quinta-feira, 3 de março de 2022

Começou

Jornal Público, 3/3/2022

Manuel Carvalho, director do jornal Público, assinou um editorial que, creio, mais tarde achará excessivo. Todos andamos nervosos com a guerra e com as suas implicações, mas, de repente, acabamos por participar nessas consequências.

O primeiro parágrafo parece zangado: 

"A invasão da Ucrânia expôs com crueza a dificuldade de o PCP fazer parte de qualquer solução governativa numa democracia europeia". Mais adiante continua: "Os comunistas nunca esconderam a sua aversão à democracia liberal [muito se gosta de usar palavras na moda!], à União Europeia e, claro está à NATO. Como nunca esconderam a sua admiração velada por ditadores, como Nicolas Maduro, ou regimes autoritários como a China".(...) Quando, como agora, é preciso escolher [!] entre autocratas e democracias [!] o verniz do PCP estala e a sua essência emerge". "O PCP estava e continua na margem dos valores ou da história".

Tudo isto é dito sobre a votação no Parlamento Europeu da resolução sobre a invasão da Ucrânia. Ora, o Manuel deveria ter lido com atenção a dita resolução que tem 20 (!) considerandos e 46 (!) pontos de resolução. Quando se quer unir, reduz-se as arestas; quando se quer demarcar, acentuam-se as diferenças. Qualquer esforço sério, teria separado as propostas a aprovar. Uma declaração de princípios, uma proposta de acção. Mas não. Tudo parece ter sido embruhado com uma intenção clara: à pala de uma condenação consensual à invasão - sim, o PCP condena a invasão! - embrulhar e fazer passar uma "declaração de guerra" nada consensual, ao fortalecer-se militarmente a própria NATO, numa iniciativa belicista que, a fazer o seu caminho face a uma invasão militar, conduzirá tudo à desgraça.

Ora, em vez de discutir isso, o Manuel retirou a conclusão primária - o PCP não condena a invasão! Talvez o PCP devesse dar mais atenção à forma como se afirma publicamente. Mas nada permite ao Manuel Carvalho extrapolar daquela forma. E assim deixou-se rebolar por essa rampa inclinada, no desvario assente numa base errada, embrulhando-se com toda a direita em ebulição.

 

Desvario semelhante, dessa vez olhando para a Rússia Soviética, era esgrimido pelo regime de Salazar, pela sua polícia político-ideológica e até pela própria pena de Salazar. Basta folhear os seus discursos, para se tornar claro o quão era impensável uma participação comunista num governo - um elemento da 5ª coluna do "imperialismo soviético"- porque o seu fim era... criar uma ditadura! Isto dizia a PIDE ou Salazar! E, por incrível que pareça, essa dificuldade em aceitar comunistas no seu seio - já nem falo das prisões e das mortes por isso motivadas - foi igualmente colocada por membros da administração dos Estados Unidos, como Henry Kissinger, já no pós-25 de Abril, porquanto o PCP era membro de uma Internacional que reinaria no Pacto de Varsóvia. E Portugal, como membro da NATO - aliás desde o tempo de Salazar! - nunca poderia permitir ter um inimigo no seu seio. E esta filosofia vem trespassando o debate e, de ora em quando, mesmo em tempo de democracia liberal, lá surge o argumento de que, quem é contra a NATO, nunca poderá fazer parte do governo de um país que é seu membro! Como se os povos ou os seus representantes precisassem primeiro de se inscrever no clube militar para poder exercer os seus direitos! 

Tudo isto vem, portanto, de longe. E pena é que Manuel Carvalho não tenha tido em conta isso, quando usa ideias que ecoam há mais de 100 anos, em muitas circunstâncias. Possivelmente, não se terá apercebido do que disse. E, como é boa pessoa, lá colocará a mão na consciência. Mas o importante é que tudo o que escreveu, ficou. E, aliás, entronca já noutros comentários que vão fazendo o seu percurso. 

O académico António Costa Pinto, igualmente boa pessoa, escreveu no seu Facebook algo com o mesmo corolário, mas noutro sentido: 

"Já me tinha esquecido do famoso "complexo militar-industrial" Norte Americano, uma marca analítica antiga [!], mas João Oliveira, do PCP, ressuscitou-o hoje [!], a propósito da invasão da Ucrânia. É verdade que o declínio (e no passado ascenso) eleitoral do PCP tem pouco a ver com as suas posições internacionais. Mas reconheça-se que a coerência ideológica anti-UE e anti-"imperialismo norte-americano", em plena crise provocada pela invasão da Ucrânia pela Russia vai ditando a sua progressiva irrelevância política.

Sobre isso, relembro um texto de Mário Soares de 2008 que Costa Pinto sempre elogiou. Mas Costa Pinto nem sequer é o mais agressivo: a direita cerra fileiras nas colunas de opinião dos orgãos de comunicação social:

"A guerra na Ucrânia confirmou a essência de PCP e BE" (Tiago Dores). "Comunistas e bloquistas são tão perigosos como o Chega" (Luís Rosa). "Como mostra a guerra na Ucrânia, o Chega apoia a democracia e está ao lado dos aliados ocidentais de Portugal"  (João Marques de Almeida). "E agora? O que dizem todos aqueles que acharam que o PCP e o BE eram bem-vindos ao sistema democrático? Os que se desfaziam com a simpatia de Jerónimo e com o aggiornamento de Louçã e Catarina?" (Raquel Abecassis). "Nunca falha: se amanhã a Noruega entrasse em guerra com a Coreia do Norte, ninguém duvida para que lado tombariam os discursos do PCP e os corações do BE" (Alberto Gonçalves). "Vão os países democráticos ceder à chantagem do regime herdado da ditadura soviética, reciclada há mais de três décadas, e entregar os seus restos à corte de um ex-agente do KGB?" (Manuel Villaverde Cabral). "A ‘hora mais negra’ regressou à Europa com a infame invasão da Ucrânia pelo banditismo político-militar do czar soviético Vladimir Putin. É altura de evocar Winston Churchill" (Joao Carlos Espada). "Putin acredita que os Estados ocidentais não intervirão militarmente na Ucrânia devido ao receio de uma escalada para um confronto nuclear. Talvez esteja na altura de o Ocidente surpreender Putin" (Samuel da Paiva Pires). "Durante décadas construímos uma civilização-casulo. Ou seja um mundo suficientemente rico para pagar para que não o ataquem. Mas agora o nosso casulo foi brutalmente rasgado pelo brutalidade de Putin" (Helena Matos).

Expulsem a esquerda! Vamos para a guerra! Pena que os comentadores comentem tanto a espuma dos dias e tão pouco a sua estrutura. Talvez assim se conseguisse mudar para melhor. 

8 comentários:

Anónimo disse...

A comunicação social está sempre pronta para explicar o lado do mais forte, da mentira e claro que a forma de comunicar do PCP é muitas vezes dúbia, querem proibir os partidos à esquerda de governar.

Anónimo disse...

Manuel Carvalho ao lado dos nazis ucranianos que cercaram a cidade de Mariupol e agora saqueiam e roubam cidades e locais por onde passam. Por todo o lixo que escreveu sobre este assunto, Manuel Carvalho mereceria uma medalha de mérito, oferecida pela 14.ª divisão das Waffen SS. Como se sabe, no regime de Zelesky, os soldados desta divisão foram elevados ao estatuto de heróis.

A hipocrisia desta gente não tem fim. Escrevem em honra de ideias e lógicas que não merecem crédito.

TINA's Nemesis disse...

Como os liberais "democratas" adoram a organização militar NATO fundada pelo Dr. Fascista Salazar, e como adoram a anti-democrata União Europeia criada precisamente para impor o liberal-austeritarismo.
Parlamento Europeu, o lugar da "democracia europeia"... que fantochada!
Até parece que quem manda não é a não escrutinável Comissão Europeia e o Banco Central Europeu...
Como é que acham que se impõe a austeridade, se cria desemprego ao nível da grande depressão e se destrói 25% da economia grega? Com a Democracia ou sem ela?
E o que dizer da NATO e a UE financiarem e armarem Nazis ucranianos?
NATO e UE, nunca se viu maiores anjos protetores da "democracia", "liberdade" e "direitos humanos"..

O Manel do panfleto europeísta de referência Público até gosta de déspotas têm é que ser o tipo certo de déspotas, daqueles que gostam muito de usar expressões como "democracia" e "direitos humanos" para justificar os seus atos criminosos.

Este é o liberalismo realmente existente, cada vez mais repressor e autoritário, não só com as populações do Médio Oriente, África e América Latina, "libertadas" e "democratizadas" à bomba, como com as populações ditas civilizadas da América do Norte e Europa.

E por falar em populações civilizadas, será que o Manel do Público nada tem a dizer sobre como os seus Kamaradas da Desinformação Social internacional se têm referido aos refugiados ucranianos? Dizem os "jornalistas": "Isto é a Europa, a Ucrânia é um país civilizado não é como o Iraque ou a Síria." ou "Custa-me a ver pessoas loiras de olhos azuis nestas condições."

A realidade é um cartoon!

Ed disse...

Isto é um momento surreal, confesso que é a primeira vez que sou confrontado tão diretamente com uma campanha de propaganda tão grave, a deturpação da posição do partido que mais sério para estar sobre defender um cessar fogo a ser o mais atacado por os meios de comunicação social...quantas mentes já foram contaminadas com estas mentiras?
Como é que é possivel um partido lutar contra isto?

Anónimo disse...

Ouvir quem se deve, sobre o voto contra do PCP no Parlamento Europeu. Veja-se o vídeo:
https://cnnportugal.iol.pt/guerra/ucrania-pcp-foi-corajoso-ao-votar-contra-a-condenacao-da-russia-destaca-joao-ferreira/20270331/621e90c80cf21847f0ae7526.

Veja-se, e medite-se, nas verdadeiras razões do sentido de voto comunista, contra uma resolução que deita lenha na fogueira e impulsiona o militarismo europeu.

Em vez da desescalada militar, do imperativo cessar-fogo, da salvaguarda das populações e dos equipamentos sociais, da sinalização de um apaziguamento, do acionamento urgente dos canais diplomáticos, da intermediação internacional credível, da negociação, das cedências recíprocas, da retirada de tropas agressoras, externas e internas (no Donbass), da resolução pacífica do conflito.

Veja-se, em particular, dos 7:11 aos 8:42, como é infame, além de ridículo, afirmar-se que o PCP não condena a invasão, ou até que se recusa a empregar essa palavra.

TINA's Nemesis disse...

Ed, a população portuguesa foi alvo de intensa propaganda antes das eleições legislativas de 2011 e depois dessas eleições, o objectivo da propaganda foi fazer acreditar ao povo que andou a ser malandro (andaram a viver acima das possibilidades) e que Portugal estava na bancarrota (não estava!!!), isto para impingir o famigerado "resgate"!

A comunicação social tornou-se uma inequívoca arma da classe dominante contra a maioria da população há anos!

Como é que saímos disto?

Anónimo disse...

O jornal "Público" que foi uma referência durante anos,perdeu toda a credibilidade,tornou-se numa "folha" de propaganda.

Anónimo disse...

Manuel Carvalho escreveu um editorial a defender o pobre Cabrita que era apenas um passageiro num carro que matou um homem em excesso de velocidade. Um exemplo. É um assalariado do poder.