quinta-feira, 31 de julho de 2008

A propriedade: afinal é ou não um roubo?

Pierre Joseph Proudhon (1809-1865) o homem que ficou famoso por, entre muitas outras coisas, ter escrito em 1840 que «A propriedade é um roubo!», escreveu também em 1862:
A propriedade é a maior força revolucionária que existe e se pode opor ao poder (…). Onde encontrar uma potência capaz de contrabalançar esse potência formidável do Estado? Não há outra a não ser a propriedade (…). A propriedade moderna pode ser considerada como o triunfo da liberdade (…).
Contradição? Não, explica Proudhon, a frase de 1840 deveria ser interpretada no contexto: a propriedade que era roubo era a dos terra tenentes absentistas que viviam à custa do trabalho alheio.

Se o mesmo homem ao longo de uma vida se pode achar dividido entre dois significados de propriedade tão opostos – roubo e liberdade – o que fará a sociedade? A propriedade divide, separa. Pode ser uma coisa para quem a tem e outra muito diferente para quem não a tem. E é bem possível que ela, em si mesma, possa ser diferentes coisas consoante o modo como é definida e entendida.

Fenómeno da natureza a proprieade não é certamente. Se fosse não a discutiríamos, como ninguém discute os terramotos – se devem ou não existir e, em caso afirmativo, com que violência. Mas a propriedade – o que pode ser apropriado, quem pode apropriar e em que condições – isso discutimos. Desde sempre, ou melhor, desde que a propriedade existe.

12 comentários:

F. Penim Redondo disse...

Não faz sentido falar de propriedade em abstracto.

A propriedade de uma patente relativa a descoberta farmaceutica recente não tem nada a ver com a propriedade da fábrica de texteis que já ninguém quer, ou de um prédio que vai caindo aos bocados e que rende uma miséria.

Os famosos "meios de produção" que vale a pena possuir são aqueles que estão em linha com a economia do momento. Os outros são ruinosos.

Em última análise é sempre o conhecimento e são as correspondentes inovações que acabam por dar, ou tirar, por obsolescência, valor à propriedade.

Se a inovação tender para infinito o valor da propriedade tenderá para zero.

Diogo disse...

E a discussão do conceito de propriedade é tão mais necessária quanto em maior número são os bens produzidos pela tecnologia.

Anónimo disse...

Bom tema José Caldas :)

O que parece uma contradição nas palavras de Proudhon, não o é. Kropotkin dá-nos umas luzes sobre isto.

De facto, o que é propriedade ? Proudhon argumenta que "A terra não pode ser apropriada", que é também a mesma posição de Kropotkin. A aparente contradição de que falas é simplesmente uma falha de interpretação da teoria anarquista. Kropotkin aceitava que algumas pessoas não se quisessem juntar às comunas anarco-comunistas, sendo que o uso da terra e os seus recursos, por parte dessas pessoas, fosse respeitado.

Kropotkin baseia-se na diferença entre direito de propriedade e direito de uso, entre propriedade e posse. A primeira é considerada roubo e despotismo (já que os seus meios asseguram grande parte do trabalho para poucos) enquanto que o último significa liberdade (já que os seus donos e utilizadores são um e o mesmo). Por apropriação, Kropotkin (e Proudhon) referem-se não ao uso da terra mas a tornar a terra numa propriedade privada, ou seja, a capacidade de excluir da terra os indivíduos que não a utilizam pessoalmente. Agora espero que a aparente contradição tenha desaparecido ...

Só para referir que o argumento de Kropotkin é baseado nesta diferença. Ele e Proudhon reconheceram que o direito de uso deveria substituir o direito de propriedade numa sociedade anarquista. Noutras palavras, os indivíduos podem intercambiar o seu trabalho sempre que quiserem e ocupar a terra para o seu próprio uso. Isto de forma alguma contradiz a abolição da propriedade privada, porque ocupação e uso encontram-se num eixo completamente oposto ao da propriedade privada (no sentido capitalista).

Por isso, numa sociedade comunista livre, os indivíduos que rejeitem o comunismo podem sempre utilizar a terra e os seus recursos como desejarem (mesmo pessoalmente), intercambiar com outros, etc, porque não fazem parte dessa sociedade. É por isso que é chamado de "comunismo livre", algo que Kropotkin contrastou com o autoritarismo ou comunismo de estado.

L. Rodrigues disse...

NEstas discussões gosto de lembrar Ambrose Bierce:

LAND, n. A part of the earth's surface, considered as property. The theory that land is property subject to private ownership and control is the foundation of modern society, and is eminently worthy of the superstructure.
Carried to its logical conclusion, it means that some have the right to prevent others from living; for the right to own implies the right exclusively to occupy; and in fact laws of trespass are enacted wherever property in land is recognized.
It follows that if the whole area of terra firma is owned by A, B and C, there will be no place for D, E, F and G to be born, or, born as trespassers, to exist.

Anónimo disse...

Pelos vistos precisamos de uma novo conceito para uma sociedade pós-moderna hein ? ;)

José Magalhães disse...

Imaginem que alguém se arrogava dono do Sol:

“O sol? fui eu que o inventei, sempre que fizeres uso dele tens de me conceder privilégios (dinheiro).“

Parece estranho (ou gato fedoresco)?

Freud no livro “Totem e Tabu”, refere que numa tribo mexicana que estudou, o líder era responsável por vigiar o sol constantemente, para que ele nascesse e se pusesse todos os dias.

O equívoco é o mesmo que se estende a toda a noção de mercadoria e de propriedade privada dos dias de hoje.
Isto corresponde a um tipo de pensamento animista, muito presente nas crianças.

Uma criança desenha um sol colocando-lhe um sorriso e dois olhos, ou seja, atribuímos características humanas a coisa não humanas.

Arrogamo-nos da sua posse, como quem se arroga da posse de uma mulher ou de uma mãe ou de um filho.

As leis das trocas económicas de mercadorias, têm as mesmas leis do tipo de troca emocional entre pessoas. Já dizia Karl Marx: “o valor é uma relação entre pessoas dissimulada numa relação entre coisas.”

O ser humano desenvolve o sentido da posse e da propriedade por volta dos dois, três anos, durante o que Freud chamou de estádio anal.

Nesta altura a criança começa a ter controlo do músculo do esfinctér que controla as fezes. É quando a criança começa a exercer um controlo sobre a expulsão fezes que de uma forma arcaica são uma prenda simbólica (como um cão que se mija de contentamtento quando vê o dono)

Um aspecto importante do conceito freudiano é a conexão simbólica entre dinheiro e as fezes. Isto parece um pouco estranho mas o exemplo perfeito é a obra "Merde d'Artiste" do artista Piero Manzoni, que em 1961, ofereceu a compradores de arte 90 latas do seu próprio excremento a um preço igual à do seu peso em ouro.

O conflito na fase anal pode manter-se e originar uma neurose obsessiva em idade adulta.
Uma neurose obsessiva de carácter anal define-se por estas características:

Avareza
Meticulosidade, limpeza, parcimónia e obstinação.
Esterilização da afectividade
Isolamento
Grande necessidade de exercer controlo (posse) sobre os seus pensamentos.

Passando de Marx e Freud directamente para o existencialismo de Kierkegaard e a Teoria da Mente Budismo.

Para os budistas, toda a posse é uma angústia mental ligada à questão do apego. Alcançar o estado de Buda passa por se desapegar do "Eu", sede de toda a angústia da posse.

A angústia de ter um Eu manifesta-se de três formas segundo Kierkegaard:

- Despair at Not Being Conscious of Having a Self
- Despair at Not Willing to
Be Oneself
- Despair at Willing to Be Oneself.

José Magalhães disse...

Perdoem-me se me estiquei no comentário anterior. Só queria acrescentar algo bem mais específico: as contradições do Proudhon.

Li há pouco tempo uma edição em espanhol do livro "Miseria de La Filosofia" onde Marx dá umas valentes descascas no Proudhon enunciando de uma forma muito precisa as suas contradições nomeadamente quanto á questão da propriedade

Nessa mesma edição em espanhol (o marx é giro de ler em espanhol), há comentários de Proudhon aos ataques de Marx. O teor de Proudhon é mais ou menos do género "Ó Marx, eu disse isso primeiro. Eu fui primeiro a enunciar os males e os bens do mercado".
Penso que só isto diz muito do mesquinho ponto de vista pequeno-burguês do Proudhon.

Marx constantemente mostra como o Proudhon nunca disse nada de novo, e cita Adam Smith e Ricardo entre outros economistas que explicam muito bem do ponto de vista burguês o que Proudhon pretendia que fosse revolucionário.

Atenção que o jovem Marx foi um discípulo de Proudhon que admirava mais propriamente o seu estilo do que outra coisa, tendo mais tarde Marx amplamente suplantado Proudhon na construção rigorosa de uma economia materialista dialéctica.

Marx dizia que a fama de Proudhon na Alemanha era devida à sua reputação de grande economista françês, enquanto que na França Proudhon se destacava por ter fama de profundo conhecedor da filosofia Alemã, sendo que não era nem bom economista nem bom filósofo.

A Filosofia de Proudhon é, portanto, acrescento eu, uma filosofia puramente "especulativa".

Anónimo disse...

Especulando digo:

"Só os cães têm dono!"

Mas dou o braço atorcer: tienes liberdad de pensamiento, que es para allá de la palabra.

Quanto ao sol:

Há de brilhar para sempre e para todos, nem que seja como uma sombra numa caverna. Logo, qual a importâmcia de uma peneira ? Só se for para ti.


"Que melhor sitio que este ?
Que melhor altura que agora ?
Nem todo o inferno nos pode para agora..."

ah ah ah !

Anónimo disse...

A Filosofia de Proudhon é, portanto, acrescento eu, uma filosofia puramente "especulativa".

Toda e qualquer filosofia é especulativa. A especulação pertence ao reino das ideias subjectivas. Todo e qualquer tipo de subjectividade com a realização do conhecimento e de uma fé justificada, torna-se objectiva. Só precisamos de conhecer e acreditar.

José Magalhães disse...

Quando chamo especulativa à filosofia de Proudhon, é no sentido da especulação do homem de negócios que tenta fazer com que pedras de granito valham ouro.

Proudhon é um intelectual francês que fazia as suas ideias mirabolantes com o objectivo de as vender, daí a necessidade de transformar pedras em ouro, daí usar o termo especulativo.

Ele é aquilo que hoje abunda e que Marx apontava já o dedo no séc. XIX: a mercantilização de TUDO. Isto faz com que tudo tenha um valor especulativo, daí o relativismo dos valores em que vivemos, nao há verdades absolutas, etc. Tal como o preço do pão nao pode ser igual para sempre, ao mercado é repugnante ideias fixas e imutáveis como "a verdade". Tudo então é sujeito ao mercado, e portanto à especulação.

Citando Marx (em espanhol, ou seja, podem ler como se fosse o Chavez ou o Fidel Castro hehe):

"Llegó por fin un tiempo en el cual todo lo que los hombres habían considerado inalienable llegó a ser objecto de cambio, de tráfico, y podía enajenarse. Es el tiempo en al cual las mismas cosas que hasta entonces se transmitían, nunca, sin embargo, se cambiavan; se davan pero no se vendíam; se adquirían, pero no se compraban: virtud, amor, opinión, ciencia, consciencia, etc.; todo, en fin pasó al comercio. Es el tiempo de la corrupción general, de la venalidad universal, o hablando en términos de economia política, el tiempo en el cual toda cosa, moral o física, al convertirse en valor venal, se lleva al mercado para apreciarla en su más justo valor"

Anónimo disse...

Lembrete: Aleksandr Solzhenitsyn

Pedro Bingre do Amaral disse...

Joe, alguma vez leste Henry George? Nas questões de direitos de propriedade e de Economia Política é capaz de ser ainda mais interessante que os pensadores anarquistas e comunistas que citaste.