segunda-feira, 15 de março de 2021

Candidato feio do desemprego empobrecido

No post anterior do João Rodrigues, chama-se a atenção para o facto de os programas económicos dos  partidos herdeiros do PSD de Passos Coelho se assemelharem e servirem os mesmos interesses. E assim é. 

Poder-se-á até discorrer sobre  o interesse de quem os financia, ao apoiar dois partidos com um programa semelhante, em que um é mais caceteiro, popular, e o outro civilizado

Mas isso fica para outro dia. Hoje gostaria de chamar mais a atenção para os diversos pais destes novos herdeiros. Carlos Moedas foi entrevistado pela RTP e disse estar tranquilo com o trabalho feito pelo Governo em que foi um secretário de Estado adjunto de Passos Coelho, no centro da definição da política então seguida. Dado que hoje é 15 de Março, não quero deixar passar a efeméride sem uma referência. 

Há 8 anos, até a troica já reconhecia que a receita da austeridade - que o Governo PSD/CDS abraçara militante - fora excessiva. O desemprego explodira para níveis que mesmo um liberal (ex-neoliberal) considera um pouco exagerado. E por isso, os seus mentores internacionais começaram a aliviar a dose a aplicar. O Governo foi autorizado a realizar cortes permanentes na despesa púiblica até ao final de 2015 e flexibilizou-se as metas orçamentais para 2013.

Mas apesar disso, apesar do nível demasiado elevado de desemprego, houve uma coisa que se manteve no cardápio das receitas prescritas e que não foi alterada - a redução das compensações por despedimento. Antes do mandato do Governo Passos Coelho, as compensações eram de 30 dias de salário por cada ano de casa, no final ficaram... em 12 dias por cada ano de casa

Nesse mesmo dia em que a troika aceitou aliviar Portugal da ineficácia da austeridade, aprovou um corte substancial nas compensaçõres por despedimento. E Carlos Moedas lá estava na fotografia.



Será que esta foi também uma daquelas medidas de que discordou? Não parece. 

Isto porque a ideia de cortar nas compensações tem um racional simples, embora erróneo.

 

Se os custos empresariais com o desemprego se tornam mais baratos, então as empresas - face a qualquer conjuntura - podem ajustar o seu nível de emprego mais facilmente e, com isso, tornar-se mais resilientes e competitivas. 

O único senão é que os trabalhadores não são peças descartáveis. Para mal dos pecados do pensamento liberal (ex-neoliberal), os trabalhadores comem e bebem, vivem, fazem parte da sociedade, são mesmo o seu sangue e o seu sistema nervoso. E quando se facilita os despedimentos, quando se liberta alguém do seu emprego e se atira alguém para o desemprego e ainda por cima com menos recursos do que era previsto - e até com menos subsídio de desemprego, como aconteceu também (a duração do subsídio passou para metade e reduziu-se em 10% o seu montante ao final de seis meses) - isso destrói vidas. 

Faz-se com que o trabalhador volte ao mercado de trabalho aceitando um salário mais baixo do que aquele que antes tinha, eventualmente para funções menos qualificadas. Ele regressa mais humilhado e cabisbaixo, depremido. Quanto às empresas, é possível que se esteja a ajudá-las no curto prazo dando-se-lhes mais liquidez, mas a prazo cria-se um problema, ao cavar-se um buraco no rendimento de outras empresas. 

Ou seja, ao libertar-se o trabalhador do seu emprego, transforma-se essa libertação numa maior cadeia presa aos seus pés e nos pés de outros trabalhadores. As empresas ficam mais dependentes de um mercado mais reduzido, com menos facturação e, a prazo, com menos lucros, com menos capacidade de recuperar quando a conjuntura se alterar. Ao sapar-se a segurança no emprego, torna-se mais frágil ainda a resiliência da sociedade. 

Pior: para reduzir ainda mais os atritos institucionais à auto-regulação pelo mercado (para seguir os conceitos liberais, ex-neoliberais), partiu-se em 2003 (Governo PSD/CDS) e 2009 (Governo PS com apoio do PSD e CDS) a segurança no emprego ao fazer-se caducar as convenções colectivas. Em Março de 2012, já havia cada vez mais menos trabalhadores abrangidos pela contratação colectiva, destruindo os obstáculos a uma mais acentuada redução salarial. E a situação iria ainda degradar-se muito mais depois de 2012. 


Carlos Moedas pode apresentar-se hoje como não sendo um candidato da troica. E é verdade. Porque aquilo que foi feito no seu mandato, fez-se deliberadamente, em nome da competitividade das empresas e pensando nos trabalhadores como necessária variável de ajustamento. Era mais sério da sua parte que ou assumisse tudo o que foi feito ou que viesse hoje dizer que estava equivocado e que o seu programa apenas criou destruição sem resolver qualquer problema estrutural que, aliás, perduram e se acentuaram ainda mais. Agora, distanciar-se parece apenas... feio.   


 

13 comentários:

Jose disse...

O ridículo das compensações por despedimento!
1 - Se o despedimento é com justa causa, não há indemnizações a pagar.
O acesso ao subsídio de desemprego não sei como agora funciona neste caso; houve tempo de não direito, pelo que sempre o trabalhador arguia a ausência de justa causa para obter o subsídio e negociar indemnização.
2 - Na ausência de justa causa, o despedimento é ilegal e há lugar a reintegração e reposição de salários. Aí o patrão remete-se para a modalidade 1, e cabe-lhe a fita de negociar indemnização procurando que o trabalhador mantenha os subsídios.
3 - Há outra causa legal admissível, sem configurar causa imputável ao trabalhador; funciona a cena das indemnização mais subsídio de desemprego.

Tudo considerado sempre há despesas e indemnização excepto:
a) emprego para a vida
b) o trabalhador rescinde livremente o contrato
b) há reconhecimento de justa causa, o que na prática significa que o trabalhador rescinde o contrato ou já tem alternativa e não quer nada com subsídios, sindicatos e tribunais.
Eis no que se traduz 'a posição do mais fraco' do trabalhador.

Tudo considerado, a criação de um posto de trabalho é condição perfeita para que as empresas criem provisões para cobertura do risco assumido, diminuindo o lucro tributável e acrescendo-o em final de contrato sem compensações, mas... as Finanças não gostam da ideia.

Em resumo as empresas contribuem para os custos do desemprego, têm que montar esquemas de judicialização apurada ou penar em indemnizações, e sempre são penalizadas (ou os credores que não o Estado) se falham em criar empregos prá vida.


João Ramos de Almeida disse...

Caro José,
Parece-me demasiada palavra para justificar o injustificável: as compensações por despedimento foram cortadas para um terço do que eram. O subsídio de desemprego foi cortado a metade (na sua duração) e mesmo no seu montante (tanto no seu valor máximo, como deixando de ter mínimos e ainda por cima cortando-o ao fim de 6 meses).

Se isso não tem importãncia, porque foram aprovadas essas alterações a esses direitos? Se tem importância, por que razão se prende com rodriguinhos?

Não sei se percebi bem o seu ponto. Mas se há tantas situações em que é possível não pagar compensação por despedimento e é assim tão dificil despedir, como foi possível ter 1,4 milhões de desempregados oficiais entre 2012 e 2013, sem que tenha sido por despedimento colectivo? E mais: em que a maioria ou grande parte nem tinha direito a subsídio de desemprego? Acha que, nesse período, o desemprego foi sobretudo voluntário? Acha que na generalidade dos casos, o desemprego é voluntário?

Finalmente, "as empresas" não são entidades que vivam fora da sociedade. Têm responsabilidades sociais acrescidas no seu funcionamento e sanidade. Por isso, contribuem - e devem contribuir - para pagar o desemprego e devem pagar quando querem despedir. Na realidade há empresas que falham a esse dever e por isso foi criado um Fundo de Compensação do Trabalho. Mais: as empresas devem ser desincentivadas a despedir porque o emprego é algo muito mais importante do que 8 horas de trabalho diárias. É um elemento essencial da sociabilidade e até do bem-estar dos cidadãos e do seu comportamento político. Pensar apenas "nas empresas" é ter uma visão bem curta do que é uma sociedade.

Se as empresas procurassem efectivamente ter "empregos para a vida" e não a maximização do lucro de curto prazo ou a minimização do risco, a sociedade seria um local bem mais agradável do que é hoje. E nem teria o José de estar sempre a criticar a intervenção do Estado que tanto abomina.

Anónimo disse...

Mudar algo para que tudo fique na mesma. O PS não tem qualquer intenção de alterar o desequilíbrio de forças até porque não defende a igualdade nem a justiça, o PS e o PSD são na actualidade partidos pós democráticos que servem de porta giratória para a efetivação do poder instituído. Uma parte significativa dos eleitores estão convencidos que democracia é a ditadura de uma maioria.

Jose disse...

Não percebeu o meu ponto.
Dificilmente não há indemnizações a pagar, e quanto mais difícil for despedir e quanto maiores forem as indemnizações mais precaridade de emprego ou mais judicialização da relação de trabalho.
Esta farsa justicialista de protecção dos coitadinhos por completo adultera a ética que haveria de ser associada à relação de trabalho: seja na precaridade como meio de defesa e exploração, seja no uso desavergonhado de subsídios de desemprego e de benefícios não proporcionais ao tempo de trabalho, seja na trágica situação de que os melhores trabalhadores não possam ter acesso às melhores empresas, com os melhores salários.

A mediocridade confrangedora da 'doutrina dos coitadinhos' tudo isso promove!

E o Estado legislador tudo promove para ocultar a sua total incapacidade de enunciar uma ética e de garantir uma assistência social que a exija e garanta.

Jose disse...

«Se as empresas procurassem efectivamente ter "empregos para a vida"...»
A viabilidade do modelo pode aferi-la pelo número de cooperativas de produção existentes e a evolução do saldo entre as criadas e extintas em cada ano.

João Ramos de Almeida disse...

Caro José,

Acho que o José é que ainda não percebeu o seu próprio ponto. Mas congratulo-me que tenha assumido tão desportivamente o papel da desigualdade social no "progresso" das sociedades.

As suas ideias têm vigorado há décadas e ainda vigoram. São aliás dominantes em Portugal. E no entanto, a prosperidade prometida é uma miragem. Pelo menos para quem trabalha vendendo o seu trabalho. as desigualdades têm se ampliado. A precariedade é cada vez mais precária porque as empresas beneficiárias se desresponsabilizam da relação contratual. Transferem custos para o trabalhador e para o Estado. Querem ser livres de responsabilidades para tudo lucrar. E no entanto e apesar disso, tudo está cada vez pior. Pelo menos para quem trabalha. E há-de vir dizer - eu pressinto-o - que vivemos em socialismo.

Parabéns.

Jose disse...

«que tenha assumido tão desportivamente o papel da desigualdade social no "progresso" das sociedades»

Caro João
O desporto não dá suporte a um tal papel.

Esse papel vem sendo desempenhado ao longo dos anos em que os paridos de Eva habitam a Terra, e a última contagem vai, salvo estar desactualizado, vai em 120 mil anos.

Jose disse...

«E há-de vir dizer - eu pressinto-o - que vivemos em socialismo.»

Sempre diria tratar-se de uma caricatura. Desconchavada e sem propósito visível.

Anónimo disse...

«Esta farsa justicialista de protecção dos coitadinhos por completo adultera a ética que haveria de ser associada à relação de trabalho...»

Um dos pontos da agenda do «Chega» de André Ventura.

Anónimo disse...

Seria ótimo que o dito «Jose» ou «JgMenos» reconhecesse que aqui, em «Ladrões de Bicicletas» tem um espaço livre e democrático, onde pode debater ideias e até escrever os seus comentários as vezes que quiser.

Infelizmente, se o mundo que «Jose» ou «JgMenos» defende ganhasse espaço, este blog não seria possível.

Jose disse...

O das 15.05 tem dois pressupostos errados,
- 'Escrever as vezes que quiser' não significa 'ser publicado as vezes que escrever'.
- O proibir só traduz medo de debater, e não é a mim que tal medo atinge.

e uma presunção que nega,
- Moderar pressupõe o direito de resposta proporcionada, não exigir flores para porcos.

João Ramos de Almeida disse...

Caro José,

É verdade que há uma moderação dos posts dos leitores. Há posts que, pelo seu "contributo" pouco elevado para a discussão, fazem os administradores pensar algumas vezes se querem baixar a média do debate. E acabam por os afastar. Depois, há casos - como o José - que inunda a caixa de comentários com opiniões que poderiam estar num único post. Essa técnica de debate é igualmente desaconselhada pelos administradores. Cria mais ruído do que debate. Ninguém fala aos solavancos, ninguém participa num blog para destruir apenas o que é dito. Se isso acontece, os administradores actuam. Mas pelos vistos, até este post do caro José passou no "crivo"...

Portanto, para a próxima, tenha mais atenção ao seu próximo e não se queixe de barriga cheia :-)

Anónimo disse...

É muito ao rico ao «Jose» usar a expressão «flores para porcos».

Este é o mesmo «Jose» que difamou Lúcia Gomes do «Manifesto 74» e que defendeu os carrascos da PIDE.

É interessante ver como um fascista atua em democracia, sempre pedindo e implorando por atenção.