terça-feira, 19 de março de 2019

A direita que se desvanece

Enki Bilal
Durante o debate quinzenal, o líder da bancada social-democrata, Fernando Negrão, lembrou-se de esgrimir que o valor da dívida pública, durante a actual legislatura, subiu em 20 mil milhões de euros. E esqueceu-se de pensar que a importância de uma dívida se mede pela capacidade de a pagar (em função do PIB).

Quando confrontado com a descida desse rácio, lembrou-se de dizer que o gráfico estava... invertido!

Mas poderia ter dito que, com os actuais níveis da dívida, mesmo em função do PIB, e por causa do baixo crescimento económico, a dívida pública não é sustentável e que isso deveria abrir um verdadeiro debate nacional, o qual foi negado como importante por Passos Coelho, possivelmente porque estavam em causa os créditos externos ("as dívidas são para se pagar"). Mas para isso, Negrão teria de falar do Tratado Orçamental e das suas implicações orçamentais, dos anos malditos da troica e dos seus apoiantes em Portugal, que por acaso estavam, no início, no seu partido. E teria de propor um modelo diferente de crescimento económico, o que até agora mal se aflorou. Nem um novo papel do Estado se soube definir e PSD/CDS tinham uma maioria absoluta no Parlamento.

Mas, para espanto de todos, não é que Negrão falou mesmo dos tempos da troica?


Mas teve a presença de espírito de escolher as palavras: "No nosso tempo, que também foi o vosso, houve um problema de bancarrota do país que o PSD e o CDS tiveram de gerir no Governo".

"Gerir" é o termo benévolo, já que o resultado foi mais do que desastroso. Cerca de um quarto da população activa desempregada, serviços públicos depauperados e desarticulados, uma emigração histórica de pessoal qualificado que ainda não foi estancada passados 10 anos sobre o início da crise económica de 2007/2008; a cristalização de um sistema de remunerações assente em baixos valores, uma desigualdade e uma pobreza instaladas. Uma política tão desastrosa que fez explodir os níveis de crédito vencido nas instituições bancárias e que não só degradou o sector bancário como asfixiou as próprias empresas, para quem todo o programa tinha sido desenhado.

Fonte: Banco de Portugal

E fê-lo de uma forma tal que até parecia feito para quem quisesse vir comprar activos degradados, numa estratégia que alguém mais radical apelidaria de "vende-pátrias". Na banca, pelo menos, conseguiu-o. Não deu a mão a Ricardo Espírito Santo, mas deu-a ao Santander.

E é essa fragilidade estrutural que o PSD ajudou a criar e que agora não sabe como atacar, se não - hoje - exigir mais despesa pública, mais serviços públicos, quando há 4 anos executava programaticamente cortes da despesa, cortes nos serviços públicos.

Por alguma razão, o PSD está nos seus níveis mais baixos de popularidade. Aliás, tal como o CDS, que não consegue descolar apesar da situação do PSD, tudo agravado com a evasão de dirigentes que, seguindo as pisadas de Paulo Portas, saíram para administrar um grupo nacional e um banco estrangeiro, ainda que isso não queira dizer nada. É possível ser uma pessoa empenhada estando no lado real da economia ou pensando nela quando se ocupa lugares políticos (vidé exemplo do deputado Telmo Correia que assinou 300 despachos na madrugada em que José Sócrates tomou posse).

Resta saber se, mais tarde ou mais cedo, esta situação não levará a abrir as portas a alguma nova formação política de direita, assim o queiram as elites bem instaladas que passem a apostar - e financiar - outras experiências, como se passa em Espanha.

E não é ainda o caso da Aliança de Santana Lopes, que teve de contar os seus trocos para realizar o seu 1º Congresso. Mas o mercado parece estar aberto.

3 comentários:

Jose disse...

«E esqueceu-se de pensar que a importância de uma dívida se mede pela capacidade de a pagar (em função do PIB).»

Ora não é importante porque desce em percentagem ora é tão importante que é preciso reestruturar.

O que parece certo é que foram precisos mais 20.000.000.000,00 para dar fim à austeridade, recuperar 'direitos' e embandeirar em arco a geringonça!

João Ramos de Almeida disse...

Caro José,
Eu não seria tão rápido a avançar com o diagnóstico (20 mil milhões para "dar fim à austeridade"), porque o diabo se esconde nos pormenores. E - quem sabe? - não lhe saía um reforço de verbas para salvar um banco.

Jose disse...

Caro João,
Faço-lhe sem esforço um desconto de 50%, salvo ou enterro 3-BANCOS-3, e conservo-lhe o artº 35º do Código das Sociedades Comerciais que nos assegura o stock de 'gestores-maravilha'.