terça-feira, 15 de março de 2022

A torrefação da oligarquia portuguesa


O semanário NOVO, cujo lema é "original e livre", sugeriu-me, em apenas uma tarde, dois artigos de colunistas do CH. Impressionante, mas não surpreendente.

O Novo é apenas um de muitos projetos editoriais semelhantes, instrumentais para moldar o espaço mediático português. Para fins analíticos, podem a ele juntar-se o Observador, o SOL ou o I. Em comum têm serem projetos editoriais sem qualquer propósito de lucro económico para para quem neles investe. São verdadeiras máquinas de torrar dinheiro, onde a oligarquia portuguesa investe para suscitar uma ambiência política que lhe seja favorável.

Para lá da simples torrefação de dinheiro, estão os grandes grupos de comunicação. Têm maior viabilidade económica, mas amiúde à custa da precarização as relações laborais dos seus jornalistas ao mesmo tempo que remuneram sumptuosamente editores que garantem a linha editorial conveniente a quem paga. Também estes espaços passaram por processos de recomposição de propriedade nos últimos anos. Destaca-se a aquisição da Global Media por Marco Galinha, o novo e misterioso mega capitalista português cujas estranhas ligações foram recentemente denunciadas por Mariana Mortágua, e a aquisição da Media Capital por Mário Ferreira, empresário proprietário da Douro Azul, empresa sobejamente reconhecida pelas suas relações laborais abusivas.

Embora os projetos editorias dentro desses grupos económicos sejam em geral mais sólidos, com bolsas de resistência nas redações à interferência dos acionistas, a verdade é que a deterioração editorial e a permeabilidade ao poder económico começa a ser evidente. A mais recente vendetta de Marco Galinha em relação a Mariana Mortágua, através do editorial da vice-diretora do DN e da primeira página do Tal e Qual, são disso uma irrefutável manifestação. Assim como ninguém ignora o estilo sensacionalista e neo-conservador da CNN Portugal.

Na comunicação social portuguesa, o clima é de verdadeira asfixia democrática. Entre a simples torra de dinheiro e a manobra política dos grandes grupos de comunicação, a pluralidade no espaço público está agonizante, com tendência a morrer.

E, com suprema desfaçatez, há ainda quem observe este cenário distópico e diga que a comunicação social está tomada pela esquerda.

Repensar o financiamento da comunicação social em Portugal tem de ser uma grande reforma estrutural da nossa democracia.

3 comentários:

Paulo Cunha disse...

Mas .. não era a Mortágua que recebia da comunicação social dinheiro quando não podia?
Então e essa comunicação social?
Perseguida?
Pagavam lhe...
Aí o ódio político. Esse fundamentalismo.

Lúcio Ferro disse...

O problema é como regularizar/repensar esse financiamento, haverá logo quem venha dizer que gasta o dinheiro onde muito bem lhe apetece e qualquer governo que se atrevesse a ir por esse caminho seria alvo de uma barragem mediática, que rapidamente forçaria esse hipotético governo a meter a viola no saco. A propósito, recordo que o CM, ainda há poucos anos, recebeu um perdão fiscal gigante, sem que ninguém tivesse piado. Recordo também que quem quer que se atreva a denunciar ou tão só a levantar a ponta do véu da podridão dos media é por estes imediatamente cilindrado. Muito complicado, os media são hoje talvez o mais importante dos meios de produção do capital (porque produzem ideologia, porque controlam o pensamento) e, como sabemos, o controlo dos meios de produção é essencial para o controlo do trabalho, dos 'cidadãos' comuns, por parte da oligarquia financeira.

Jose disse...

O legítimo direito de defesa do capital. Um incómodo!