quarta-feira, 30 de maio de 2012

Solidariedade imigrante

«As contribuições líquidas dos imigrantes para a Segurança Social em 2010 ultrapassaram 300 milhões de euros, o que "prova que Portugal ganha com a imigração", afirmou hoje o investigador João Peixoto, autor de um estudo nesta área. (...) O estudo indica que o número de estrangeiros contribuintes foi de 276.417 em 2010, ano em que o saldo do sistema de segurança social português com os imigrantes atingiu 316 milhões de euros (ME).»

Do "i" online de ontem, que assim retomou uma matéria que o Público havia já tratado, de forma mais exaustiva, no final de 2011. Quando se fala em «contribuição líquida», significa que os 316 milhões de euros apurados em 2010 resultam da dedução - face ao montante global de contribuições dos imigrantes para os cofres da Segurança Social (580 milhões de euros) - das despesas com prestações sociais e pensões atribuídas a estrangeiros residentes em Portugal (264 milhões de euros, que beneficiam toda a comunidade imigrante, esteja ou não empregada). Isto é, mais de metade das receitas provenientes do trabalho imigrante constituem receita líquida: os imigrantes pagam não só a sua protecção social, como contribuem para pagar a dos outros, a dos cidadãos nacionais. Querem melhor exemplo de sustentabilidade e solidariedade?

É por estas e por outras razões que o afluxo de estrangeiros constitui um claro sinal de desenvolvimento de um país (e a saída, de estrangeiros e nacionais, o seu reverso). Aliás, talvez um dia a «imigração» venha a adquirir o estatuto de indicador macroeconómico (através, por exemplo, do «saldo migratório»), tão ou mais digno (e relevante), que muitos dos indicadores tradicionalmente convencionados (como por exemplo a «balança comercial», que acaba por dizer bastante menos sobre a situação económica e social de um país).

14 comentários:

PlanetaTerra disse...

--- Pois é, FICA CARÍSSIMO pagar os custos de renovação demográfica: incentivos monetários à natalidade, despesas com a fertilidade dos casais, despesas com a gravidez das mulheres, despesas em Saúde e Educação até à idade adulta, etc...
-> Quem quiser ganhar com o negócio da nacionalização de imigrantes... que faça bom proveito, tchau!
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P.S.
-> Muito muito mais importante do que a crise... é o DIREITO À SOBREVIVÊNCIA!!!
-> A sobrevivência é uma coisa difícil e complicada: 'n' civilizações já desapareceram...
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-> Não faz sentido andar a perder tempo com pessoal que não se preocupa em construir uma SOCIEDADE SUSTENTÁVEL (média de 2.1 filhos por mulher)... que critica a repressão dos Direitos das mulheres e em simultâneo, para cúmulo (!!!), defendem que se deve aproveitar a boa produção demográfica proveniente de determinados países [aonde essa 'boa produção' foi proporcionada precisamente pela repressão dos Direitos das mulheres] para resolver o deficit demográfico na Europa!
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-> De década em década numa alegre decadência 'kosovariana'... não obrigado!
--->>> Não vamos ser uns 'parvinhos-à-Sérvia'........ antes que seja tarde demais, há que mobilizar aquela minoria de europeus que possui disponibilidade emocional para se envolver num projecto de luta pela sobrevivência... e SEPARATISMO-50-50!...

José Guinote disse...

Num livro sobre a realidade francesa, recentemente editado entre nós -Repensar o Estado. Para uma social-democracia da inovação -na discussão sobre a necessidade de aumentar os fluxos migratórios liquídos conclui-se, com base em estudos publicados em 2010, o seguinte: "De sublinhar, por outro lado, que importantes fluxos migratórios longe de pesarem nas finanças públicas(como muitas vezes se pensa, teriam um impacto positivo no nosso défice. Um estudo recente, que avalia o impacto da imigração nas contas da segurança Social, estabelece que em 2005 a contribuição dos imigrantes para o orçamento da Administração Pública era positiva e da ordem dos 12 mil milhões de euros, o que equivale a uma contribuição de 2250 euros por imigrante, ao passo que a contribuição média de um nacional é de 1500 euros". Esse mesmo estudo defende a necessidade de aumentar o fluxo de imigração dos actuais 100 mil por ano para os 200 mil.
Lá como cá a retórica xenófoba sobre os imigrantes não resiste à realidade dos factos.

Inês disse...

Precisar de utilizar números para legitimar a presença de imigrantes num determinado país é por si só um diagnostico dramático da maneira como os estrangeiros são tratados pelas pessoas que vivem na casa ao lado.

Nuno Serra disse...

Cara Inês,
Deparo-me, com alguma frequência, com o argumento (subjacente ao seu comentário), de que sublinhar os benefícios económicos que decorrem da imigração é uma espécie de cedência à lógica do custo/benefício e, por isso, uma traição aos princípios humanistas em que deve assentar a defesa das comunidades imigrantes.
Essa leitura, contudo, é não só tortuosa (porque presume, abusivamente, que quando se fala dos benefícios económicos da imigração se está a desvalorizar a sua dimensão social é ética), como se mostra, na verdade, muito pouco preocupada em combater, com os pés bem assentes na terra, o modo eficaz com que se impõe a narrativa nacionalista e xenófoba (que, como sabe, facilmente se propaga na opinião pública).
Em nome de uma imaculada pureza no plano dos princípios, esse argumento finge pois ignorar um dos principais tópicos em que floresce o discurso anti-imigrante, acabando por pactuar, desse modo, com o chorrilho de mentiras de que esse discurso se alimenta.

José Guinote disse...

Subescrevo a resposta do Nuno Serra. Idealmente a questão da imigração e da aceitação/inclusão dos imigrantes não deve ser objecto de discussão. Mas, face ao discurso xenófobo que criminaliza os imigrantes devemos recorrer a todos os meios de que dispomos para combater a falsidade desse discursoe e dessa práctica política.

Anónimo disse...

Gostei de ler a sua resposta à Inês. Muito bem! Continue assim.

Inês disse...

Caro Nuno Serra,

O meu primeiro comentário era mais uma constatação sobre o registo em que se encontra a percepção generalizada e reflexão intelectual sobre a imigração do que uma critica à utilização de números. Por outro lado, conhecendo minimamente os trabalhos de João Peixoto, estou longe da acusação de que a sua leitura da imigração é excessivamente “imaculada” ou ao contrario excessivamente utilitarista.
Ainda assim, e tendo em conta que me introduz nesse debate, teimo em sublinhar que as retóricas e ações “nacionalistas e xenófobas” não florescem mais hoje do que floresceram outrora. Basta relembrar, por exemplo, os conflitos sangrentos no final do século XIX, nas salinas do Sul de França, entre franceses e italianos. Antes dos italianos no Sul, foram os belgas as vitimas nas minas do Norte da França. Cada um destes conflitos teve a sua explosão mais visível no seio das equipas de trabalhadores – trabalhador contra trabalhador -sob pretexto da proteção do trabalho nacional em relação à concorrência estrangeira. Este tipo de exemplos mostra-nos que as “narrativas”, ações, discursos anti-imigrantes navegam lado a lado com os maus ventos económicos, e tornam-se mais pacíficas quando a oferta e a procura de trabalho estão desequilibradas (no sentido oposto àquele que conhecemos hoje). Conclusão: relativizo, sim, a propagação das narrativas xenófobas (embora faça delas o meu combate quotidiano, na universidade ou na rua). No entanto, também acho importante realçar que a resposta aos “chorrilhos de mentiras” não deve ser feita sempre e só na mesma moeda. A campanha do Front de Gauche foi e é um exemplo disso... contra-argumenta com números (os mesmos que este trabalho do João Peixoto nos traz, no caso do FG para o contexto francês), mas vai muito mais além disso... fala-se de uma sociedade inclusiva e solidaria. E voltamos sempre ao mesmo dilema e aos clássicos, devemos focalizar os nossos esforços nas “origens nacionais” ou nas “relações sociais”?

Inês disse...

Esqueci-me de referir que os discursos xenófobos também se baseiam em números, basta meter no google « Le Pen et les chiffres d’immigration ». Não precisamos de ir tão longe na luta ideológica, também posso dar exemplos de como investigadores como Michèle Tribalat contrariam o que afirma sobre a galvanização de mensagens racistas : « Pouvoirs publics, médias, experts n'inventent pas des chiffres, mais ils privilégient les instruments qui relativisent l'immigration et présentent ses effets sous un jour favorable ou, lorsque ce n'est pas possible, qui mettent les immigrés ou leurs descendants en position de victimes. Dans notre pays, on semble plus préoccupé par l'effet de l'information que l'on diffuse que par la réalité qu'elle recouvre». Desculpar-me-à a minha francofilia)
Gostava apenas de dizer para terminar que os números são manipuláveis de um lado como do outro da barricada, seja na esfera política ou na académica. Por isso, a questão que se coloca é o modelo de sociedade que defendemos.

Anónimo disse...

"Lá como cá a retórica xenófoba sobre os imigrantes não resiste à realidade dos factos."

So se para a tal realidade dos factos contarem factos inventados. Os economistas gostam muito de "assumir" coisas para construir as suas teorias, com os neoliberais sendo actualmente os piores pecadores. Mas aqui temos economistas de esquerda a assumirem outra coisa: que os imigrantes empregados que descontam para a segurança social criaram postos de trabalho (e logo os descontos) que não existiriam se eles não estivessem cá. Ora isso ignora deliberamente o facto de que eles fazem concorrência aos trabalhadores locais, que podiam (em em parte seguramente iriam) ocupar esses postos de trabalho e da mesma forma descontar para a segurança social. Se calhar até descontariam mais, porque sem imigração o trabalho teria maior força negocial e melhores salários. Enquanto que como desempregados estão a consumir os seus fundos.

Esta cegueira da esquerda à realida de que a imigração em tempos de crise (e não só...) cria também uma "luta de classes" já lhe custou cara nos anos 30. As classes em lutas sociais não se distinguem só pela ocupação ou riqueza, por muito que o idealismo marxista deseje que assim fosse. O inernacionalismo é muito bonito mas a política faz-se a nível nacional.

Vão repetir a mesma cegueira? Olhem para a Grécia, como bem sabem estamos a segui-la... olhem que há alternativas também de ruptura com a UE à direita. E muitos eleitores mais procupados com promessas de "pão para a boca" (emprego, enfim) do que com idealismos internacionalistas. Em Portugal espero que não (os imigrantes aqui não são em geral mal vistos) mas países europeus há onde a esuqerda se arrisca a entregar o poder de bandeja a autênticos fascistas se insistir em defender políticas de imigração que têm servido para minar o poder negocial do grupo que a esquerda afinal diz pretender representar.

Inês disse...

Anónimo,

Podemos então dizer que a sua realidade é também inventada uma vez que é baseada em meros factos hipotéticos.
Já está mais do que provado, não fossem as experiências que você mesmo anuncia, que o antagonismo entre trabalhadores « locais » e trabalhadores « estrangeiros » é um artifício engendrado por aqueles que mais tiram proveito da presença dos imigrantes no mercado de trabalho. Se existe cegueira à esquerda, ou diria falta de perspicácia política, é mais porque as ideias e ações por ela defendida estão longe de substituir o discurso hegemónico primado por esse tal “antagonismo” entre trabalhadores (aliás como a sua linha de pensamento é um exemplo bem esclarecedor). Não me parece que essa cegueira esteja relacionada com um estado de completa ignorância sobre como os imigrantes acentuam ou não a luta de classes.
O seu comentário faz-me lembrar uma tese que tive acesso há uns tempos e que data do inicio do século XX... ou seja, uma referência um pouco anacrónica para os tempos que correm : FEBVRE, Yves Le (1901). L’ouvrier étranger et la protection du travail national. Paris: Librairie C. Jacques.

Anónimo disse...

Um pouco anacrónica? Se calhar depende, muitas das grandes questões continuam as mesmas. Outras teses de início do século XX:
- o padrão ouro estava ai para ficar;
- não podia haver nenhuma grande guerra devido à interdependência dos paises.

Não repetimos o padrão ouro com o euro? Não repetimos a tese da paz pelo comércio com a CEE/UE? Lá por serem antigas não quer dizer que não se repitam. Se se aplicam ou não depende das circunstâncias da época.

Voltando ao tema: não há nem nunca houve em Portugal algum "discurso hegemónico" que propusesse esta oposição de interesses, antes pelo contrário: à parte o paulinho das feiras, com as suas contradições, discurso do poder foi sempre no sentido de aceitar mais imigrantes. Que interesse teriam no contrário? E é ou não é válida a crítica que fiz:
"[assumem] que os imigrantes empregados que descontam para a segurança social criaram postos de trabalho (e logo os descontos) que não existiriam se eles não estivessem cá."

Inês disse...

Reconheço que a expressao « anacronica » nao foi a mais feliz, no entanto, estava-me a referir à perspectiva que assenta na presença dos trabalhadores imigrantes como uma entidade dissociavel dos trabalhadores « locais ». Deixemo-nos da logica funcionalista e passemos à logica de coesao social independentemente das origens de cada um.

Nuno Serra disse...

Cara Inês,
Peço desculpa por apenas agora responder aos seus comentários.
Creio que queria apenas pedir-lhe para não assumir que eu, ao assinalar aqui um argumento que desmonta um mito recorrente sobre a imigração («vêm para cá roubar os nossos empregos e viver à nossa custa»), secundarize a questão essencial: o modelo de uma sociedade inclusiva e solidária.

Nuno Serra disse...

Caro anónimo do dia 3 de Junho,
Há-de admitir que tem a sua piada constatar o seguinte: insinua que o argumento subjacente a este post carece de demonstração objectiva (apesar dos dados oficiais que mobiliza). Mas já não tem problema nenhum em avançar com o seu palpite (sim, porque à falta de dados não passa de um palpite), segundo o qual os imigrantes «faz[er]em concorrência aos trabalhadores locais, que podiam (em em parte seguramente iriam) ocupar esses postos de trabalho e da mesma forma descontar para a segurança social».
Olhe, palpite por palpite, deixe-me dar-lhe o meu: provavelmente, pelo menos antes da crise, sem imigrantes teríamos alguns sectores que não encontravam mão-de-obra nacional disponível para preencher os postos de trabalho necessários (e não quero com isto, aviso já, fazer qualquer espécie de crítica ou juizo moral sobre essa indisponibilidade dos portugueses para desempenhar certos ofícios, que o caro anónimo sabe certamente quais são).