segunda-feira, 31 de maio de 2010

Finança e salsichas


Diz-se que o chanceler Bismarck teria um dia comparado o fabrico das leis com o das salsichas: em ambos os casos quanto menos conhecemos o processo mais respeitamos o resultado. Com a finança passa-se algo semelhante. A finança é opaca porque se fosse transparente provavelmente ninguém toleraria o resultado.

A opacidade da finança é variável. Para o comum dos mortais a opacidade é total. O mecanismo é demasiado complicado, as palavras que o descrevem são imperceptíveis. Felizmente, supõem-se, há “entendidos”, políticos e economistas que sabem o que se passa…

O “mortal comum” não sabe, no entanto, embora às vezes suspeite, que os próprios “entendidos” não se encontram numa situação muito melhor do que a dele próprio. Aqui há de novo questões de grau. O economista “não especialista” (como o autor destas linhas) consegue entender alguma coisa do dialecto da finança, teve contacto com algumas teorias. O “economista” especialista teve contacto mais profundo com as teorias e as controvérsias, pode ter mesmo algum conhecimento prático que lhe dá acesso aos detalhes. Há depois o homem prático, economista ou não, que fez da finança modo de vida e sabe muita coisa prática.

A verdade, no entanto, é que o “especialista”, teórico ou prático, sabe na realidade muito pouco. Ao teórico falta o conhecimento prático que as teorias existentes integram pouco e mal, ao prático falta o distanciamento crítico que lhe permita ver para lá do interesse da instituição que serve. E mesmo quando os dois conhecimentos se encontram numa só pessoa, resta a complexidade do próprio sistema. O sistema financeiro global pode bem ser uma “máquina” com dinâmicas imprevisíveis, caóticas. Por alguma razão se diz que os próprios criadores das inovações financeiras desconheciam as propriedades e as consequências dos produtos que inventaram e disseminaram. A ignorância a respeito de um sistema como este pode pura e simplesmente ser irredutível.

Significa isto que, relativamente à pessoa comum, o “entendido” não especialista (como o autor destas linhas) está numa posição que lhe permite apenas saber que não é só ele que não sabe o suficiente. Mesmo assim isso permite-lhe dizer duas coisas: primeiro, é preciso tentar conhecer melhor os mecanismos da finança, passar de teorias que integram pouco e mal o conhecimento prático, a teorias que confiram mais importância aos “detalhes” (institucionais) que condicionam os resultados destes sistemas complexos; segundo, é preciso “simplificar” o próprio sistema para o tornar mais previsível e controlável.

3 comentários:

L. Rodrigues disse...

E depois há ainda os instrumentos financeiros que nem os próprios homens que vivem da finança compreendiam, desenhados por matemáticos e demasiado complexos para qualquer tipo de análise externa.

João Aleluia disse...

1.O sistema financeiro, ao contrario do que acontece com as leis, não precisa de grandes simplificações. O que precisa é de grandes regulações e de grandes intervenções.

2.Sem duvida que há instrumentos financeiros cujos payoffs dependem de matematicas algo elaboradas o que ocasionalmente leva a erros por parte dos seus utilizadores. No entanto, mesmo os mais complexos dos produtos financeiros têm uma razão economica para existir, caso contrario não teriam procura.

3. Os produtos financeiros que estiveram na base do subprime não têm grande complexidade matematica. O problema esteve na existencia de assimetria de informação e de conflictos de interesses.

Anónimo disse...

Estou convicto que estamos perante uma crise do paradigma científico dominante e a emergência de um novo paradigma, um pouco na perspectiva de Kuhn, tal como afirma nas "Revoluções Científicas". Os conceitos de complexidade/simplicidade, controlo/imprivisibilidade são numa relação paradigmática, conceitos paradoxais.