sábado, 5 de janeiro de 2019

Sair da sombra

Segundo Pedro Santana Lopes, “no ano em que se celebram 30 anos da queda do muro de Berlim, parece que se reforça o ocaso das esquerdas”. Santana Lopes pode não ser Francis Fukuyama, e uma coisa são os desejos e outra as realidades, mas convenhamos que as coisas não estão realmente fáceis.

Entretanto, aproveito para repescar para este ano um artigo do ano passado, publicado no número especial da Revista Crítica de Ciências Sociais, celebrando o quadragésimo aniversário do Centro de Estudos Sociais, onde argumento precisamente que continuamos a viver na sombra intelectual e política de 1989.

Sair dessa sombra, implica superar um conjunto de instituições entretanto criadas, particularmente europeias, entendidas também como hábitos arreigados e demasiado partilhados de pensamento, rearticulando neste continente as questões nacional e social e voltando a meter medo às elites do poder, às do centro do império e as que, a partir da periferia, se imaginam no centro. Sim, o império pós-democrático é hoje a única alternativa ao Estado nacional, ou seja, à condição necessária da democracia.

Se estes hábitos não forem superados, temo bem que Lopes, tal como Fukuyama antes dele, possa vir a ter razão.

8 comentários:

Jose disse...

Interessante a ideia do ’Estado nacional como condição necessária da democracia e única alternativa ao império pós-democrático'; coloca dúvidas sobre a democracia britânica e naturalmente define a UE como império pós-democrático no ano em que se elegem deputados ao Parlamento Europeu.
Sem dúvida que a queda do muro construído pelo Império Soviético – totalitário e anti-democrático – pode legitimamente gerar a busca de uma legitimidade que tão brutalmente e por tanto tempo se viu violada.
Mas reduzir o Estado a um qualquer agregado tribal é exagero que só forte comoção pode justificar.

S.T. disse...

Um "parlamento europeu" não torna a EU uma organização democrática.

Não existe um povo europeu, portanto é absurdo falar de democracia num contexto em que não existe "demos".

Na União Soviética também havia uma assembleia com representantes de todas as republicas. Chamava-se Soviete Supremo.

E nesta versão pós-democrática de um império assistimos ao esmagamento económico e pilhagem de um dos seus membros, a Grécia.

Não nos esqueçamos que é assim como que a versão económica contemporânea da Primavera de Praga.

S.T.

S.T. disse...

E já que falamos da queda do Império Soviético será interessante lembrar que existia uma coisa semelhante à zona euro, o rublo soviético. E como todas as uniões monetárias com defeitos de construção estava condenada a ser dissolvida.

Neste video muito instrutivo Brigitte Granville conta como foi visto ter feito parte de uma equipa de técnicos que esteve no centro da dissolução da "zona do rublo".

https://www.youtube.com/watch?time_continue=3&v=X7UwQRgJvqM

Como de costume, trago até vós só os miminhos da economia mundial. LOL

S.T.

S.T. disse...

Esqueci-me de avisar sobre uma peculiaridade do video da Sra Brigitte Granville.

É que usa o stereo para veicular duas línguas. Num dos canais ouve-se o audio em inglês e no outro a tradução simultânea em italiano. Para maior conforto dos anglófonos convém deslocar o "balance" do som para o canal que veicula o audio em inglês.
S.T.

Jaime Santos disse...

Gostaria que o João Rodrigues se estendesse mais um pouco e nos explicasse o que é que esse 'rearticular' implica. É que, sabe, a Extrema-Direita está a ser tremendamente bem-sucedida nessa 'rearticulação'. Atirar a pedra e esconder a mão é o que gosta de fazer, mas não nos leva a lado nenhum...

Se é para propor mais ou menos ou que eles propõem (cortininhas de ferro um pouco por todo o lado), não obrigado. O ocaso das Esquerdas também se deve a que umas e as outras ficaram sem ter muito que dizer depois do fracasso do keynesianismo nos anos 70 primeiro, e do colapso total do império soviético (ao menos o 'império europeu' não manda tanques para lado nenhum) no princípio dos anos 90.

Quanto ao medo das supostas elites, se é para saídas à coletes amarelos, igualmente, não obrigado. A democracia liberal pode ser muito imperfeita, mas é mil vezes melhor que todas as alternativas a ela...

Francisco disse...

A rearticulação as esquerdas passará inevitavelmente pelo retomar das ideologias, enquanto ferramentas teóricas indispensáveis quer do ponto de vista estritamente analítico quer do ponto de vista prescritivo.
A ideologia do fim das ideologias, que conheceu um impulso determinante sobretudo com a crise capitalista de final dos anos setenta do século passado (expirado que estava o prazo de validade dos "gloriosos trina anos") permitiu ao sistema capitalista e às poderosas forças que o suportam, não apenas a sobrevivência mas até uma supremacia hegemónica obtida pelo colapso da experiência histórica dos países do chamado Bloco de Leste. Contudo e apesar do fracasso dessa experiência histórica, nem por isso as contradições do sistema deixaram de se agudizar, já que lhe são intrínsecas. As guerras, a pilhagem e a subordinação de povos e países inteiros, são disso uma demonstração cabal. Evidentemente que no plano ideológico, a cultura de massas vigente (aquela que leva um Presidente da República a um telefonar em directo para um programa de entretenimento absolutamente execrável nos seus conteúdos, apenas para ser integrado nesse imaginário popular de "nós por cá todos bem") vai atapetando até onde pode a alienação, a patetice e mesmo uma certa imbecilidade saloia, por vezes confundida com avaliação intelectual e esclarecida, que permite por exemplo ver ainda os tanques do império soviético (vade retro Satanás!) mas já não as sistemáticas violações do Direito Internacional por parte das forçada Nato ou o comportamento fantoche da ONU no caso das invasões do Iraque, da Líbia, do Afeganistão o da Síria. Pese embora este estado de coisas e este ambiente, nem, por isso a superação do sistema capitalista deixou de ser uma urgência, mais imperiosa a cada dia que passa, como de resto declarações recentes como as de Putin sobre a possibilidade de um conflito nuclear, deveriam tornar evidentes para todos. É sobre esse terreno e mais cedo do que tarde, que há-de ser construída uma nova reorganização do pensamento primeiro e da acção depois, por parte das forças de esquerda que se mostrem efectivamente dignas desse nome.

Jose disse...

«Não existe um povo europeu…»

Devem estar a chegar uns links para definir o que seja 'povo' para efeitos democráticos.
A nostalgia da tribo é dominante.

S.T. disse...

Os links a definir o que é um "demos", o ingrediente insubstituível para a demo-cracia já por aqui passaram, (pelas caixas de comentários do LdB) mas o José, que é um rapaz muito cegueta e muito esquecido, só vê e só se lembra do que lhe convém. LOL

Tribo? Só se fôr a dos apaniguados da seita dos tampões OB-Servador...

É no mínimo curioso que uma criaturinha destas tente pôr em questão o demos de um dos países de mais antiga factura, de mais vincada identidade nacional e de mais estáveis fronteiras do continente europeu. O que nunca foi impedimento para muitas aventuras e idas e vindas...

S.T.