Há dez anos, o jornal Público fez contas a 20 anos de existência de IRC, a partir das estatísticas dos serviços de Finanças. E o que se concluía pode parecer estranho a quem faz da redução dos impostos - nomeadamente dos impostos sobre as empresas - um cavalo de batalha.
Se em 1990 o IRC liquidado (pago efectivamente) correspondia a 27% dos resultados contabilísticos positivos, passados 20 anos correspondia apenas a 6%! E apesar disso, o desempenho económico não era excelente - como todos os (neo)liberais com assento parlamentar fazem hoje questão sempre de sublinhar.
Esta discrepância tornava visível que as taxas de IRC eram a questão menos relevante do debate sobre medidas fiscais. Mais relevante do que as taxas era a definição do estava ou não sujeito a imposto. Mais importante do que as taxas era o conjunto das políticas fiscais - cujo âmbito e eficácia ficam, geralmente, na obscutidade dos debates e da própria apresentação das leis - que permitiam uma redução dos lucros tributáveis e da própria matéria colectável sobre a qual incide, no final, a taxa. Pior ainda é tentar comparar taxas de IRC em diferentes países, para avaiar a "competitividade fiscal", sem ter em conta as respectivas definições de matéria colectável...
Como é visível no gráfico publicado, os resultados tinham subido significativamente, mas aquilo que era tributado em IRC era bem menor, fazendo com que a receita liquidada de IRC se tivesse mantido estável ao longo dos 20 anos, independentemente dos resultados das empresas.
E esta situação favorecia sobretudo as grandes empresas. Isso porque eram estas que - fruto de uma forte evasão nas pequenas empresas - mais proporcionalmente contribuíam para a receita de IRC. Ou seja, quando ostensivamente se pugnava por baixas de IRC, sabia-se - mas não se dizia - quem eram os principais beneficiários. E pior: beneficiava-se um grupo de empresas que já retirava melhor partido do regime fiscal. Enquanto para as empresas com um volume até 5 milhões de euros, o IRC pago representava entre 21 a 23% dos resultados contabilísticos positivos, as empresas com facturações acima de 250 milhões, "pagavam" apenas 9,3% dos seus resultados contabilísticos positivos.
Esta análise foi actualizada em 2013, durante o Governo Passos Coelho. Procure-se aqui o Barómetro nº8 do Observatório sobre Crises e Alternativas e veja-se as propostas da comissão encarregada de sugerir alterações ao IRC, presidida pelo fiscalista António Lobo Xavier, um advogado ligado ao grupo Sonae e ao sector financeiro. O sector financeiro - como é possível ler nessa publicação - foi um dos sectores que mais beneficiou com as medidas propostas.
Longe de encarar o problema estrutural de erosão fiscal do IRC, o Governo (neo)liberal de Passos Coelho alinhou com a preocupação de curto prazo de beneficiar fiscalmente as grandes empresas. E - engraçado - apesar disso, estamos hoje numa situação económica que os (neo)liberais criticam e - mais uma vez e como se nada se tivesse passado no passado recente - voltam a propor, como solução, a redução das taxas de IRC.
Ora, há dez anos, que já sabemos duas coisas: Uma, a redução da taxa não é a questão essencial: discuta-se antes os pequenos detalhes das leis fiscais e veja-se quem beneficia do quê. Outra, a redução da taxa beneficia sobretudo os proprietários das grandes empresas e, como se vê presentemente, não vai resolver o problema económico do país. Apenas vai dar recursos públicos a uma minoria da população.
1 comentário:
Quando se podia falar em baixar o IVA ou o IRS, impostos que recaem sobre os trabalhadores, os nossos políticos só falam em baixar o IRC. Que já é inferior ao IRS.
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