algumas semanas. Fê-lo de forma muito cordial e cordata, que aqui saúdo, não deixando de manifestar, a par de algumas críticas, a sua concordância em relação a diversas posições por nós defendidas no guião - o que será surpreendente para quem deste autor apenas conheça o quadrante político, mas menos para quem conheça a posição muito crítica que tem assumido em relação ao Euro. É que se ainda são certamente minoritárias, ainda que inevitavelmente em crescimento, as fracções da esquerda que identificam na ausência de autonomia monetária um constrangimento determinante à adopção de estratégias viáveis de recuperação económica (e de inversão dos muitos recuos a que trabalhadores e classes populares têm vindo a ser sujeitos), à direita a posição de Braz Teixeira é verdadeiramente insólita. Aliás, apesar de não conhecer com qualquer tipo de profundidade o pensamento político de Braz Teixeira, direi mesmo que das duas, uma: ou este economista é menos de direita do que aparenta, ou então não compreende verdadeiramente aquele que tem sido o papel absolutamente central do Euro como mecanismo de expansão e consolidação do poder do capital à escala europeia. Se o fizesse, dificilmente defenderia o fim daquele que é, à escala europeia e nas últimas décadas, nada mais nada menos do que o mais estrondoso sucesso da direita e dos interesses que esta representa.

Em última instância, é com certeza o facto de não raciocinar explicitamente em termos de classe que permite que Braz Teixeira valorize os argumentos “técnicos” mais do que o interesse do seu próprio campo político recomendaria: a zona Euro não é uma zona monetária óptima, a taxa de juro agrava os problemas em vez de sinalizá-los eestabilizá-los. Digamos que o feitiço mediante o qual a economia dominante consegue apresentar-se aos olhos dos mais incautos como uma abordagem objectiva, não ideológica e não conotada com os interesses de qualquer classe social particular volta-se aqui, de forma relativamente invulgar, contra o feiticeiro. Por sua vez, claro, é essa mesma visão que subjaz a algumas das críticas que Braz Teixeira nos endereça, quando considera que os nossos argumentos são “mais políticos do que económicos” e que, ainda que o fim do Euro seja previsível, “é pouco provável que Portugal saia pelo próprio pé”. No fundo, para que se atinja aquilo que defende, Braz Teixeira parece depositar a sua confiança num sistema económico que se corrija automaticamente, sem intervenção da “política”, no sentido de uma racionalidade conceptualizada em termos abstractos.

De forma improvável e conjuntural, é uma posição que poderemos considerar relativamente benigna. Mas à esquerda, claro está, temos outras obrigações: de rejeitar o pensamento mágico, de perceber que as transformações sociais nascem de lutas concretas e, seguramente, de não ficar à espera, por medo ou tacticismo, que a nossa própria emancipação seja conduzida por terceiros. 

2 comentários:

Alexandre de Castro disse...

Aderir ao euro foi um erro! Não abandonar o euro será uma tragédia!...

Jaime Santos disse...

Não conheço igualmente o pensamento de Braz Teixeira, mas diria apenas que os verdadeiros Conservadores não olham apenas o processo de Integração Política Europeia com desconfiança (pelo menos nos moldes atuais), mas olham igualmente o próprio Capitalismo com desconfiança, já que este, pelo menos na sua versão financeira, mina a Soberania dos Estados e um conjunto de instituições tradicionais como a Propriedade Agrícola (e o equilíbrio ecológico, vide o texto de Miguel Sousa Tavares este fim de semana no Expresso), o pequeno Negócio e a pequena Empresa e inclusivamente a Família (alguém genuinamente Conservador e honesto pode acreditar que o aumento das desigualdades e o prolongamento da jornada de trabalho não têm uma influência profundamente perniciosa na estabilidade da instituição familiar, e deixem lá o casamento gay em paz?). Por isso, acho que é perfeitamente possível ser-se de Direita e contra o Euro, basta que não se esteja deslumbrado com o progressivo processo de integração capitalista a nível mundial (a única Internacional que verdadeiramente funciona é a do Capital Financeiro).