quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Da representação democrática (III)

É hoje amplamente reconhecida a existência de problemas de proporcionalidade (e portanto de representação democrática), no atual sistema de círculos eleitorais de base distrital. Com efeito, na ausência de um «círculo nacional de compensação», é muito significativo o volume de votos que acabam por não ser tidos em conta para o apuramento da distribuição de assentos na Assembleia da República.

Nas Legislativas de 2015, por exemplo, a soma da votação - em cada círculo eleitoral - em partidos que não elegem deputados traduz-se, à escala do continente, num valor próximo de 10% do total de votos expressos (cerca de 470 mil votos num total de 5 milhões, excluindo brancos e nulos). Isto é, o contributo de 1 em cada 10 eleitores do continente não conta para a eleição de deputados, num quadro de discrepâncias muito significativas entre os dezoito distritos.


É manifesta, de facto, a tendência para um menor «desperdício» de opções de voto nos maiores círculos eleitorais (onde os partidos mais pequenos têm mais possibilidade de eleger), face aos círculos de menor dimensão (onde essa possibilidade claramente diminui). Nos casos de Portalegre e Castelo Branco, por exemplo, situa-se acima de 22,5% a proporção de votos em partidos que não elegem nenhum deputado (27% e 23%, respetivamente), sendo igualmente significativo (acima de 15%) o «desperdício» registado nos distritos de Viana do Castelo, Viseu, Guarda e Beja. Em sentido inverso, ou seja, com menor percentagem de votação em partidos que não elegem deputados no círculo, surgem os casos de Lisboa, Santarém, Porto e Braga (com valores abaixo de 7,5% e a oscilar entre 6 e 7%).

Os enviesamentos que decorrem da inexistência de um «círculo nacional de compensação» não se restringem à questão das diferenciações regionais. Com efeito, a soma de votos «desperdiçados» em todos os distritos (isto é, das votações em partidos que não elegem, por círculo, nenhum deputado), apontam para perdas relevantes em alguns casos. Nos partidos com representação parlamentar, essas perdas são de 13 e 18% para o BE e o PCP-PEV, e de 68% para o PAN. E no caso de partidos sem representação parlamentar, as perdas do PDR e PCTP/MRPP situam-se em valores acima dos 10% do total de votos «desperdiçados» (ou seja, em partidos que não elegem, por círculo eleitoral).

No debate sobre a introdução de alterações ao atual sistema eleitoral, a criação de um «círculo nacional de compensação» (ou, pelo menos, a revisão das delimitações dos atuais círculos distritais) é hoje muito mais premente e relevante que a criação de círculos uninominais (e que suscita, além disso, outro tipo de problemas).

1 comentário:

Victor disse...

Não se compreende a razão pela qual os círculos eleitorais continuam a corresponder aos distritos quando este deixaram de ser divisões administrativas. Obviamente que a instituição de um único círculo nacional é a única forma de os eleitores votaram de acordo com a sua preferência em vez de muitos deles terem em conta a correlação de forças em distritos em que só há dois ou três partidos a eleger deputados. Como referes, a 2.ª melhor opção é haver um círculo nacional de compensação que eleja um n.º de deputados suscetível de restabelecer a proporcionalidade dos votos. Esta segunda opção implica a revisão dos limites dos atuais círculos eleitorais porque, para criar o círculo de compensação, terá de se diminuir o n.º de deputados a eleger nos restantes círculos. Ora, se já há círculos a eleger apenas dois e três deputados, com a criação do círculo de compensação, se os limites dos círculos atuais não fossem revistos, poderia haver círculos a eleger apenas um deputado.
Só através de uma destas soluções é que se resolve a crise de representatividade e se aproxima os eleitores dos eleitos.
Enquanto os dois maiores partidos insistirem em que no pasa nada, fazendo de conta que a situação atual não constitui qualquer problema, continuares a assistir a um aumento da abstenção e a muita gente não se sentir representada.
Nuno, não dá para nesta terceira publicação sobre este tema incluir as ligações para as duas anteriores? É que se perde bastante tempo para as encontrar e isso acaba por "desmotivar" os leitores.
Abraço.