terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Bancos públicos?

O Estado irlandês deveria ter-se salvo a si próprio mediante a reestruturação drástica dos passivos bancários. A dívida bancária não pode ser dívida pública. A sê-lo, os banqueiros terão de ser considerados funcionários públicos e os bancos departamentos do governo. Neste caso, os credores também terão de sofrer na pele.

Martin Wolf

Adenda. Entretanto, Vicenç Navarro oferece pistas, convergentes com o que temos defendido, para superar o estreito debate europeu sobre a disciplina dos mercados: imitar a Reserva Federal e o Banco do Japão, transformando o BCE num verdadeiro banco central que compra maciçamente dívida pública e usar os recursos públicos não para salvar os bancos, mas sim para criar bancos públicos, regressando à boa paisagem bancária europeia de tempos de prosperidade partilhada, antes da instituição do regime neoliberal gerador de crises financeiras recorrentes. Um tempo com sistemas financeiros muito mais controlados e funcionais. Temos de regressar ao futuro tal como propõe a New Economics Foundation.

14 comentários:

Anónimo disse...

Em Portugal, parece que seguimos directamente para a assunção de que a dívida bancária é dívida pública e os funcionários bancários funcionários públicos.
Pelo menos na Caixa Geral de Depósitos é o entendimento prevalecente, mas para os muitos milhares de empregados vinculados por contrato de trabalho.
Também em relação ao Banco de Portugal, instituição sui generis atendendo a que pertence ao Sistema Bancos Centrais da União Europeia, o Ministério das Finanças, contra Parecer expresso do Banco Central Europeu, está a defender esse entendimento para efeitos, para já, de cortes salarias e de desempenho profissional. Neste último caso, atirando areia para os olhos da opinião pública ao apelar para as reformas e remunerações astronómicas praticadas no Banco de Portugal. O que o Ministro das Finanças não diz é que essas reformas e remunerações astronómicas são, em EXCLUSIVO, para o Governador, os Vice-Governadores e restante Administração, nomeada pelo próprio Ministro das Finanças e que tem contemplado, além dos boys do PS, os compadres (de baptismo e não só) do PSD e do PR incluído.

Micael Sousa disse...

Não precisamos que os Bancos sejam públicos. Apenas que paguem os devidos impostos, o mesmo que se deve aplicar a todas empresas.

João Carlos Graça disse...

O Micael Sousa coloca uma questão interessante, mas creio que lhe dá a resposta errada.
Na verdade, aos bancos aplica-se em pleno (como se viu plenamente nos últimos anos) o princípio do "demasiado grande para falhar". E, de facto, parece haver razões fundadas para isso. "Moeda" quer dizer "crédito", ou seja "confiança", o que significa que são coisas em ultima ratio suportadas pela soberania, e fudamentalmente indissociáveis do exercício desta. Imagine-se, como contrafactual, o que é, do ponto de vista dos "consumidores finais", depositar "dinheiro" nos bancos e depois descobrir que ele já não "existe"...
Sendo assim, conclui-se (como se concluiu, e quanto a isso bem) que o Soberano tem de estar sempre lá, para servir de última garantia.
Nesse caso, porém, emerge o mal-estar fundamental: mas então, há um tipo particular de negócio privado em que: 1) se há prejuízos, eles são são públicos; 2) se há lucros, são privados (mesmo que por hipótese paguem impostos, como toda a gente, o que de resto...)?
É impossível, face a isto, não recordar a canção: "...for good times, for bad times, I'll be on your side for evermore, that's what friends are for..."
Será moralmente defensável, na relação banca-soberania (e portanto banca-contribuintes), uma "amizade" da qual está tão gritantemente ausente a dimensão de reciprocidade?

Maria da Paz disse...

João Carlos Graça,
compreendo o seu ponto de vista, mas, por exemplo, nos EUA e na Inglaterra eram frequentes (embora não em grande número) as falências de bancos, sem haver a tal "solidariedade soberana" de que fala.
São os banqueiros que, enquanto tais respondem e ficam com a reputação arruinada e impossibilitados de exercer a actividade bancária.
Do meu ponto de vista, em Portugal, não devia o Estado responder pelos prejuízos do BPN e do BPP; deveriam responder com os seus patrimónios (quer localizados em portugal, quer em off-shores e ainda que "as obras de arte apreendidas em casa de Rendeiro não lhe pertençam")todos os Administradores em questão, independentemente das suas conexões políticas, partidárias e sociais.
E serem irradiados da actividade da gestão, ainda que essa gestão nada tivesse que ver com a actividade bancária (É escandaloso que ex-administradores do BPP estejam a Administrar hospitais em Portugal. Depois não se admirem da "derrapagem" na saúde. A derrapagem é, por excelência, a competência deles).
Coloco é outra questão:
Se estes tipos levaram bancos à falência como aferiu e validou a sua idoneidade o Banco de Portugal, instituição a quem compete autorizar o exercício da actividade bancária?
Que responsabilidades exigir a quem no Banco de Portugal concedeu autorização a esta "malta" para administrar esse bem precioso que é a confiança?

Diogo disse...

«A dívida bancária não pode ser dívida pública. A sê-lo, os banqueiros terão de ser considerados funcionários públicos e os bancos departamentos do governo. Neste caso, os credores também terão de sofrer na pele.»


Absolutamente de acordo!

duarte disse...

Felicito-os por se terem encontrado com o Vicenc Navarro.No incontornável site espanhol Rebelion.org ,há muito mais gente que é importante conhecer e divulgar

Dias disse...

“O Estado irlandês deveria ter-se salvo a si próprio...”

Pois era. Mas ele não agiu sozinho, lembremo-nos que houve uma concertação entre os países da UE. No tempo, a coisa foi posta mais ou menos assim: para evitar um eventual levantamento maciço “à la Cantona “ com a falência de alguns bancos, o que pode produzir efeito dominó, os Estados dão garantias e nacionalizam aqueles na bancarrota.

Essa foi a fase “politicamente correcta” da UE, incitando os Estados ao apoio, até a algum apoio social. Tão bonito, tanta solidariedade junta…
Sol de pouca dura.
Os Estados foram enganados. Os povos foram enganados. A regulação foi nula.
Banksters rule again (!), Barroso e Trichet continuam a servir.
O austeritarismo está aí, toca a pagar as perdas, se bem que o dinheiro não sumiu. Mudou de mãos ou está enterrado. Em Cabo Verde estará algum enterrado…

Para o povo irlandês este osso é ainda mais duríssimo de roer.
Ninguém pode afirmar que os “levantamentos à Cantona” perante o “deixa falir esses bancos” tivessem causado pior estrago à Irlanda, que aquele causado pelo pesadelo actual.

A dívida bancária não pode ser dívida pública, estou de acordo com Wolf. Bancos públicos e bancos privados, e que cada um escolha onde se quer meter!

Dias disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
João Carlos Graça disse...

Cara Maria da Paz e caro D.H,
Realmente, a vossa linha de argumentação aponta finalmente para um cenário "à la Cantona", isto é, para uma supressão da actividade bancária enquanto tal. Não creio, em síntese, que isso seja nem melhor do que a situação actual, nem moramente defensável. Sim, a "solidariedade" no momento mau foi unilateral e enviesada, e permitiu-se que a banca se comportasse como "free rider", mas isso não remete para a guerra de todos contra todos como alternativa. Remete sim, parece-me, para a letra do (nunca) velho hino: "salvemo-nos a nós próprios, decretemos a salvação comum..."
Quanto ao património pessoal e aos rendimentos dos banqueiros e gestores da banca, e às falcatruas (em sentido estrito) em que eles tenham estado envolvidos, isso é assunto de justiça, que deve ser tratado como tal, de preferência com severidade exemplar.
Mas isso não responde à questão fundamental. A separação de rendimentos e de patrimónios pessoais e empresariais é (na história dos factos e das ideias económicas) uma aquisição fundamental, sem a qual não haveria empresas dignas desse nome. Isso tem de ser mantido, e é aliás válido a fortiori a propósito duma actividade económica tão particular (porque indissociavelmente entrelaçada com a própria definição de soberania) como é a actividade creditícia.
Por outro lado, embora os rendimentos dos gestores possam ser (e sejam) moralmente ofensivos, isso seria uma gota de água no oceano dos "buracos" criados. Ainda ontem ouvi falar, creio, de 3 milhões de euros anuais de rendimento do António Mexia, da EDP. Os dos bancos não devem andar longe. Sim, é obsceno. Um tipo destes ganha muito mais do que um cidadão "normal" durante todo a sua existência. Não admira que essa última pareça (e seja) "cruel, brutish and short"...
Mas isso é, repito, essencialmente outro assunto: sobretudo um assunto de filosofa moral e política. Quanto às questões de viabilidade prática, elas implicam, parece-me, no fundamental uma banca pública.
Os magníficos estudos de Lapavitsas, Teles, Pires et al parecem confirmar a necessidade prática disso como saída da situação actua, ou seja, em nome da "suprema lei da salvação pública". Mas creio que se pode argumentar em defesa da referida ideia em nome de simples princípios de filosofia da justiça - para além dos sempre importantes aspectos de viabilidade económica e de prudência política.

Maquiavel disse...

Ontem apareceu no France 24 assim algo como:
"Governo dos EUA vende a participaçäo no Citigroup safo da falência encaixando 12 M$ de lucro para os contribuintes".

Se näo säo milhöes säo "bilhöes". Mas eu pergunto: quanto gastaram ao safar o Citigroup, ou a GM. Lembro que a GM tinha as acçöes a 1$ quando foi nacionalizado e agora quando reprivatizado estavam a 30$. Grande negócio para os contribuinte, né? Parece. Mas será? Entäo as dívidas da GM e Citigroup desapareceram? Ou já foram contabilizados nos "lucros da reprivatizaçäo"?

Ou será que constituiram um "banco tóxico" com as dívidas de todos e fizeram-no falir? Se tal aconteceu, os credores deixaram assim täo facilmente? Porque nisso eu näo acredito. Acredito mais em que os contribuintes pagaräo essas dívidas tóxicas todas, mais cedo que tarde, escondidas em "pacotes de recuperaçäo"...

Quem concorda?

Maria da Paz disse...

Caro João Carlos Graça,

Gostava de ver o seu comentário quanto às responsabilidades das entidades de supervisão bancária e, no caso de Portugal, do Banco de Protugal, em especial.
Creio que o seu argumento relativo aos banqueiros, seus patrimónios e responsabilidades ser matéria judicial é, com o devido respeito, redutor, simplista e ineficaz (no caso da justiça portuguesa) e aborda a questão na perspectiva dos "finalmente". Ora, eu considero que há uma responsabilidade "originária", se quiser, relativa à autorização para o início de actividade bancária e que, nos termos legais, assenta na avaliação da idoneidade dos administradores do banco requerente. Claro que se pode discutir em que consiste essa avaliação da idoneidade e se ela inclui o património dos administradores.
Do que não há dúvida, creio, é de que a actividade do BPN e do BPP enveredaram por caminhos ilegais e desastrosos do ponto de vista financeiro, sendo que no caso do BPN o Estado resolveu intervir, de imediato, enquanto no BPP foi deixando "a fritura em lume brando", sem que se preceba muito bem porquê e se foi, e por quem, e com que fundamentos, "aconselhado" a gerir poíticiamente o assunto como o fez.
Porquê a diversidade de critério? Porquê a "entrega" do BPN à CGD? Para "dispersar" outras imparidades?
E, deixe-me dizer-lhe, não me percebeu ou não me fiz perceber: não defendo que estamos melhor sem actividade bancária. O que digo é que não deve ser esquecida a responsabilidade das entidades de regulação/supervisão na falência dos bancos, em especial, em Portugal.
Creio que, apesar do resultado apurado no relatório final, a comissão parlamentar de inquérito ao BPN revelou isso mesmo.

Joao Carlos Graça disse...

Cara Maria da Paz,

Em tão pouco espaço e tempo não se pode dizer tudo, por isso também acho natural que não me tenha feito compreender (ou que possa eu próprio não a ter entendido bem).
Deixemos isso. Em todo o caso:
1) Sim, faz sentido discutir se sim ou não a "supervisão", em Portugal (Constâncio, etc.) e na UE, procedeu como devia em face do estipulado legalmente. Confesso não ter elementos nem condições para responder a isso, mas acho indisputável a tese de que a questão deve ser levantada, quer juricamente, quer politicamente Talvez deva sê-lo bem mais do que foi. Admito-o perfeitamente.
2) Em todo o caso, mesmo concluindo-se que o BP fez o que devia em face da lei vigente, pode e deve discutir-se se essa lei chega, se deve ser melhorada e substituída por outras mais exigentes, etc. Nenhuma reservas da minha parte quanto a isso.
3) A disparidade de tratamento dos casos BPN e BPP teve, muito provavelmente, muito menos a ver a qualquer parti pris pró-nacionalizações por parte do PS (oh, oh, oh...) e muito mais a ver com a preocupação de tapar (com o dinheiro dos contribuintes) um "buraco" financeiro que envolvia gente do "inner circle" do "bloco central", a qual por isso tinha, perdoe-se-me a expressão, de ser "desentalada" by all means. Em suma: o BPN era em boa medida o banco do regime (ou "do sistema", em linguagem futebolística), pelo que foi salvo. Foi isso que pesou antes de tudo nas considerações dos nacionalizadores a contragosto. Admito-o sem qualquer problema, embora sublinhe que quem defender essa tese abertamente tem de ter mais dados do que eu (eu posso apenas formular suspeitas).
(Continua)

João Carlos Graça disse...

(Continuação)
4) Em todo o caso - e é esse o meu ponto central -, pode ocorrer que algumas instituições económicas sejam consideradas "demasiado grandes para falhar", podendo e devendo, nesse caso, ser tornadas públicas em iminência de colapso. Isso pode ocorrer fora do sector bancário,claro: a GM, por exemplo, pode ser nacionalizada pelo governo dos EUA, caso haja percepção de "risco sistémico" na sua eventual falência. O que acrescento a isso é:
5) O sector bancário é particularmente "apetecível" a medidas análogas, quer (pela negativa) pelos riscos específicos associados ao colapso das suas instituições (é a velha - e sempre renovada - questão das singularidades da "produção" desses "bens fictícios" que são a moeda e o crédito), quer (pela negativa) pelas vantagens excessivas que são concedidas a quem tem acesso à "produção" de tais "coisas". Não é que eu ache terminante e categoricamente que não deve poder haver actividade bancária privada. Acho é que, quando isso acontecer, esses agentes privados devem proceder condicionalmente, isto é, devem ser considerados como detentores apenas da "propriedade útil" - como "rendeiros", se quiser (e com alguma ironia...) -, sendo a "propriedade eminente" aqui do Soberano, até porque isso respeita à propria definição deste último.
6) O que acho espantoso, por fim, é a, digamos, "tranquilidade" e a aparente consciência limpa com que entre nós se declara: "nacionalizou-se o BPN, sim, mas, logo que ele passe de novo a dar lucro, voltamos a privatizá-lo. Procuraremos apenas, aquando da futura privatização, garantir um encaixe que compense o que gastámos à cabeça".
Não apenas ouço defender isto: ouço defender isto como se fosse "verdade auto-evidente". Pelo que dou comigo, de súbito, sentido-me distante e alienado deste "senso comum", e meditando que, ao fim e ao cabo, também o grupo de lavradores que foram os "pais fundadores" dos EUA considerava "verdade auto-evidente" o direito de todos os homens "à vida, à liberdade e à pricura da felicidade". Mas ao mesmo tempo, entendamo-nos, considera verdade não menos "auto-evidente" o seu próprio direito de ter escravos e de continuar a tê-los. Mudam-se os tempos...
Quem sabe se, bem enterradas nos fundamentos de toda a vida em sociedade, não há sempre crenças entre si incompatíveis; e margem também, por isso mesmo, para o permanente reavivar da dissonância cognitiva?

Maria da Paz disse...

Caro João Carlos Graça,

Do que agora diz, só gostaria de "rebater" o seu ponto 2) de que são precisas novas leis,ou melhoradas as existentes.
Portugal não precisa de mais leis ou novas leis. Há vários domínios em que a legislação nacional é especialmente boa, com soluções equilibradas e adequadas, positivamente acolhidas e "imitadas" por outras legislações congénetres europeias.
O que Portugal precisa é de uma firme aplicação das leis existentes.
O que Portugal precisa é de eficaz e efectiva "fiscalização" do ordenamento jurídico em que o Estado está estruturado.
Acha possível e admissível a permanente "falta de meios técnicos e humanos" em que, por exemplo, a justiça portuguesa se vem escudando desde o 25 de Abril? Antes do 25 de Abril, eles não se queixavam...e não era por não os deixarem.
Admitir igual raciocínio para as entidades de supervisão/regulação bancária - incluindo a CMVM, cujo Presidente habilmente vem tentando fazer esquecer quando o "retorno absoluto" tão afamado do BPP é produto financeiro cuja competência de supervisão cabe em exclusivo à CMVM -, com o grau de especialização e de diligência técnico que lhes é legal e factualmente exigido, é branquear toda a "patifaria" mais clientelar que habita a nossa sociedade portuguesa.
(Isto para não falar dos chorudos rendimentos com que as Administrações destas entidades de supervisão/regulação se "aboletam" e que fazem corar de inveja os Barnankes dos "States" ou quaisquer gerMãnicos europeus).
O que falta em Portugal é cultura de responsabilidade.
E essa, meu caro, não é com a alteração/melhoria das leis que se cria.
Seria muito mais eficaz o "apontar" o dedo a Constâncio e a Carlos Tavares do que promovê-los para o BCE ou para a rotação de cadeiras (da CMVM para o BdP, CGD, EDP, CIMPOR, Hospitais, GALP ou outras de que o Estado dispõe...)