sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Do capitalismo de Estado

A EDP registou, em 2010, lucros de cerca de 1000 milhões de euros e entregou ao Estado mais de 150 milhões de euros de dividendos. O Estado português vai agora desfazer-se dos 21,35% que lhe restam nesta empresa absolutamente estratégica por uns 2,69 mil milhões de euros considerados impressionantes. É fazer as contas e ver a miopia, lesiva do que resta da soberania democrática, de um encaixe que é um grau de areia no deserto de uma dívida na realidade não soberana e que terá de ser, mais tarde ou mais cedo, reestruturada. Assinale-se também a ironia estafada de ver a última fase da privatização de uma empresa construída pelo Estado democrático português ser ganha por uma empresa pública chinesa, expressão de uma variedade autoritária de capitalismo de Estado, lição para os que ainda dizem, à esquerda e à direita, que o capital não tem nacionalidade. Promete-se crédito, o que na China é sinónimo de bancos públicos. De resto, esta pontual viragem para a China ainda corre o risco de vir, muito mais tarde, a ser interpretada como um marco no reconhecimento nacional de que esta Zona Euro já deu o que tinha a dar.

12 comentários:

Stardust disse...

Se tivermos em conta que teria que esperar perto de 20 anos para receber os mesmos 2,69 mil milhões de euros em dividendos, e que sem os vícios do estado a EDP pode ter ainda mais lucro (que para imposto), não parece assim tão má ideia...

L. Rodrigues disse...

Os vícios de estado neste caso de ser garantir a todos os portugueses acesso a um bem essencial, não?

L. Rodrigues disse...

E já agora, é de supor que os vícios do Estado Chinês sejam melhores que os do nosso?

Contra.facção disse...

Bom Natal!

Francisco Serafim disse...

Quando se decidiu a tirar 50% do subsídio de natal acima do ordenado mínimo, o governo, se a memória não me falha, deu, pelo menos, duas justificações: dessa forma evitava-se o incumprimento da meta de 5,9% para o défice e criava-se uma almofada para o caso de aparecerem dívidas escondidas. Ia jurar que foi dito nessa altura que não seriam necessárias medidas adicionais, mas a memória já não é o que era. Recentemente o ministro das finanças veio dizer que o défice rondaria os 4% e que sem a transferência dos fundos de pensões da banca seria de 7,5%. Alguém se importa de perguntar a que se deve o desvio?

Dias disse...

Tudo isto é triste, num ápice é alienado um bem que levou décadas a construir. Desaparecem assim os pruridos pelo facto de haver também um accionista Estado (outro que não este). E tão liberais (ou totós) que nós éramos…
Também penso que o encaixe da venda é uma ninharia face ao potencial existente (e nem dá para cobrir o buraco do BPN). Apaguem a luz!

Anónimo disse...

Afinal o ter-se vendido a E.D.P a um pais onde vigora o capitalismo de Estado devera abafar qualquer protesto que pudese vir das esquerdas nacionais.
O Capitalismo de Esatdo sempre foi a sua preferencia politico-economica.
Alem disso e sabendo que o futuro da Zona Euro esta tremido e que uma implosao da U.E. pode vir a ser uam realidade, apostar no investidor chines -- que alias fez a melhor oferta ! -- nao me parece despropositado.
Creio ate que o Governo portugues actuou com visao pois e uma questao de tempo antes que a China seja chamada a intervir e contribuir para safar a Europa do buraco gigantesco em que uma lideranca incompetente a meteu.

meirelesportuense disse...

O "desvio colossal" tão falado pelo Gaspar é a soma dos buracos da Madeira e do BPN...Isto é, o Povo Português ficou sem uma série de direitos que não se sabe quando serão readquiridos, para se poder pagar as asneiras dos senhores que estão no Governo, serão outras as caras, talvez -mas não tenho absoluta certeza, só vendo as contas do BPN e BPP- mas exactamente com os mesmos tons políticos...

João Carlos Graça disse...

Caro João
À escala nacional, e no meu entender, o mais importante é mesmo que "Tudo isto é triste, num ápice é alienado um bem que levou décadas a construir... o encaixe da venda é uma ninharia face ao potencial existente (e nem dá para cobrir o buraco do BPN)".
Analiticamente, porém, creio melhor não se correr já a “apagar a luz”. Primeiro, o facto de se tratar de um outro "accionista-estado" é algo que deve ser lido com muito mais do que um grão de sal. Polanyis, Arrighis, toda essa tropa... para quê, francamente, tudo isso? A necessidade do Estado, da política, da soberania para o funcionamento (mesmo que apenas intersticial) do tal de "mercado" é tão óbvia que parece mesmo dispensar quaisquer comentários adicionais.
Não sei, sinceramente, se o regime chinês (ou outro qualquer) pode ser adequadamente descrito com recurso à expressão de "capitalismo de estado". Isso não é um oxímoro? Insistir nesse tropo não equivale ao mero culto retórico do paradoxo? Em que é que nos ajuda a captar o que é relevante?
Quanto a "autoritarismo", acho sinceramente que é chegada a hora de a "civilização ocidental", o "mundo livre", chame-se-lhe como quiser, a "esquerda ocidental" naturalmente incluída, começar a enxergar-se um bocadichito melhor. Para além do CV incomparavelmente melhor (de facto, a… “anos-luz” de distância) da China comunista quando comparado ao do "Ocidente livre" em matéria de política externa, imperialismo, colonialismo, belicismo, etc., existirá de facto base para dizer, mesmo que reportando-nos só a política interna: um regime oficialmente monopartidário como o chinês é "não-democrático", ou "não-livre", ou "autoritário", ou "totalitário", ou "despótico", etc., enquanto os nossos regimes bipartisans, plutocráticos de facto (dos “1 por cento” contra os “99 por cento”, mas sempre sabendo cativar os “30 por cento”: http://www.counterpunch.org/2011/12/23/the-thirty-percent/), são pelo contrário "democracias"? Ou mesmo apenas "regimes livres"? Que haverá nessa asserção, sinceramente, mais do que etnocentrismo e arrogante self-righteousness "ocidental"?
Eis um debate ao qual me parece importante ir regressando... fazendo naturalmente tesouro das preciosas lições históricas fornecidas pelas duas últimas décadas.
Aprender, aprender sempre...

Anónimo disse...

Não! O engraçado não é nos termos desfeito do resto edp, que até dava um lucro jeitoso. Nunca devíamos era ter começado a privatização, hoje estaríamos a ganhar 1000 milhões ao ano

Expliquem-me, por favor! Porque entregar os lucros e um bem de todos os portugueses precisam e consomem, a grupos económicos (a maior parte estrangeira, que nem serão gastos cá), que só querem ganhar dinheiro, enquanto podia ficar nas mãos do estado e investido para o bem de toda a população?

Sinceramente não entendo o objetivo, só mesmo o de responder à ideologia liberal de que o estado deve intervir o menos possível, e deve haver concorrência. Mas qual é a vantagem disso num setor como este?! Qual o problema de o estado explorar um monopólio, se os lucros reverteram mais tarde para a todos?

Anónimo disse...

Tendo em conta que, dezenas de milhares de portugueses ainda têm geradores de gasóleo para acederem às maravilhas que outros têm subsidiadas,acho que a EDP deveria continuar a ter lugares à fartazana para os boys e tecnocratas vizinhos do poder.

meirelesportuense disse...

Meu caro anónimo das 16,20, na minha modesta opinião que é apenas expressão da minha experiência pessoal, o Primeiro Ministro, na onda de outros que fizeram aos soluços um pouco do mesmo, chama a isso "Democratizar a Economia"...
Isto é, destruir as estruturas lucrativas do Estado e colocá-las nas mãos dos Plutocratas..."A Economia funciona por si" é o princípio filosófico proclamado e que vemos hoje tão bem clarificado nesta crise.
-Tão preocupados estão eles com as Finanças dos Contribuintes -quem são na verdade os Contribuintes, não serão em larga medida, os que ficarão agora sem os 13º e 14º meses?- que agora pretendem que a haver acordo para a nova Lei dos Arrendamentos passe o Estado a subsidiar os senhorios nas rendas aprovadas que não possam ser suportadas pelos arrendatários...Subsidiar os que não têm rendimentos ou estão desempregados não pode ser ou só o pode, por períodos cada vez mais limitados, mas ajudar os senhorios para os "reabilitar" como classe, já o admitem fazer até ao infinito...
Ideologia de classe pura, como diria Marx!