terça-feira, 19 de outubro de 2010

Entre Marx e List

O Zé Neves escreve um post crítico a responder ao meu apelo para que se ressuscite uma política industrial robusta. Começa pelo confronto no século XIX entre List e Marx. O primeiro foi um dos melhores teóricos sobre a necessidade de protecção nacional como forma de desenvolvimento industrial. Não foi de todo o único a teorizar sobre o assunto, o primeiro foi provavelmente um dos “pais” dos EUA, Alexander Hamilton (“cara” das notas de 10 dólares), ele próprio inspirado na experiência do inicio do século XVIII do primeiro-ministro britânico Robert Walpole. A identidade das diferentes nacionalidades com os diferentes tempos dos processos de industrialização (Reino Unido, EUA, Alemanha) não é coincidência. Mas, adiante. O Zé Neves confronta List com Marx, fruto de umas notas que Karl escreveu sobre o Frederich. Marx é caracterizado como “crítico do idealismo de uma burguesia que para implementar o capitalismo industrial associava-o a um projecto nacionalista supraclassista”. Certo, para o Marx era indiferente se a exploração era conduzida pelo capital alemão ou inglês. O capital, no fundo, não teria nacionalidade. O proteccionismo seria uma temporária barreira ao capitalismo, já que a tendência seria a de que “o país mais desenvolvido só mostra ao menos desenvolvido a imagem do futuro deste” (Capital, prefácio à edição alemã). Daí que o Marx fosse um entusiasta do livre-cambismo, uma posição que nunca vi subscrita por nenhum marxista vivo. Aliás, Engels aparentemente discordava. Enfim, temos já alguma distância suficiente para saber que Marx estava enganado neste aspecto (os porquês estão na obra de muitos marxistas do século XX) e também sabemos, pela experiência histórica e sem ilusões sobre as motivações idealistas e nacionalistas de List, que este estava certo na sua análise do desenvolvimento industrial, nomeadamente na existência de economias crescentes à escala na indústria (uma ideia recusada pela economia clássica e neo-clássica) e na necessidade de protecção para o desenvolvimento industrial.

Não acho que o Zé Neves comungue de uma qualquer visão determinista sobre o desenvolvimento do capitalismo. A discordância está no entendimento de qual a melhor forma de articular na produção os processos de luta socialistas através da qualificação da economia. Penso que o Zé fica demasiado deslumbrado com os sectores de produção industrial que se deslocalizaram em massa e ignora que, por exemplo, no No Logo da Naomi Klein, os exemplos que são fornecidos não são os da indústria aeronáutica, das energias renováveis ou genericamente dos bens de capital. As Nikes deste mundo podem ser deslocalizadas, mas a Boeing continua a produzir nos EUA e a Aerobus na Europa. Também não tenho qualquer nostalgia da linha de produção fordista. O que sei é que é o sector industrial o principal dínamo das economias modernas e que uma política industrial pode e deve ser o caminho para maior qualificação, maior produtividade e maior democracia no local de trabalho. Na verdade, acredito que é tendo os três, bem apoiados por Estado não parasitado, que se consegue o sucesso, pelas razões que já expliquei (como a melhor informação e avaliação que tal implica). E é através deste processo que as empresas podem deixar de ter à porta o sinal “democracia não entra aqui”. E não Zé, isto não acontece a nível agrícola, onde os avanços tecnológicos estão sempre constrangidos pelo factor terra e pela procura que tem outras características (a saciedade é aqui mais fácil). Na agricultura as economias crescentes à escala são bem mais difíceis.

Finalmente, o Zé acha que por ter estratégias nacionais de desenvolvimento, estou a ser nacionalista e a prejudicar a perspectiva do movimento internacionalista. Primeiro, as minhas hipóteses colocam-se no quadro nacional, porque ele, por mais Nikes deste mundo, continua a fazer sentido enquanto unidade económica de intervenção. As fronteiras continuam a existir. O capital financeiro pode estar muito internacionalizado (e está), mas ele distingue fronteiras e é ele próprio composto por fracções que, devido à sua posição geográfica, têm interesses diferentes. Por isso, não posso trabalhar com "pressupostos puramente globalistas". Por outro lado, os efeitos de qualquer crise internacional, por mais internacional que seja, são assimétricos geograficamente. A intervenção tem pois que ser diferenciada. A “nossa” actual crise afecta os nossos trabalhadores como não afecta os trabalhadores alemães ou franceses. Assim acredito que dentro de um determinado quadro, mais ou menos autonómico, as vitórias nacionais de uns podem ter consequências internacionalistas para outros. Aliás, como o Zé assinala, o que escrevo é inspirado (com as devidas reservas) por modelos de desenvolvimento industrial produto da articulação da luta de classes, em determinados contextos nacionais, que abrem o caminho para dizer “olá” ao que o Zé quer dizer “adeus”.

6 comentários:

Semisovereign People at Large disse...

comunguem o que quiserem

mas não me fanem a pedaleira

nem lha abanquem fogo

querem comungar vão à Manif

mas não levem gasosas

antónio disse...

Peço desde já desculpa pela possível inocuidade do comentário.

Sobre o facto do desenvolvimento industrial ou qualquer outro ser pensado a nível nacional ou global, parece-me (mas isto é só um acho que à portuguesa) que a questão de escala depende de demasiados factores para se assumir esta ou aquela ou posição. Em última análise, um processo de regionalização acentuadíssimo a nível europeu podia atirar-nos para uma nova formulação cidade-estado e daí colherem-se benefícios (a europa é diversa internacional e nacinalmente, mas de qualquer forma este raciocínio apenas serviu para perspectivar a coisa).

Contudo, o exemplo da Aerobus ou da Boeing, recordou uma coisa que me vieo à cabeça faz umas horas e que gostaria de perguntar (já que percebo tanto destas coisas como de outra coisa qualquer como um licenciado português consciente da sua condição): faria sentido, se pensarmos na ideia do toyotismo contraposto ao fordismo (salvo seja - hardt e negri) agilizar o comércio (e portanto a relação estreita que tem com a indústria) ao ponto de conseguirmos mediante uma encomenda ter o produto que desejamos disponível num espaço de tempo razoável (e não me perguntem o que é um espaço de tempo razoável)?

é que, e vá-se lá saber isso poderia ajudar indústrias locais (reforço que eu é mais bolos), a ideia de ter tudo disponível em todo o lado e a qualquer momento é um absurdo por si só. (até nos livros, disto posso falar por que até os vou lendo e comprando, ou seja, teria mais lógica a livraria ter um exemplar de cada edição e imprimir de um dia p o outro? é que já que as máquinas contribuem para o desemprego, podiam contribuir para qq coisinha).

peço desculpa pelo tempo roubado, mas só para afinar a coisa, lembrei-me disto porque precisava de uma extensão eléctrica (dessas coisas comezinhas que precisamos e q estão multiplicadas à exaustão em 4 das 15 lojas da minha rua) e pensei que seria perfeitamente possível criar um sistema que controlasse tudo desde a compra da matéria prima até ao comprador, matendo optimizada a relação entre a necessidade real (seja isto o que for) e os produtos disponibilizados. (bem sei que isto provavelmente contraria a base da nossa economia pela produção em massa e mais umas qtas coisas q n sei nomear, mas se é o que está que está mal, foi só uma ideia que sei não ser original, como há mais vida no universo e já tinha ouvido falar do exemplo das livrarias, mas aplicado a jornais).

peço mais uma vez desculpa pelo tempo tomado.

abraço

Anónimo disse...

Nao sei se seraa a melhor forma de introduzir a necessidade de uma poliitica industrial, com referencias a Marx e a List... mas de facto, basta ler Ha-Joon Chang e os debates dos anos 80 sobre o caso teoorico para uma poliitica industrial a respeito da nova teoria do comeercio internacional, para se ter uma mente aberta em relacao a essa discussao... basta pensar no que os tigres asiaaticos fizeram, para imaginar o que se poderia fazer em Portugal...

Aliaas, basta ler sobre a "surrogate industrial policy" dos EUA para ver como um paiis na fronteira tecnoloogica tambeem depende tanto da intervencao estatal:

http://ser.oxfordjournals.org/content/7/3/459.full.pdf+html

Forca!!

Cumprimentos
Joao Farinha

Anónimo disse...

Eu concordo substancialmente com o Teles. Mas acho excessivo e errado classificar o Marx como "um entusiasta do livre-cambismo". Como tive oportunidade de dizer ao interlocutor do Teles a propósito de outro post no viasdefacto («O que quer dizer "Portugal a Produzir"?», de 2/09/2010),

«O Marx, tal como depois dele o Lénine, apenas “prefere o livre comércio ao proteccionismo” na medida em que a eliminação das medidas proteccionistas acelera o desenvolvimento do capitalismo, em relação a estádios sociais mais atrasados (de resto, do ponto de vista social, a polémica proteccionismo / livre-cambismo sempre foi entendida pelos dois como uma disputa entre facções da burguesia ou, num sentido mais geral, para abarcar os grandes proprietários da terra, que se apropriam de fracções da mais-valia social por via da renda da terra, como uma disputa entre facções da classe dominante).»

Ricardo disse...

Uma vez mais gostei muito do que escreveste.

Já agora gostava de dar um +pequeno contributo sobre a «polémica» de Marx defender ou não o livre-cambismo...

Na minha humilde opinião, Marx, Lenini e outros dirigentes e teóricos marxistas do movimento operário ao analisarem e proporem esta ou aquela solução relativa ao comércio internacional (incluindo a política cambial e financeira) têm presente o contexto internacional e as contradições inter-imperialistas (mesmo que em Marx este conceito não tenha sido ainda completamente desenvolvido). Já agora, vale a pena observar as diferentes soluções relativas ao comércio internacional que o Partido Bolchevique foi adoptando conforme a correlação de forças internacional se foi desenvolvendo, semrpe com o objectivo da industrialização da Rússia, primeiro, e da União Soviética, numa segunda fase. Vale a pena ler «URSS - Ascenção e queda» de Luís Fernandes, publicado em 1991 (penso eu...).

JGusman Barbosa disse...

Algo relacionado com este assunto, surgiu este artigo numa revista de física bastante conceituada:

http://www.physorg.com/news/2010-10-globalized-economy-sensitive-recessions-physicists.html


Abraço