terça-feira, 23 de março de 2021

Querido diário - Não havia necessidade...


Há cerca de nove anos, os sindicatos filiados na CGTP decretaram a oitava greve geral.

O país estava a ir-se pelo cano. O emprego estava em queda e havia já um milhão de portugueses no desemprego oficial (19% da população activa), sendo que o número efectivo de desempregados atingiu nessa altura cerca de 1,5 milhões. As receitas fiscais caíam a pique degradando ainda mais os planos previstos para a consolidação das contas públicas. E o Governo planeava então um pacote laboral que viria a aprovar em Agosto de 2012 (e que se mantém ainda hoje na quase totalidade). 

Pois, perante essa realidade, a direita é capaz de produzir os mais estranhos julgamentos políticos, ainda por cima totalmente erróneos, como é o caso da afirmação feita por Jaime Nogueira Pinto, assinalada com um círculo. Na sua opinião, apesar do nível desmesuradamente explosivo de desemprego e aflição, não havia motivos para uma greve geral:

"Não me parece que num tempo em que de facto não há nada para ninguém faça muito sentido uma greve geral", disse ele

A direita tende sempre a amalgamar tudo para que se esqueça o carácter de classe das suas políticas de austeridade. Esquece-se que as políticas aprovadas não eram dirigidas "a todos", mas pesavam sobremaneira nas pessoas de mais baixos rendimentos (por isso a pobreza - e a pobreza laboral - se agravou nessa altura), e eram sobretudo direccionadas para os trabalhadores. Fosse do sector público - com cortes nos vencimentos e provocando uma depuração no sevriço público - quer no sector privado, em que se quis provocar uma transferência de rendimento dos trabalhadores para as empresas. Supostamente porque os empresários são pessoas que sabem melhor gerir os rendimentos... dos trabalhadores.

Foram os trabalhadores que perderam feriados e foram obrigados a trabalhar nesses dias. Forem eles que sendo obrigados a trabalhar nesse dias passaram a receber metade do que recebiam antes. Foram eles que trabalhando aos domingos passaram mesmo a receber menos do que num dia normal. Foram eles que viram cortadas a metade as remunerações por trabalho suplementar. Foram eles que viram eliminado o descanso após trabalho suplementar, vendo-se obrigados a trabalhar nesse período  de descanso. Foram eles que viram os seus horários e os limites impostos há um século à jornada de trabalho (8 horas) a serem desarticulados com os bancos de horas. Foram eles que viram cortadas em dois terços as compensações por despedimento. Foram eles que viram cortado a metade a duração do subsídio de desemprego e o seu montante. Foram eles que viram as portarias de extensão ser enfiadas na gaveta como forma impedir que contratos colectivos - em maré de ser caducados desde 2003 - ainda exercessem alguma cobertura em empresas. Foram eles que se viram a ser contratados com formas cada vez mais difusas de contrato de trabalho (mascarados de contratos de prestações de serviços, para que fossem chamados agora, não de trabalhadores, mas de colaboradores), firmados por sucessivas entidades e afastando-se cada vez mais o "dono da obra" da responsabilização pelo trabalhador contratado e criando-se unma cascata de subcomissões de intermediação que delapida a retribuição salarial. Foram eles que viram os governos dar cada vez mais relevo às agências de trabalho temporário, a ponto de a renovação dos contratos de trabalho dito temporário puderem ser feitas durante... 6 anos! Foram eles que viram os contratos a prazo - que por lei servem para cobrir picois de actividade - puderem ser renovados por três anos, alegando-se que era melhor isso do que estar no desemprego. Etc., etc. E para culminar o "enorme aumento de impostos" em IRS em 2013 - um IRS que, como se sabe, é sobretudo pago por salários e pensões - em vez dos cortes de despesa pública em funcionalismo não autorizados pelo Tribunal Constitutucional e por "vingança" da recusa popular em aceitar o aumento da TSU dos trabalhadores como forma directa de financiar as empresas. 

Em compensação, foram os mais endinheirados que o Governo Passos Coelho achou por bem, em 2012, dar meios para branquear dinheiros fraudulentamente saídos do país. Fê-lo pela mão do secretário de Estado do CDS Paulo Núncio, através do chamado regime excepcional de regularização tributária em que, tal como já tinha acontecido nos governos Sócrates (em 2005 e 2010) se regularizava os dinheiros fraudulentamente saídos do país, mediante uma pequena comissão, sem necessidade de repatriação dos capitais, protegendo-os de qualquer acusação pelo Ministério Público e sem que vissem o seu IRS corrigido pelo acréscimo de rendimento declarado! Em 2012, "branqueou-se" mais de 3,5 mil milhões de euros!

Não, não houve qualquer política de classe com Governo Passos Coelho.  

12 comentários:

Anónimo disse...

Viva a democracia, os cidadãos decidiram de forma consciente e informada que se devia aumentar a desigualdade neste país, a mobilização colectiva em nome de um valor maior é sempre um sinal de vitalidade e de bom senso. Obrigado João Ramos de Almeida por nos relembrar destes momentos tão edificantes que são na verdade um pedaço da nossa história, viva os portugueses e viva Portugal.

João Ramos de Almeida disse...

Caro anónimo,

Está equivocado. Toda a campanha eleitoral foi feita negando todo o programa que iria ser feito, apesar de ser conhecido o Memorando de Entendimento com a troica. Veja aqui:

https://www.psd.pt/pt/programas-do-partido-e-programas-eleitorais

Aumento da receita fiscal: "Em relação ao aumento das receitas fiscais, o esforço será feito sem aumento de impostos, baseando-se na melhoria da eficácia da administração fiscal, do combate à economia informal e à fraude e evasão fiscal, o que permitirá um alargamento da base tributável."

Desdução da ddespesa:

"Eliminação de estruturas sobrepostas entre o SPA e o “Novo Estado Paralelo”, reduzindo o número de organismos e entidades (ver Pilar 3);
• Reduzir os consumos intermédios (aquisição de bens e serviços em contabilidade pública), através de cortes transversais e de medidas específicas de poupança, nomeadamente a centralização das compras e uma maior utilização de serviços partilhados (ver Pilar 3);
• Fixação de um tecto em termos nominais (com referência a uma base credível de 2011), sem prejuízo de uma melhor distribuição dessa verba global, incentivando uma maior produtividade (ver Pilar 3);
• Enquanto houver congelamento da massa salarial da função pública e de prestações sociais, discriminar positivamente os grupos sociais mais desfavorecidos, nomeadamente os pensionistas com pensões mais baixas e classes com mais baixos rendimentos, de forma a que o seu rendimento disponível não seja reduzido, distribuindo a despesa de forma mais equitativa e eficiente (ver Pilar 4);"

Vê alguma coisa dop que aconteceu depois?
Tenha, pois, alguma atenção a afirmações entusiásticas...

João Ramos de Almeida disse...

E posso continuar:

"Melhoria da eficiência do SNS, garantindo que todos os cidadãos têm acesso aos cuidados de saúde, independentemente da sua condição económico-financeira, conforme os princípios definidos, através de uma mais eficiente gestão e combate ao desperdício (ver Pilar 4);
• Redução do nível de despesa com subsídios, transferências e indemnizações compensatórias ao Sector Empresarial do Estado, através de uma mais eficiente gestão das empresas deficitárias e de privatizações (ver Pilar 3);"

Viu-se o que aconteceu ao SNS, com uma emigração histórica de enfermeiros e médicos, corrte de verbas, desarticulação de serviços.

"* A austeridade deverá ter presente os objectivos de minorar os impactos negativos, a curto prazo, sobre o crescimento, o emprego e sobre a coesão social;
• A austeridade não deverá afectar o rendimento real disponível dos grupos mais desfavorecidos da nossa sociedade (nomeadamente pensionistas), ao contrário do previsto no PEC 4."

Tudo ao contrário!

"Estas medidas devem, ainda, satisfazer os seguintes critérios:
• Devem ser socialmente equilibradas;
• Não devem afectar o rendimento real disponível das classes de menores
rendimentos, nomeadamente dos pensionistas com baixas pensões;"

É de gargalhada se não fosse trágico!

E sobre o mercado de trabalho?

"Assim, as medidas visam atingir os seguintes objectivos, a discutir com os parceiros sociais num “Pacto para uma Nova Competitividade”:
• Modernizar o mercado de trabalho e as relações laborais, permitindo uma maior criação de emprego e uma redução estrutural do desemprego;
• Dotar as empresas de instrumentos de resposta a situações de crise e condições para o aumento da produtividade e competitividade;
• Assegurar que a política normal de rendimentos deve respeitar o princípio geral de que, a nível global da economia, os custos do trabalho deverão evoluir com a produtividade geral da economia."

Só alguém muito mal intencionado omitiria todas as ideias que já se preparavam e que foram, apresentadas em 2012!

Trabalho suplementar:
"Trabalho suplementar – alinhar com práticas internacionais de países de referência, adequando a compensação às necessidades da empresa e do trabalhador, por uma das seguintes formas (e não como actualmente com dupla compensação): concessão de tempo equivalente (ou majorado) de descanso (com um limite máximo anual) ou férias; por remuneração suplementar."

O que aconteceu? Cortou-se a metade. Bem podiam ter avisado...

Subsídio de desemprego?

"* Redução do tempo necessário para o acesso ao subsídio de desemprego;
• Reestruturação do modelo actual, com vista ao estímulo ao regresso ao mercado
de emprego."

Estímulo ao regresso ao mercado?!! É dessa forma que querem dizer cortar a metade a duração do subsídio e corta no seu montante! Podiam ter avisado?!

Podia estar aqui o dia todo!
Como vê, o PSD e os seus dirigentes - incluindo Carlos Moedas, que esteve envolvido na elaboração do programa - falcatruaram as eleições, mentiram ao eleitorado, ao arredondar propositadamente aquilo que já tinham em mente...

TINA's Nemesis disse...

Afirmar que a população votou como votou porque estava informada ou é muita ignorância ou é má-fé.

Qualquer pessoa que presta mínima atenção sabe perfeitamente que Passos Coelho mentiu colossalmente.

A própria "bancarrota" foi uma mentira colossal perpetrada pelo governo pafista, comunicação social, BCE, Comissão Europeia e FMI.

Uma população informada das verdadeiras e pérfidas intenções dos bandidos do "não há alternativa" teria rejeitado o programa austeritário.
E foi isso que os gregos fizeram no referendo de 2015, como sentiram na carne os efeitos da euro-austeridade disseram não a mais da mesma, claro, como toda gente sabe referendos e democracia não são bem vistos em Bruxelas, foi mais um referendo invalidado desta vez pelo farsante Tsipras.

Uma pessoa informada sabe que o BCE e os restantes "europeístas" inventaram a crise das "dívidas soberanas" para depois justificar ainda mais poder para eles próprios. Querem ter o super-estado europeu, não o terão, mas as populações europeias, especialmente as do sul, tem que sofrer até que as ambições imperialistas das oligarquias europeias sejam derrotadas.

Anónimo disse...

Caro João Ramos de Almeida,
Aquilo que aconteceu no nosso país, entre os anos de 2011 e 2015 foi uma tragédia e uma catástrofe. O próprio dia em que Passos Coelho tomou posse quase coincidiu com os 70 anos da operação «Barbarossa» (uma má coincidência para nós, mas boa para gente como André Ventura & seus sócios).
O que se seguiu foi uma tirania, com um presidente, um primeiro-ministro, um governo e uma presidente da assembleia da república, todos da mesma cor política e mentalidade retrógrada, a fazer lembrar outros tempos obscuros da nossa história.

Sim, convém lembrar esses tempos e reter todo o mal que fizeram.
O problema, é que eles - e quando digo eles, digo a direita - não têm memória. A maneira mais fácil de sair de todo o mal que fizeram, é mentir e continuar a mentir. São descarados no modo como fazem de conta que nada aconteceu de grave. São também ofensivos e cretinos. Daí que devemos combatê-los e evitá-los quando fingem ser democratas.
Os seus diários são ótimos para aqueles que cultivam outro espírito que é aquele que devemos procurar conquistar neste país, mesmo se levar muitos anos.

Um abraço e bom trabalho.
JN

Anónimo disse...

Ás vezes a ironia passa mal mas neste caso ainda bem que assim foi porque deixou mais uma vez de forma absolutamente clara que estes governos não têm nada de sério nem de verdade, são uma fraude, a democracia ou o direito democrático nunca poderão estar salvaguardados numa realidade abjecta, e a gente que defende este tipo de regimes não tem qualquer intenção de fazer de Portugal um país decente.

Anónimo disse...

João Ramos de Almeida deveria escrever um livro sobre este triste episódio que aconteceu no nosso país.
Mesmo aqueles que votaram em Passos Coelho, assim que ele mentiu e começou a governar em austeridade, abstiveram-se de o defender. Muitos disseram nunca ter votado em Passos Coelho.

Por mais estranho que pareça, os mesmos farsantes saíram ilesos e sem culpas no cartório. O ex-ministro Pedro Mota Soares nunca foi investigado pelo que se passou na Segurança Social.
Foram inúmeras as irregularidades, como o caso do administrador que recebeu salários a que não tinha direito.
Na fotografia que a seguir junto a este comentário, podemos vir a distinta camarilha de incompetentes e irresponsáveis na missa de D. Manuel Clemente e note-se o modo contraído, como rezam Paulo Portas e Pedro Mota Soares (nem de todos os pecados são absolvidos):

https://expresso.pt/sociedade/governo-na-primeira-missa-do-novo-patriarca-de-lisboa=f818843



Jose disse...

As 'memórias' do governo de PPC é o exercício favorito dos geringonços desde que a ambição do Costa os pariu.
Montaram-se em tudo que ele fez de medidas conjunturais e abandonaram o que pudesse assemelhar-se a projecto estruturante com sinal de futuro.
As reversões de tudo que travasse o consumo que rende impostos, por um lado, e roda livre ao repovoamento da esfera do Estado de que a TAP é o mais imbecil exemplo.

João Ramos de Almeida disse...

Caro José,

Está totalmente equivocado. Não há nada de mais "estruturante" do que empobrecer quem trabalha.

Se acha que se trata apenas de - conjunturalmente - baixar salários para corrigir o défice externo é porque a sua visão fechada o impede de ver que esse tipo de medidas - e foram várias no mesmo sentido, como se pode ler neste post - acabam por nos enclausurar num tipo de produção de baixo valor acrescentado, afinal aquele que o centro da Europa nos deixou quando uma classe política dp PSD e PS, capturada por neoliberalismo que salvaguarda sobretudo os interesses externos - aceitou uma moeda sobrevalorizada e todo um edifício institucional que nos bloqueia o desenvolvimento.

Jose disse...

Caro João,
Recomendo-lhe que reflita seriamente sobre quais os factores que levam a que se possa atingir um significativo valor acrescentado, e centre a sua atenção em actividades que criam emprego.
Vai verificar que ao acréscimo do valor acrescentado normalmente corresponde diminuição de emprego e acréscimo de tecnologia/capital.
E para que se dispense de mais complexas análises note tão só que a afamada recuperação de emprego pós-PPC se centrou na faixa dos baixos salários: lojas/lojinhas, tascos/tasquinhas.

Anónimo disse...

Este é o mesmo «Jose» que sobre o 25 de Abril escreveu o seguinte: ««O 25A opôs-se ao que vinha sendo uma acção política medíocre, hesitante, incapaz de anunciar um futuro para o país.
Foi uma festa porque se celebrou um futuro que se adivinhava, não porque se libertava dos horrores que propagandeiam os que por esse meio buscam legitimar-se pelo seu passado e não pelas suas acções no presente.
Agora, que há anos se vive numa confrangedora mediocridade que sempre anuncia um futuro de ameaças, que paralelo existe entre a festa de 1974 e a mascarada de 2020?
Nenhum!
Onde havia festa há melancolia, onde havia fé há descrença, onde se adivinhava grandeza há mediocridade em dose que então seria inimaginável.»

Ao publicar os comentários de «Jose» no seu blog, está a dar espaço de manobra e provocação a um fascista.

Cuidado com este «Jose», pois aqui serve-se da democracia. Numa ditadura, está próximo de um carrasco e será o primeiro a oprimir.

Anónimo disse...

«As 'memórias' do governo de PPC é o exercício favorito dos geringonços desde que a ambição do Costa os pariu.»

Comentário rasca de um fascista e amigo do exército hitleriano, tal como está fundamentado nas caixas de comentários do blog «Manifesto 74». O descaro deste comentador «Jose» é colossal.

Haverá hipótese de «Ladrões de Bicicletas» suprimir este descaro?