terça-feira, 29 de julho de 2008

É preciso quebrar o «Consenso da Almirante Reis» III

Estamos mal com a insistência nas ilusórias e estáticas vantagens comparativas. Os países semi-periféricos que se desenvolveram foram os que desafiaram, a golpes de boa política, o seu padrão de especialização tradicional e transitaram para sectores com maior valor acrescentado onde se podem capturar as rendas que advêm do domínio, mais ou menos pioneiro, de novas tecnologias. Ao contrário do que alguns pensam, a criação destas vantagens competitivas dinâmicas pode ser um jogo de soma positiva. Faz então falta um discurso público desenvolvimentista mais assertivo e confiante, na linha de algumas preocupações que constam do QREN. Um discurso que defenda e defina, usando a reduzida margem de manobra disponível, uma política industrial coerente, servida por incentivos selectivos e por investimentos públicos bem planeados, que favoreçam a área dos bens transaccionáveis intensivos em conhecimento e em tecnologia e não a captura de sectores da provisão pública. Esta corrente de pensamento existe em Portugal e, de vez em quando, consegue ter alguns sucessos, mas está muito abafada pelo «Consenso da Almirante Reis».

A política industrial, como o economista Dani Rodrik da Universidade de Harvard defende no seu último livro ( o capítulo a que me refiro está disponível aqui), é um processo de descoberta, feito de colaboração entre o sector público e o sector privado (a «autonomia embutida» de um Estado forte de que fala Peter Evans), capaz de superar as enormes falhas de mercado (externalidades e problemas de coordenação dos investimentos) que podem bloquear a emergência de importantes sectores económicos. Rodrik, baseando-se em extensa evidência empírica, torna visível o que é invisível para muitos: «raspem a superfície dos sucessos de exportação em sectores inovadores em qualquer parte do mundo e, na maior parte dos casos, verão políticas industriais, I&D pública, apoios sectoriais, subsídios à exportação, acordos tarifários preferenciais e outras intervenções públicas». Já agora vejam o que o Nuno Teles escreveu sobre as energias renováveis ou este artigo sobre as origens públicas de muitas inovações.

Enfim, não podemos confiar sempre nos famosos, mas muitas vezes enganadores, sinais do «mercado». Definitivamente, os mercados realmente existentes são moldáveis e dependem das políticas. Os países bem sucedidos são os que descobrem o que isto implica em cada momento e não falham nas escolhas de política industrial. E, aspecto crucial, conseguiram edificar um Estado capaz de guiar o sector privado sem ser por ele capturado. É fácil? Não me parece. É claro que se isto fosse fácil, teríamos hoje uma receita económica universal. Nada está mais longe da verdade. Se nem sequer temos, depois de tantas tentativas, uma única teoria económica ou um único modelo económico...

5 comentários:

Pedro Bingre do Amaral disse...

Veja-se o exemplo norte-americano: boa parte das suas vantagens competitivas resultam de R&D militar financiada pelo Estado — por exemplo a aeronáutica e as tecnologias de informação. Também o sector agrícola norte-americano ainda hoje colhe os enormes benefícios do investimento estatal em investigação realizado nos meados do século passado.

Jose Silva disse...

Caro João,

Não há dúvida que um Estado Central ou Regional podem tomar medidas voluntaristas para facilitarem a emergência de um sector de B&S Transaccionáveis. Há exemplos de sucesso.

Porém sejamos honestos. É uma actividade de moral cinzenta e incerta. Aplica-la à realidade nacional é assunto sensível.

Aqui a Norte as empresas sobrevivem sem esse voluntarismo de estado central e regional e acaba por ser curioso o facto de a Efacec e a Bial serem as maiores investidoras em I&D privado a nível nacional.

Luís disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luís disse...

Parece-me que é preciso olhar a realidade de frente: a escolha pelo sector dos bens não transaccionáveis nos últimos 15 anos parece-me evidente. Resta saber se essa foi uma escolha deliberada ou engrenada pelas circunstâncias da adesão à moeda única e ao impacto da globalização na processo de desindustrialização da economia nacional.

A minha aposta é que a elite política há muito está rendida a ser o aparelho subsidiário e desencentralizado da burocracia europeia. Por isso é que o país não tem estratégia: na indústria transformadora, na agricultura, nas pescas. A adesão ao Euro fez parte dessa escolha de estar no comboio da frente; mas isso foi uma estratégia reactiva. O facto de estarmos na moeda única protege-nos de facto de certos choques económico-financeiros, torna os juros mais baixos tal e tal..

Foi a adesão ao Euro que permitiu os défices sistemáticos na balança de transacções correntes, e o consequente endividamento face ao exterior via sistema bancário e Estado. Por isso a posição de investimento internacional ( a expressão do BP para títulos de dívida detidos pelos estrangeiros sobre Portugal) ronda os 75% do PIB. A enxorrada de dinheiro/crédito que invadiu Portugal nos últimos anos é que permitiu o enviesamento da economia para o sector dos bens não transaccionáveis; não era inevitável, mas isso aproveitou a certos sectores da burguesia (especialmente a banca, a construção...) e hoje aproxima-se rapidamente do seu término. O que se seguirá? Ninguém sabe; o pior era se o filme corre-se agora ao contrário (do fim para o princípio; aí sim, teria chegado a crise). Apostas na reversibilidade?

Parece uma verdace de La Palice, que no longo-prazo, para falar assim, só o aumento da produtividade do trabalho (e do capital?) premite ganhos sustentados no bem-estar da população. Evidência das evidências: os salários em Portugal sobem, há anos (e ainda no último ano), acima do aumento da produtividade; facto tão extraordinário que até levou o FMI a apelidar a nossa situação de "doença portuguesa"!

Boas notícias é que aprece que o capital multinacional ainda não se esqueceu de nós: a Embraer e a Intel vão instalar fábricas em Portugal e aproveitar das nossas vantagens comparativas que incluem certamente os baixos salários e ter um PM chamado José Sócrates. Aliás, eu jogo todo na dupla Pinho/Sócrates, desde que com um empurrãozinho do carismático Chávez ou a farsa do metalúrgico Lula...

As más notícias é que a festa se pode estar a acabar: a conjuntura degrada-se a cada semana que passa, os factos estão ainda aquém serem revelados; Soros lança um novo livro sobre os mercados financeiros(Avé César!); e os prémios de risco no mercado de crédito para a periferia europeia multiplicam. Já trataram todos da respectiva ancoragem?

Esse dilema bens transaccionáveis/bens não transaccionáveis esconde outro que é o de: consumo ou poupança? Eu pensava que na economia não havia soluções mágicas.. E não há, o que há são efeitos multiplicadores; meus senhoers, o que multiplica também desmultiplica, estejam atentos. Moeda forte promove o consumo; moeda fraca, hoje, em Portugal, não promoveria outra coisa que o afundamento geral, pois esse cálculo é impossível de fazer-se: aí estamos declaradamente no campo da irreversibilidade, Avé César, outra vez!

Dois terços da economia portuguesa já são serviços (Jornal OJE, de hoje); se Portugal tivesse indústria, se Portugal tivesse campo em vez de cidades e médias cidades (brincalhão!) tudo seria diferente. Agora: só nos resta dar o sinal de partida, o campeonato nacional de futebol vai outra vez começar, e hoje, mais do que nunca, estamos focados nos mercados core (o centro do terreno!); depois da borrada que a titularização deu (qual pulverização do risco!), só esses é que nos importam!

Anónimo disse...

Agora ee que ee falar!!!

Joao Farinha