segunda-feira, 12 de abril de 2010

Para lá da adjectivação

Imoral. Obsceno. Chocante. É preciso chegar ao extremo do presidente da EDP, que ganha num mês o que um trabalhador aufere, em média, ao longo de 25 anos, para que o consenso do empresarialmente correcto dê alguns sinais de enfraquecimento num dos países mais desiguais da Europa. Nas últimas duas décadas consolidou-se uma cultura pública que ignorou os custos sociais das desigualdades económicas: da ausência de mobilidade social aos níveis persistentes de pobreza, passando pela desmotivação no trabalho, pela erosão da confiança e acabando na arrogância do dinheiro concentrado, que se transmuta com tanta facilidade em poder político e em corrupção.

Infelizmente, a hegemonia do empresarialmente correcto não se dissolve num dia e a indignação moral, o "estupor público", para usar a apta expressão da socialista Ana Gomes, não se transforma automaticamente em reformas igualitárias. Sócrates, um representante do bloco central, já se sabe, incensa os ricos e os seus elogios a Mexia, que justamente indignaram Ana Gomes, são talvez a expressão da crença bizarra de que os níveis de remuneração reflectem o mérito e não o poder.

Enquanto isso, demasiados críticos continuam presos à ideia de que as remunerações elevadas dos gestores só são uma questão política quando se trata de empresas públicas ou participadas pelo Estado.

O resto da crónica no i pode ser lido aqui.

3 comentários:

Dias disse...

(ainda sobre a crença que as remunerações reflectem o mérito e não o poder)

Há ainda quem tenha a distinta lata de promover a mistificação: “os melhores gestores (aqueles que proporcionam maiores lucros aos accionistas da sociedade – da sua, claro!) poderão abandonar o país”, caso se estabeleçam tectos para os prémios que auferem…
Esta ideia repisada do “melhor”, do “imprescindível”, da meritocracia numa sociedade onde a igualdade de oportunidades sempre foi uma miragem, também faz parte do programa dos “génios do poder”.

Mas o que choca mais é a predação dos recursos públicos – feita ou não com a cumplicidade do Estado - de que os tais prémios e lucros da EDP são uma parte bem visível!

Ana Paula Fitas disse...

Vou fazer link, João.
Abraço.

João Aleluia disse...

1. Quantos aos bonus propriamentes ditos, o que é de facto chocante são os dos gestores publicos, para mais quando estes gerem monopolios. Mas mais chocante ainda é que se paguem fortunas a gestores como Mexia quando as empresas que gerem são absurdamente mal geridas.

Quanto aos gestores privados, se as empresas lhes estão a pagar demais, isso é uma decisão danosa que se reflectirá no futuroda respectiva empresa.

2. "da aliança que se formou entre accionistas e gestores de topo para extrair bónus e dividendos à custa do esforço da esmagadora maioria dos trabalhadores, reduzidos a um mero custo a economizar"

Isto é uma realidade em muitos casos, mas isto para além de também ser uma prática de gestão danosa, deve-se sobretudo ao facto de a maoir parte dos trabalhadores não terem qualificações nenhumas e consequentemente não terem nenhum poder negocial em relação ao empregador nem prespectivas de vida altertivas. Este problema resolve-se com um sistema de educação publico de elevada qualidade e acessivel e obrigatorio para toda gente, assim garante-se a igualdade de oportunidades a vários níveis. Este problema não se resolve pela via fiscal.

3."Neste contexto, é mais do que justificado taxar punitivamente os prémios e outros benefícios que os gestores de topo das empresas capturam."

Moralmente poderá ser de facto justificado em muitos casos, agora na pratica isto seria um profundo disparate. Pois, em primeiro lugar, taxar elevados rendimentos a taxas elevadas é simplesmente impossivel hoje em dia, a não ser que voltem a instutir controlos fronteiriços de pessoas, bens e capitais e se feche o pais em total isolamento. Isto acontece porque quando o montante a pagar é muito elevado, o contribuinte pode com facilidade gastar uns milhares de euros a esconder esse rendimento ou a recaracterizalo como rendimento não taxavel e ainda poupar uma fortuna em impostos. Sem duvida que com leis eficientes (não as nossas) e com fiscalização de pessoas qualificadas (o que também tem um custo elevado para o contribuinte), não pagar torna-se mais caro, e em vez de uns milhares de euros estamos a falar de dezenas ou até centenas de milhar. Mas não se iluda, o resultado é o mesmo, e quando estamos a falar de pessoal que ganha milhões é simplesmente utopico faze-los pagar uma taxa efectiva de 40%, nem 30%, as vezes nem sequer 20%, é preciso que seja ou um montante fixo "lump sum" ou uma taxa suficientemente baixa para que ninguém se dê ao trabalho de recorrer à evasão fiscal. Conclusão, não é uma questão de moralidade, é uma questão de poder, e nenhum estado tem esse poder.

4. "Adicionalmente, é preciso instituir mecanismos que permitam que os trabalhadores tenham uma participação activa na gestão das empresas, incluindo na definição das remunerações dos seus diferentes intervenientes."

Ena, com os actuais trabalhadores a terem um papel activo na gestão das empresas, estavamos de volta à idade da pedra dentro de 6 meses. Bem sei que a maior parte dos gestores portugueses são de facto muito maus, mas daí até por os trabalhadores à frente das empresas! Aliás, depois do 25 de Abril aconteceram alguns casos desses e com resultados sobejamente conhecidos.

Dito isto, é obvio qe os trabalhadores devem ser ouvidos mais ou menos de acordo com as situações e de acordo as qualificações dos trabalhadores em causa, e devem ser respeitados independentemente das suas funções ou abilitações. Agora, qualquer empresa a partir de determinada dimensão só funciona com uma clara estrutura hierarquica.