quinta-feira, 1 de abril de 2010

Entre a deriva irresponsável e a vertigem centrista (II)



Há sem dúvida algum esforço de equidade na distribuição dos custos dos ajustamentos que são pedidos ao nível do PEC (Programa de Estabilidade e Crescimento), designadamente os seguintes. Primeiro, com a taxação das mais valias bolsistas que, inexplicavelmente, o PS vem propondo sem nunca aplicar (excepto num pequeno lapso temporal) de há algumas legislaturas a esta parte... Segundo, com o novo escalão de IRS de 45 por cento para os rendimentos mais elevados. Terceiro, com uma forte contenção das despesas militares: uma área sobrefinanciada em termos comparativos e onde, até agora, se tem feito um esforço mínimo de contenção (vide os meus textos no PÚBLICO, 19/11 e 3/12 de 2007). Quarto, com os cortes nos beneficios fiscais (em educação e saúde) a atingirem mais os grupos de maiores rendimentos. Quinto, algum esforço de taxação adicional da banca no sentido da convergência das taxas efectivas de IRC com as nominais.

Porém, apesar de tudo, fica a ideia de que o esforço de equidade na distribuição dos sacrificios pedidos aos portugueses fica muito aquém do desejável. Primeiro, a taxação das mais valias afinal não é para já, pelo menos já para este ano... Segundo, embora Portugal seja dos países da zona Euro que mais apoios dá ao sector financeiro (dados da Comissão Europeia, 2003-08), o esforço que é pedido aos bancos, nomeadamente em matéria de redução dos beneficios fiscais, é mínimo (J. de Negócios, 15/3/2010). Terceiro, não se percebe porque é que o esforço de redução dos beneficios fiscais (que atinge sobretudo as classes médias) não é também extensivel às empresas: não se trataria de aumentar impostos, tratar-se-ia tão só de aproximar as taxas efectivas de IRC das nominais… Quarto, enquanto a generalidade dos portugueses (nomeadamente os funcionários públicos) é atingida pela austeridade, o mesmo não se passa com os chorudos bónus dos gestores públicos (excepto os do sector financeiro). Quinto, o congelamento de salários aplicado aos funcionários da administração não é extensivel aos empregados das empresas públicas ou participadas. Sexto, não faria sentido, sobretudo para um governo socialista, propor que tal congelamento não afectasse os grupos com salários mais baixos? Recorde-se que cerca de um terça dos funcionários do Rendimento Social de Inserção trabalham… Sétimo, que sentido faz limitar as prestações sociais não contributivas, sobretudo na época de crise em que vivemos?

Há, portanto, algum esfoço de equidade na distribuição dos custos dos ajustamentos em matéria de correcção das contas públicas. Porém, tal esforço é tímido e parece pautado por uma vertigem centrista destinada a obter o respaldo do PSD. Por um lado, isto é compreensivel porque os outros partidos da ala esquerda parecem não se preocupar com a correcção dos desiquilibrios nas contas públicas e, sobretudo, nunca se manifestaram disponíveis para dar o seu respaldo a este governo (em troca, por exemplo, de maior equidade na distribuição dos sacrificios, de uma nova estratégia de crescimento e/ou de uma travagam na irracional política de privatizações). Há, da parte destas forças, uma certa irresponsabilidade: sabem que as suas propostas nunca serão testadas porque eles, sendo minoritários, não estão disponiveis para fazer os compromissos necessários para sustentar um governo do PS (escolhido pela maioria dos eleitores) e, desse modo, para terem autoridade para o fazerem inflectir do centro para a esquerda. Porém, por outro lado, não se percebe porque é que, tendo optado (por necessidade e, porventura também, por preferência…) por governar ao centro e por se aproximarem sobretudo do PSD (e do CDS), os socialistas não têm a coragem de incorporar as prudentes sugestões destes partidos em matéria de grandes investimentos públicos (Aeroporto, TGV). Além disso, era desejável que se gizasse não só uma estratégia estabilização financeira mas também uma via para o relançamento do crescimento económico.

Texto originalmente publicado no Público de 29/3/2010.

13 comentários:

António disse...

Só uma dúvida: Tributar as mais valias não é uma falsa questão?

Quem obtém mais valias no mercado bolsista (na especulação) é à custa das menos valias de outrem.

Logo para tributar as mais valias o Estado tinha de compensar todos aqueles que tiveram menos valias.
Mais valias - Menos Valias = 0

Ou eu estou a ver mal o problema?

Anónimo disse...

Não percebo o seu comentário, que todavia agradeço: o Estado além de tributar fiscalmente os lucros devia, na sua tese, compensar fiscalmente os prejuizos?
Não faz qualquer sentido: era como se o Estado para tributar os lucros dos empresários tivesse de compensar os prejuizos de todos os negócios que não correm bem...
De todo, não é certo, está a ver mal a coisa!
André Freire

Politikos disse...

Creio bem que só por inércia, podemos chamar a este governo de socialista! É um equívoco e um logro! Na prática, é, excepto em matéria de costumes, um governo de direita. Porventura mesmo o governo que governou mais à direita desde o 25 de Abril.
E o PEC, ainda que forma vagamente encapotada, é um exemplo disso. Como é que um governo supostamente socialista numa situação de emergência das contas públicas pode simultaneamente propor o adiamento para 2011 da proposta de tributação das mais-valias das operações em bolsa e o plafonamento do montante para pagar prestações sociais, como o subsídio de desemprego e o rendimento mínimo?! Presumo que quando não houver dinheiro, o bolo se continue a dividir pelos mesmos mas em fatias menores até chegar à côdea. Confesso que de «per se» ambas as medidas me chocam mas a conjugação das duas deixa-me sem nenhuma dúvida sobre o socialismo do PS que já não está, como em tempos se disse, na gaveta, mas sim definitivamente arrumado no sótão da avó... Hoje, o PS arrasta aquele nome como outrora os fidalgos falidos o título nobiliárquico, sem que a sua prática corresponda minimamente ao nome que ostenta...

António disse...

André Freire:

Obrigado pela sua resposta, mas a minha questão continua por esclarecer. De facto as empresas pagam pelos lucros obtidos. Grosso modo os proveitos menos os custos. Mas se uma empresa num dado exercício apresentar prejuízo, este pode ser reportado no ano ou anos seguintes.
Vou tentar ser mais claro na questão da tributação das mais-valias bolsistas, apenas a pensar no investidor (especulador). Este compra e venda, nas muitas transacções realizadas obtém umas vezes mais-valias outras vezes menos valias, no final do exercício iria pagar caso o seu resultado fosse positivo e se fosse negativo? Analogamente às empresas iria repostar os prejuízos para o ano ou anos seguintes. Extrapolando para todos os investidores (especuladores) o resultado final não se aproxima do zero?

Anónimo disse...

A tributação da mais valia não é para ser feita a cada momento em que haja uma mais-valia, deduzindo uma determinada percentagem desse ganho respectivo como imposto?
Não percebo se "António" pensa na tributação da mais-valia ao fim de um período temporal (um ano), se não a compreende por exemplo como no caso do IVA que é pago pelo consumidor em cada de compra de um produto.

Anónimo disse...

O que está em causa é tributar um ganho que não tem sido tributado; quanto aos prejuízos do mercado bolsista quem vai a jogo arrisca-se a ter prejuízos. Não é de esperar que seja compensado pelos prejuízos pois não? Se estiver não rendimentos no fim do jogo da bolsa, sai fora do jogo - deixaria de ser tributado...

António disse...

André Freire:
Obrigado pela resposta fiquei esclarecido acerca do que pensa em matéria de tributação de mais-valias na especulação bolsista.
Permita-me apenas mais um comentário.
O especulador pode num dia fazer uma como centenas de operações. O cálculo das mais-valias vai ser efectuado em cada operação ou no final do dia, do mês ou do ano? Vamos admitir que é no final do dia e que realizou 5 operações. Em duas operações ganhou 5.000 euros e em três operações perdeu 20.000 euros. De acordo com a sua opinião o especulador deve pagar mais-valias sobre 5.000 euros mesmo que nesse dia tenha ficado falido?

Anónimo disse...

Não sendo eu um especialista em mercados de capitais, penso que a tributação das mais valias se faz por cada operação: quando há, tributa-se, quando não há, não se tributa.
Os prejuizos, nestas como noutras actividades, quando reportados a empresas, entram depois na respectiva contabilidade... e, portanto, são assim contabilização para a taxação em sede de IRC.
De qualquer modo, não vale a pena inventar a roda porque esta medida existe em quase toda a Europa (creio) e portanto, é estudar os modelos...
André Freire

Anónimo disse...

Já quanto ao governo ser de esquerda ou de direita, eu não entro nesse registo...
De qualquer modo, que o governo de maioria relativa precisa de governar apoiado em alguém é um facto incontornável e como a esquerda radical não está disponivel para o apoiar (em troca de contrapartidas razoáveis) resta o apoio da direita...
Mas há que pedir tb. responsabilidades à esquerda radical por isso, certo?
è preciso que deixem de funcionar como meros partidos de protesto!
Até lá, ao menos assumam as responsabilidades de se isentarem de participar nas soluções governativas: a consequência necessária (!!) é um governo do PS com o apoio da direita, pelos aparentemente também por falta de comparência da esquerda radical...
André Freire

José Guinote disse...

Leio com agrado os seus artigos no Público e depois aqui no blogue. Concordo muitas vezes consigo e mesmo nas mudanças que propõe no sistema eleitoral jugo que está certo mas, creio, que não terá muita sorte. O sistema político baseia-se no medo e na imutabilidade. É um sistema conservador servido por políticos conservadores. A questão da aproximação dos eleitos aos eleitores é, no essencial, conversa fiada.
Neste artigo há uma afirmação sua que me parece excessiva. É quando afiram que “Há, portanto, algum esforço de equidade na distribuição dos custos dos ajustamentos em matéria de correcção das contas públicas.”
Não me parece. Julgo que há uma penalização das classes de menores rendimentos e de rendimentos médios. Reconhece isso no seu artigo quando questiona a não tributação dos bónus dos gestores financeiros contrapondo a redução dos benefícios fiscais na saúde e na educação- que afecta centenas de milhares de famílias de rendimentos médios e baixos. Um tema que permitiu a Sócrates brilhar no debate com Louça nas últimas eleições, recorde-se. Mas podia referir a insistência na não tributação do sector financeiro que recebeu do Estado Português um dos maiores apoios financeiros no contexto europeu, ao longo dos últimos anos.
No que eu concordo totalmente é na distribuição de responsabilidades por esta deriva direitista na política portuguesa. Atribuo responsabilidades maiores ao PS e em particular à sua direcção – este PS é certamente o mais à direita no contexto europeu e Sócrates se tem muitas características particulares que o diferenciam, uma delas não será a sua alma socialista – mas também aos que classifica como da ala esquerda. Quem recebe centenas de milhares de votos dos portugueses que querem uma mudança política tem que disponibilizar-se para a negociação política e para a participação num Governo com base em princípios políticos aceitáveis. Tem que distinguir entre o essencial e o acessório. Pode não conseguir os seus objectivos mas tem que kostrar a sua disponibilidade. Não pode colocar-se à margem. O que aconteceu após as últimas eleições não foi bom. A incapacidade para a contratualização política é um grave defeito. Não apenas do Sócrates e do seu PS. Há oportunidades que muitas vezes não se repetem.
Cumprimentos

António disse...

Eu também não sou especialista nos mercados bolsistas e não sei como funciona a tributação das mais-valias por essa Europa fora, aliás pelo que tenho lido o sistema funciona como um rendimento de uma actividade e o contribuinte apresenta na sua declaração de rendimentos as mais-valias obtidas no ano a que se referem e tem a faculdade de reportar para o ano seguinte caso o seu resultado seja negativo. Não podia ser de outro modo, pois, as Constituições dos Países democráticos obrigam è equidade fiscal. Portanto aos Estados que tributam mais-valias resultantes da especulação bolsista não obtêm por essa via receitas muito significativas. Como muito bem sabe as operações em bolsa não criam qualquer valor a soma dos ganhos de uns é exactamente igual às perdas de outros. Portanto de facto a tributação das mais-valias bolsistas é uma falsa questão.
Obrigado

Politikos disse...

Não é uma questão de registo, é uma questão de factos. Se o PSD propusesse o plafonamento do subsídio de desemprego em simultâneo com o adiamento das mais-valias bolsistas, o que diria o PS? Também poderia dizer que não «entro no registo» de chamar ao PC e ao BE «esquerda radical» que me parece um excesso de linguagem!
Mas concordo com o que refere sobre os partidos de protesto. Também acho que se devem pedir responsabilidades ao PCP e ao BE. É que são quase 20% de votos que não servem para formar soluções de governo. É evidente, pois, que se devem pedir responsabilidades a esses partidos, mas não lhe parece que se devem pedir também responsabilidades ao PS? Se o PC e o BE não se chegam, chega-se o PS! Um pouco como fez Sampaio, quando foi chamar o PC para uma solução autárquica em Lisboa. E viu alguns esforços nesse sentido por parte do PS?!

João Aleluia disse...

Em primeiro lugar, as mais-valias tributadas são o saldo positivo das mais valias e menos valias apuradas no final de cada ano fiscal, ver codigo do IRS art72, 120 e 125.

Em segundo lugar, a tributação de mais valias (quando as acções são detidas à mais de 12 meses) porque as outras já são outras já são tributadas, ainda que seja uma medida justa não tem qualquer impacto orçamental. E já agora podiam tributar também as mais-valias com as transações de obrigações e as obtidas com a especulação monetaria spot, que continuava a ser justo mas sem impacto orçamental. O mesmo se passa com a taxa de 45%, também não tem impacto orçamental, quem não tem dinheiro não cai nessa taxa e quem tem não paga impostos ou pelo menos paga poucos ou nenhuns impostos em Portugal, já a taxa de 42% é só para os gestores das empresas publicas e dos bancos, que por razão de imagem gostam de pagar alguns impostos.

Terceiro, sobre o PEC já me pronunciei no comentário ao Post anterior.

Finalmente, sobre os partidos de esquerda que acham que as suas ideias nunca serão testadas. Hoje em dia com a instabilidade social que se aproxima a olhos vistos, não acredito que ainda achem isso, isto se é que alguma vez acharam. O que me parece é que são, e na minha opinião sempre foram profundamente ignorantes e irresponsaveis.