sábado, 8 de março de 2008

Uma grande responsabilidade

Durante os próximos anos, a imagem de Mário Nogueira vai ficar ligada àquele que é, provavelmente, o maior movimento de protesto de professores das últimas décadas. O Secretário-Geral da Fenprof não é obviamente o responsável por este movimento, o qual resulta antes de mais de um profundo clima de insatisfação que se faz sentir entre os docentes.

Por muito que a equipa da 5 de Outubro insista que é a desinformação orquestrada pelos sindicatos que conduz ao protesto, a insatisfação tem razões profundas - umas porventura mais justas do que outras, umas mais recentes e outras que vêm de trás, mas todas elas reais. Isto ajuda a explicar os inúmeros protestos que têm ocorrido em todo o país, bem como as várias associações que têm sido criadas em defesa da escola pública e da dignidade dos professores, muitas por iniciativa espontânea de professores que não estão ligados às direcções sindicais.

Tal não significa, no entanto, que Mário Nogueira e a Fenprof estejam apenas a aproveitar-se do descontentamento geral entre os professores para projectarem a sua imagem e as suas agendas. Em grande medida, se Mário Nogueira vai ficar ligado a este movimento é por mérito próprio. O seu percurso enquanto sindicalista não é o de um desconhecido que chega ao topo da maior federação de professores por mera confiança política do partido a que pertence. Durante vários anos Mário Nogueira esteve à frente do Sindicato dos Professores do Centro, onde se destacou pela sua combatividade e capacidade de mobilização dos colegas docentes - características essenciais para um dirigente sindical, que passam sempre por conhecer a realidade das escolas, de saber interpretar os motivos de insatisfação, de construir um discurso claro que reflicta esses motivos e de organizar o trabalho sindical aos vários níveis.

Tendo ganho o protagonismo actual, Mário Nogueira e a direcção da Fenprof têm uma grande responsabilidade pela frente. Cabe-lhes contribuir para dignificar a profissão docente, indo para além das legítimas reivindicações salariais e de carreira. Cabe aos dirigentes sindicais demonstrarem que existem formas de abordar os vários temas em discussão (a avaliação de professores, mas não só) que são mais razoáveis e exequíveis do que as que saem da 5 de Outubro. Cabe-lhes mostrar pela prática que a sua acção dirigente não é, nos aspectos essenciais, determinada por orientações externas à organização que representam. Em suma, cabe-lhes contribuir para encontrar soluções que protejam a escola pública enquanto valor civilizacional - o que implica evitar a degradação da sua qualidade e da sua reputação - soluções essas que têm de ter em conta a limitação dos recursos existentes num país como o nosso.

A verdadeira prova começa agora. Seria bom para a dignificação dos professores, para a escola pública e para o futuro deste país que Mário Nogueira mostrasse que tem tanta capacidade de proposta como tem de organização do protesto.

9 comentários:

ab disse...

PORTUGAL: Um governo socialista no poder e uma manifestação de protesto de 80000 professores na rua.
Algo se passa...

Anónimo disse...

A explicação é simples o Governo tem procurado assegurar o futuro e não tem feito como os seus antecessores: a vontade a grupos de pressão que estão habituados a conseguir o que querem. O que alguns querem é "o pão para hoje e a fome para amanhã" para fazer vingar as suas ideias. Mário Nogueira é de facto o homem ideal. Um comunista com méritos firmados no terreno a luta político sindical que mobiliza os que que sentem desconforto com mudanças e com exigências. Os profs são "a classe operária de outrora"...ao serviço da luta partidária.

Zé Bonito disse...

Se alguma característica inovadora este movimento tem tido, é precisamente o de não se integrar nas tradicionais "lutas partidárias". Basta ver que, a partir de determinada altura e perante o avolumar dos protestos, o apoio começou a ser dado por todos os partidos (excepto o PS, claro, embora muitos dos seus dirigentes também o tenham feito)e sindicatos. Esta é, aliás, a grande dificuldade que o governo tem encontrado. Habituado (este e os outros) a usar a divisão sindical para esvaziar os movimentos, neste caso deparou-se com a dificuldade (impossibilidade) de arranjar um interlocutor. Vai tentar desempenhar o papel de "durão", fingindo ignorar os protestos. Mas há duas coisas que já não consegue evitar: a evidência de ter avaliado mal as condições concretas para lançar as medidas (e o modo como o fez) que lançou; o facto destes oitenta ou noventa mil continuarem nas escolas, com um "prazo de validade" muito superior ao do governo (de qualquer governo).

Já agora, chamo a atenção para o que se passou nos diversos blogues que debateram este assunto, onde se assistiu a uma onda de comentários muitas vezes "copy/past", de apoio ao governo. Não foram à manif, mas tiveram um Sábado animado.

Anónimo disse...

É sabido: há duas formas socialmente muito antiquadas de esvaziar qualquer recusa ou desobediência:
um) rotulá-la de comunista;
dois) reduzi-la ao corporativismo e comodismo habitual que impede o progresso e o avanço do país.
A partir daí fecham-se os argumentos. Acabou.
Pelo que só se pode reafirmar razões que confirmem essa evidência:

a) Qualquer professor que proteste tem dentro de si um alien marxista pronto para saltar cá para fora – está infectado; mesmo que o não saiba.
Ou isso ou ainda não percebeu que alguns sabem o que é melhor para todos (conceito, aliás, estranhíssimo aos regimes ditos comunistas);

b) Os professores são a "classe operária de outrora" – é bom de ver, à força de lhes retirarem cada vez mais funções intelectuais para as substituírem por actividades e tarefas notariais, policiais, nomenkladas, repetitivas e burocráticas…
E estão, claro, ao serviço da luta partidária - eles lá se orientariam sozinhos! Coitados, mal sabem ler ou escrever; é vê-los a rir ruidosamente, com um fio de baba a escorrer pelo canto da boca, sempre que um partido amigo lhes estende a mão e os guia pela rua… Quem quiser vir é bom; quem não quiser e protestar ou é parvo ou é comunista.
(Como a história daquele rei, senhor de um castelo cuja regra para se entrar era ter que se ficar de fora.)

c) O mundo seria muito mais simples se só os comunistas protestassem. No entanto, as pessoas que pensam que para se protestar é preciso ser-se comunista é que talvez deixassem de ter razões para pensar - quer dizer, razões para exercer qualquer espécie de raciocínio, de actividade, digamos, neuronal. E assim tornar-se-iam, sei lá, couves, rabanetes, nabos. Uma espécie de vegetal, ou assim. De maneira que nunca correriam o risco de se verem associados a partidos políticos.
Dir-lhes-iam: és uma hortaliça! E eles responderiam: pois sou!
Se não seriam comunistas.
E pronto: assim, sim, é que era.

ab disse...

" Un spectre hante l'Europe - le spectre du communisme. " Spectre fut donc le premier nom, à l'ouverture du Manifeste du parti communiste".


" Tout le monde le sait, sachez-le, le marxisme est mort. Marx aussi, n'en doutons plus ". Un " ordre du monde " tente de stabiliser hégémonie fragile dans l'évidence d'un " acte de décès ". Le discours maniaque qui domine alors a la forme jubilatoire et obscène que Freud attribue à une phase triomphante dans le travail du deuil. (Refrain de l'incantation : " le cadavre se décompose en lieu sûr, qu'il ne revienne plus, vive le capital, vive le marché, survive le libéralisme économique ! "). Exorcisme et conjuration. Une dénégation tente de neutraliser la nécessité spectrale, mais aussi l'avenir d'"un" "esprit du marxisme".

Présentation de Spectres de Marx de Jacques Derrida

Anónimo disse...

Pareceu-me que a posição de Mário Nogueira no discurso da manifestação,é facto que foi tomada a quente,cometeu uma imprudencia que vai acabar por ter de se contradizer.Foi quando afirmou que a Fenprof não estava a partir daquela data disponivel para debater as questões dos professores com a actual ministra da Educação.

LMF disse...

Mário Nogueira tem vários problemas. O principal é ser profissional do sindicalismo. É pago para reinvindicar e isso, meu caro Ricardo, é fatal para a sua credibilidade. Além disso, já o faz há muitos anos! A limitação de mandatos também devia passar por aí!

Ricardo Paes Mamede disse...

Meu caro Luís,

É minha convicção que sindicatos democráticos, autónomos, combativos e com capacidade de proposta são elementos essenciais para o equilíbrio e para o progresso das sociedades em que vivemos.

O meu respeito pela actividade sindical tem duas consequências gémeas: (i) a não aceitação do ataque cego que se faz aos sindicatos e ao seu papel nos sistemas democráticos (uma tradição da direita mais reaccionária, que tem vindo a ser surpreendentemente adoptada por algumas esquerdas) e (ii) uma grande exigência em relação à credibilidade da acção dos sindicatos e dos seus dirigentes.

Como escrevo no 'post', Mário Nogueira tem uma grande responsabilidade - e seria bom que a assumisse. Para já, os sinais que está a dar não são muito convincentes. Mas tal não é motivo para estigmatizar quem é pago para exercer um papel fundamental nas sociedades em que vivemos. É motivo para lhe exigirmos que faça melhor. Não é bom só ouvir críticas destrutivas o tempo todo, pois não?

LMF disse...

Que fique registado que concordo contigo em relação à importância dos sindicatos. Aliás, agora mais do que nunca! Isso está completamente fora de discussão.
O problema é que a forma de execer o sindicalismo como o faz Mário Nogueira, é péssimo para o próprio movimento sindical. A credibilidade é muito importante para que nos possam ouvir!