sábado, 18 de janeiro de 2014

Leituras

«O que Nuno Crato está a fazer é romper com a herança deixada pelos governos socialistas de Guterres e Sócrates, estratégia que o abandono precipitado de Barroso não permitiu executar. Mas esta é a agenda ideológica da direita. A declaração de António Pires de Lima — ao condescender que haja investigação financiada pelo Estado desde que seja orientada em função da “vida real” (assim suprindo a falta da investigação privada) — demonstra que a direita está unida em torno deste objectivo. No fundo, há um ano, Cavaco Silva antecipou o futuro do investimento em I&D: criar um, dois, três, muitos espremedores de Nutella.»

Miguel Abrantes, I&D: criar um, dois, três, muitos espremedores de Nutella

«A fim de ilustrar a razia, vou focar o caso de uma candidata a bolsa de pós-doutoramento, que ficou bem longe da linha de corte das candidaturas aprovadas. (...) O programa de investigação proposto na sua candidatura a bolsa insere-se perfeitamente na temática dos projectos dos orientadores, que foram aprovados ininterruptamente em concursos competitivos da FCT no âmbito do Programa CERN, desde 2000 até à suspensão unilateral do programa por parte da FCT em 2013. (...) Não tenho dúvidas de que há muitos outros casos gritantes como o seu, de jovens cientistas promissores com a carreira truncada, salvo aqueles poucos que talvez consigam um lugar numa universidade estrangeira, na esperança de um dia poderem voltar para um Portugal diferente, se nessa altura ainda se lembrarem do país.»

George Rupp, A tortura e o massacre

«Muitas coisas que hoje multiplicam riqueza nasceram de descobertas que não procuravam o lucro e que até pareciam de pouca utilidade para a "vida real". Arrisco-me à suprema das heresias: que as empresas não são o único destinatário nem da investigação científica, nem da existência humana. (...) O tempo da ciência não é, porque não consegue ser, muitas vezes, o tempo do retorno imediato do investimento. E, no entanto, sem a investigação que não garante "resultados concretos" a curto-prazo quase tudo o que as empresas vendem dificilmente teria chegado a ser inventado. Explicar isto a um ministro que não me parecia ser ignorante é embaraçoso. Não para quem explica, mas para o ministro.»

Daniel Oliveira, Cérebros em saldo

«As empresas têm como objectivo ser competitivas. Pires de Lima parece reconhecer que a I&D é, para isso, um elemento essencial. Mas o problema da falta de competitividade das nossas empresas não é o investimento público em I&D estar (aparentemente) desfocado da economia real. O problema (ou um dos problemas) é as empresas portuguesas estarem desfocadas da ciência, da investigação, da inovação. É continuarem a ignorar o investimento privado em I&D. E é, também, terem nos dois últimos anos assistido impávidas à emigração de uma parte significativa da geração mais qualificada de sempre.»

João Jesus Caetano, Regressámos ao início da década de 90 na discussão sobre a transferência de conhecimento

1 comentário:

Alvaro disse...

Há uns 23 séculos Euclides escreveu os seus elementos de geometria na Alexandria de Ptolomeu I.
Deve ter sido a obra científica mais duradoura de todos os tempos pois no início do século XX ainda era usada como livro de texto para introdução à geometria em muitas universidades em todo o mundo. Além de que o seu texto, mesmo no século XXI mantem-se actual.
Se Pires de Lima tivesse sido amigo de Euclides certamente lhe teria dito: "Ehh pá! Não percas tempo com essas inutilidades. Investe antes o teu tempo e dinheiro num rebanho de cabras".