terça-feira, 12 de março de 2019

Teodora Cardoso e o lastro demográfico da austeridade

Numa espécie de legado de despedida, a poucos dias de deixar a presidência do Conselho de Finanças Públicas (CFP), Teodora Cardoso divulgou um estudo sobre financiamento e sustentabilidade da Segurança Social. Recuperando as conclusões de um sintomático relatório do Banco Mundial de 1994, assegura que o «financiamento da segurança social é um dos principais problemas com que Portugal se confronta» e que «só os da demografia e do aumento da produtividade se lhe comparam», estando os três ligados entre si e tendo, por isso, que «ser analisados em conjunto».

A partir daqui, e sem nunca utilizar a palavra «plafonamento» (vá-se lá saber por quê), Teodora Cardoso defende que «uma solução duradoura para o financiamento das pensões terá de incluir uma parcela relevante de mecanismos de capitalização, (...) que inevitavelmente atribui aos beneficiários uma parcela importante de risco». Ou seja, propõe uma rutura com o modelo redistributivo, rejeitando abordagens alternativas, como «a opção por frequentes alterações paramétricas ou de fontes de financiamento». Aliás, «diversificação das fontes de financiamento» é outra expressão que não consta do estudo, apesar das medidas adotadas (esta e esta) pelo atual governo nesse sentido.

Mas faz bem Teodora Cardoso em associar a questão demográfica à sustentabilidade da Segurança Social. Talvez assim perceba, sem ter que aludir a «milagres», a irracionalidade da austeridade que sempre defendeu. Basta reparar no efeito de aceleração que as respetivas políticas provocaram, a par do impacto da crise financeira, na redução da natalidade e na degradação dos saldos naturais a partir de 2012 e que só após 2015 começam a dar sinais de inversão. Ou do efeito da austeridade no recrudescer da emigração, que também só muito recentemente começou a estagnar.


Mas o preço da austeridade não se fica por aqui, pelo agravamento do desequilíbrio entre ativos e reformados. De facto, o desemprego em massa, induzido por essas mesmas políticas, traduziu-se igualmente numa perda de receitas da Segurança Social e na degradação das carreiras contributivas de quem ficou desempregado. Como bem assinalou o ministro Vieira da Silva, glosando os termos utilizados pela própria ex-presidente do CFP, «é excessivo dizer que as pessoas não partilham o risco. (...) Quando têm uma dificuldade na sua carreira profissional, quando perdem o emprego, quando estão um longo tempo desempregadas, estão a assumir uma parte do risco porque o sistema vai reduzir a sua pensão. (...) As pessoas já estão a partilhar o risco... e de que maneira».

6 comentários:

Paulo Marques disse...

A solução é óbvia, há que aumentar o número de óbitos privatizando também o SNS.

Anónimo disse...

deduzo que a sustentabilidade da segurança social depende apenas do aumento continuo da população. interessante

Jose disse...

Sempre tudo é encaminhado para uma única conclusão: para todo o disparate que se transforme no aumento do bem-estar no curto prazo haverá que encontrar meios de o tornar sustentável e base das expectativas futuras.

Rendimento e natalidade - sempre se ignora o simples facto de ser crescentemente comum os jovens casais terem por prioridade um dispendioso e diversificado programa de experiências e de viagens turísticas antes de pensarem em ter filhos.
Esse factor cultural, com significativo impacto no retardar de nascimentos para anos de menor fertilidade (para dizer o menos) nunca tem expressão estatística. E pode dizer-se que é mais resultado de haver rendimento do que da falta dele.

Anónimo disse...

Os jovens não têm filhos por terem arrojados programas de experiências e de viagens mas por não verem futuro, seja em termos de alguma estabilidade económica ,seja pelos gravíssimos ambientais.

Jose disse...

Em todo o tempo o homem viveu incertezas.
Agora, que tem todo um cardápio assistencialista é que não as suportam?
Quem terão sido os idiotas que propagandearam ser possível um mundo de certezas?
Quem sugere que só em tal mundo se podem criar filhos?

S.T. disse...

José confunde a generalidade dos portugueses com o grupo social em que se move, em que "os jovens casais terem por prioridade um dispendioso e diversificado programa de experiências e de viagens turísticas antes de pensarem em ter filhos".

Farta-se de protestar contra a incertezas nas condições de investimentos em negócios de curto prazo, mas considera que casais com recursos escassos não devem hesitar num investimento a longo prazo como é uma criança. É que um filho é um investimento a 18 anos, no mínimo. E se os compadres do José levarem a melhor os custos de educação e saúde podem entretanto disparar e tornar-se incomportáveis.

José é uma versão nacional-rasca do "Não têm pão? Comam brioches!"

S.T.