quarta-feira, 22 de outubro de 2025
Quem seremos depois de Gaza?
«Em março de 1988, o historiador israelense Yehuda Elkana, sobrevivente de Auschwitz, publicou um artigo no jornal Haaretz sobre “a necessidade de esquecer”. (...) Havia um motivo para isso: Elkana achava que a memória do Holocausto havia sido cooptada para fins destrutivos; que vinha sendo utilizada maldosamente para insuflar o ódio e a violência contra o povo palestino. (...) Argumentou que, “se o Holocausto não tivesse penetrado tão profundamente na consciência nacional”, o conflito entre judeus e palestinos não teria gerado tantos atos de terrorismo e violência. (...) Para Elkana, em 1988, chegara finalmente o momento de o povo judeu abandonar a ideia de que “o mundo inteiro está contra nós, e somos eternas vítimas".
(...) No Ocidente, o Holocausto foi, de certa forma, o marco fundador do século XX; antes disso, havia sido a Revolução Francesa. Esses eventos definiram suas épocas porque, segundo Confino, encarnaram “um novum histórico que serve como uma régua moral e histórica, como uma medida do que é ser humano”. Representaram, respectivamente, o auge da aspiração humana e o grau de sua depravação. (...) Mishra e Beinart argumentam que a devastação de Gaza levou a humanidade a um novo patamar de degradação. (...) Os efeitos históricos e geopolíticos dessa catástrofe, segundo ele [Beinart], serão fundamentalmente diferentes de tudo o que os antecedeu.
E se o mundo pós-Gaza não for tão diferente assim daquele com o qual estamos habituados? E se as condições desse mundo não forem definidas por Gaza, mas por algum outro cataclismo que ainda está por vir? E se este momento não sinalizar uma virada, um novo despertar moral, mas apenas um pontinho histórico num mundo de devastações cada vez piores? Essa possibilidade, real e inquietante, é a mais aterrorizante que os dois livros [de Mishra e Beinart] obrigam os leitores a considerar».
Linda Kinstler, Quem seremos depois de Gaza?
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