segunda-feira, 16 de setembro de 2019

A Amazónia continua a arder

As notícias foram-se tornando cada vez mais escassas, mas a Amazónia não parou de arder. Poderá continuar a dizer-se que estamos na «época de fogos» (84% da área ardida anual concentra-se, em média, entre julho e dezembro), mas os dados não deixam de reforçar para a hipótese, cada vez mais consistente, de estar em curso uma inversão da tendência de declínio dos valores de desflorestação e área ardida, registada nos últimos anos.


De facto, é preciso recuar até 2008 para encontrar níveis de desmatamento acima dos 10,2 mil Km2 estimados para 2019 (sendo a média dos anos intermédios é de 6,5 mil Km2), e até 2010 para obter um número de focos de incêndio superior aos 48 mil registados até agosto (com a média homóloga dos anos intermédios a rondar os 28 mil). Em termos de área ardida, por sua vez, é preciso recuar até 2005 para encontrar valores acima dos 58 mil Km2 registados entre janeiro a agosto de 2019, situando-se a média dos anos intermédios em cerca de 29 mil.

O dado mais impressivo, contudo - e que pode muito bem ser a metáfora perfeita da negligência induzida - diz respeito à média de área ardida por foco de incêndio, que atinge os 1,2 Km2 em 2019 (entre janeiro e agosto). Isto é, um valor sem precedentes desde 2003, com a média do período a rondar os 0,8 Km2 e nunca tendo este indicador sequer ultrapassado os cerca de 0,95 Km2 em nenhum ano da série.


De acordo com Ane Alencar, a explicação para estes valores bem acima da média dos últimos anos não deve ser procurada no clima. De facto, não se regista em 2019 «seca extrema, como em 2015 e 2016» (tendo-se verificado, além disso, «um período chuvoso suficiente» em 2017 e 2018), nem «eventos climáticos [anómalos] que afetam as secas, como o El Niño». Já no plano político - e não sendo de agora a pressão sobre a Amazónia, em termos de desmatamento e queimadas (apesar da sua redução progressiva desde o início dos anos 2000) - não é difícil identificar as evidências materiais da fúria destruidora do governo de Bolsonaro no que toca à defesa do ambiente, nem as suas ligações às mineradoras e ao agronegócio, com as respetivas ramificações no quadro do comércio global.

9 comentários:

Anónimo disse...

Meu Caro Nuno Serra,

Enquanto a informação que disponibiliza não for desagregada por região edafo-climática, é virtualmente impossivel compreender a real natureza e dimensão do que está em análise. Fogos em savana ou em rain-forest não podem ser tratados por igual. Apresentar-se uma média de 1000 km2 de area ardida por foco de incêndio sem situar a média nem definir "foco de incendio" é uma clara manipulação da percepção.

Cump.

JRodrigues

Nuno Serra disse...

Caro JRodrigues,
Uma análise mais detalhada, por tipo de «região edafo-climática», seria naturalmente bem-vinda e permitiria uma afinação mais precisa dos valores e do que está em questão. Não coloco isso em causa e creio que é uma tarefa interessante (se houver dados disponíveis que permitam a sua realização, como é provável que existam).
O que não posso deixar de assinalar, contudo, é a implausibilidade (por tudo, e desde logo pelos níveis de desmatamento que estão a ser registados) da ideia - que deixa latente no seu comentário - de que a gravidade da situação poderá ser muito relativa (e, no limite, estarmos apenas a falar de um aumento dos incêndios em área de savana ou em espaços já há muito desflorestados). Mas, mais que isso, parece-me manifestamente excessiva (até pela troca de impressões que já temos desde há muito) a sua alusão a uma «clara manipulação» da perceção».
Cumprimentos

Anónimo disse...

Carissimo Nuno Serra,

Não pretendo relativizar coisa nenhuma. Pelo contrário. O meu desejo era ser capaz de objectivar esta análise para lá que qualquer dúvida, para tornar inatacáveis as criticas às práticas de desflorestação. Ora quando se apresentam médias de area ardida por foco de incêncido da ordem dos 1000 km2 ( porra! isto é um quadrado com 100 km de lado, qualquer coisa como um quarto do Algarve !!!), o Nuno Serra não lhe parece que há aqui qualquer coisa a precisar de melhor esclarecimento ?! Tem registo de algum incêndio dessa ordem de grandeza na rain-forest ? Provavelmente, não ! Mas quem não conhecer essas especificidades geográficas, pode ser levado a confusões. De alguma forma os dados divulgados fazem algo parecido a fazer uma média entre as areas ardidas por foco de incendio entre a escandinávia e a europa mediterrãnica. Será isso razoável , caramba ?! Quando usamos a ciência para atacar a politica, temos obrigação de ser exigentes, ou damos o flanco e sujeitamo-nos ao descrédito.

Cump.

JRodrigues

Anónimo disse...


Já agora:

Importa levar em conta a existencia de duas fontes primárias de fogo posto na bacia do amazonas.

A primeira tem a ver com a renovação de pastagens no biotipo savana ( queimada) ; a segunda com a desflorestação ( "desmatamento": a queima de sobrantes a seguir ao abate do estrato arbóreo).

Se repararmos nos dados do INPE, verifica-se que a "area ardida" ao longo dos anos em análise no quadro que apresenta, é sempre várias vezes superir à área "desmatada". Não poderá isto querer dizer que estamos a falar mais de queimadas do que de desmatamento ? Não sei. Mas gostava de saber. Exactamente para não "relativizar".


JRodrigues


Manuel Galvão disse...

A tragédia dos bens comuns...
https://pt.wikipedia.org/wiki/Trag%C3%A9dia_dos_comuns

Nuno Serra disse...

Caro JRodrigues,
Relativamente ao seu último comentário, precisar apenas que a unidade de cálculo (no gráfico) estava errada. Não se trata de facto da média de área ardida por foco de incêndio em milhares de Km2, mas sim em Km2 (tendo procedido já à necessária rectificação dos valores no texto e no gráfico). Agradeço pois o seu comentário, que ajudou a detetar este erro.
Cumprimentos

Anónimo disse...

Nuno,Nuno...desiste não há aqui nada de novo.

Anónimo disse...

JRodrigues,
17 set, 13:27,
1000Km2 não qualquer coisa como um quarto, mas sim qualquer coisa como um quinto do Algarve. Muito mais importante, não é um quadrado com 100 Km de lado, mas sim com cerca de 32 Km de lado. «Quando usamos a ciência para atacar a política, temos obrigação de ser exigentes, ou damos o flanco e sujeitamo-nos ao descrédito». Apenas acrescento que isto nem é ciência, é literacia numérica elementar, porra!

Anónimo disse...

Caro Anónimo das 21:44,

Está coberto de razão e fez bem em corrigir-me. Obrigado. Eu tinha obrigação de ter feito bem as contas quando comentei. Contudo, falha o alvo na critica que me dirige. Não passo de um reformado com o antigo 5º ano dos liceus. Não sou cientista, nem professor, nem bloguer. De acordo ?

Cump.

JRodrigues