Muito se tem escrito sobre o período de transição que vivemos no mundo do trabalho. A “
revolução dos robôs” e a rápida evolução da tecnologia, tanto para uso pessoal como para aplicação em diferentes processos produtivos, têm ocupado o centro do debate público e aberto caminho para discursos
alarmistas sobre a inevitável eliminação permanente de vários postos de trabalho. Alguns estudos apontam para uma redução significativa do emprego nos próximos anos: Carl Frey e Michael Osborne, investigadores da Universidade de Oxford,
estimaram em 2013 que a tecnologia poderia eliminar 47% dos empregos nos EUA nas próximas duas décadas, sobretudo no setor dos serviços; mais otimista, um
estudo de 2017 da McKinsey Global Institute diz-nos que a redução é de “apenas” um terço dos postos de trabalho. Será suficiente para respirar de alívio?
A preocupação com o fim iminente do trabalho e a generalização do desemprego associados ao avanço da tecnologia parece ser confirmada pelo
estudo apresentado na semana passada pela CIP, no qual aponta para a possível eliminação de 1,1 milhões de postos de trabalho em Portugal até 2030 nas áreas da indústria transformadora e comércio, podendo ser “compensada pela criação de 600 mil a 1,1 milhões de novos empregos em setores como a saúde, assistência social, ciência, profissões técnicas e construção”.
Mas será que estamos perante o fim iminente do trabalho? A história do capitalismo conta-nos algo diferente – as sucessivas revoluções tecnológicas, e as consequentes mudanças profundas nas formas de produção e distribuição dos recursos, não acabaram com o trabalho necessário. Na verdade, cada mudança estrutural do modo de produzir bens ou serviços costuma ser seguida de períodos longos de expansão das economias desenvolvidas, com elevadas taxas de crescimento e níveis de emprego, como discutido no livro
As Time Goes By, de Chris Freeman e Francisco Louçã. Para compreender estes processos, precisamos de olhar para a evolução histórica das economias capitalistas e identificar os seus padrões.
Um
estudo recente elaborado por Mark Paul conclui que a produtividade dos EUA tem crescido a taxas médias bastante inferiores às das décadas anteriores a 1970. O mesmo acontece nas economias desenvolvidas da Europa Ocidental (incluindo Portugal) e Japão, o que sugere que após o período de expansão no pós-2º Guerra Mundial, atravessamos uma fase prolongada de menor fulgor, caracterizada por taxas de crescimento mais baixas. A recente década de
estagnação limita-se a confirmar o paradoxo de Solow – os computadores aparecem em todo o lado, menos nas estatísticas da produtividade.
Sem ganhos de produtividade que impulsionem os lucros, o investimento produtivo tem sido reduzido nas últimas décadas, pelo que a ameaça de uma vaga de automação que elimine um grande número de empregos não parece provável atualmente. Não surpreende, por isso, que o capital se tenha concentrado nos mercados bolsistas e em atividades de especulação financeira que permitem ganhos de curto prazo superiores, embora acentuem a exposição da economia global a momentos de pânico no setor financeiro como o de 2007-08.
A robotização ameaça, ainda assim, substituir no futuro vários empregos que hoje são executados por pessoas. Não é difícil encontrar
livros sobre o desenvolvimento impressionante da inteligência artificial nos últimos tempos e o alcance que poderá ter no mercado de trabalho. No entanto, a inovação é o traço fundamental da história do capitalismo, que nos
mostra como as revoluções tecnológicas não implicam a generalização do desemprego permanente – na revolução industrial do século XIX, embora o desenvolvimento da indústria tenha feito desaparecer os artesãos, implicou simultaneamente a criação de novos empregos qualificados dentro e fora das fábricas, sendo um exemplo da forma como a tecnologia origina mudanças complexas na organização do trabalho. A evolução das sociedades capitalistas tem sido um processo de constante interação entre a inovação científica e técnica e as formas de organização da vida em comunidade.
Existem, contudo, outros aspetos a ter em conta. A desigualdade tem crescido de forma impressionante nas últimas décadas, nas quais uma parte cada vez menor da riqueza gerada é distribuída pelos trabalhadores.
Além disso, apesar do avanço tecnológico, a verdade é que atualmente cada vez mais pessoas trabalham mais horas, em empregos precários e com menores rendimentos. A tecnologia desempenha um papel importante nesta tendência,
promovendo a intensificação do trabalho em condições perversas,
invadindo o tempo de lazer e marcando o ritmo da vida social.
Foi isso que levou o astrofísico Stephen Hawking a
afirmar, em 2016, que “se as máquinas produzirem tudo aquilo que precisamos, o resultado dependerá da distribuição dos recursos. Pode dar-se o caso de que todas as pessoas alcancem um nível de vida elevado se a riqueza gerada pelas máquinas for partilhada, ou, por outro lado, de que grande parte da população seja votada à pobreza profunda caso os proprietários das máquinas consigam fazer
lobby contra a distribuição da riqueza. Até agora, a tendência parece aproximar-se da segunda hipótese, com a tecnologia a fomentar a crescente desigualdade.”
A distribuição da riqueza gerada depende, hoje como sempre, de escolhas coletivas. O desafio que enfrentamos é o de desenvolver formas de distribuir os ganhos da tecnologia e contrariar a tendência para o aumento histórico da desigualdade. Uma das formas de o fazer é através de uma reorganização do tempo de trabalho e da sua distribuição – a robotização pode contribuir para que trabalhemos menos horas semanais e diárias, como já tinha sido sugerido por
Marx e, mais tarde, por
Keynes. Por outro lado, o investimento na formação e qualificação das pessoas deve ser feito através da promoção pública da educação, de forma a permitir que a aprendizagem seja feita ao longo da vida, como
recomenda a Organização Internacional do Trabalho. Além disso, a reconversão ambiental das economias tem
potencial para gerar novos empregos sustentáveis.
Por outras palavras, embora os robôs possam substituir vários postos de trabalho, não acabarão com o emprego. Precisamos, por isso, de recuperar a promoção do pleno emprego como política fundamental nas sociedades democráticas; de outra forma, não será possível combater a crescente desigualdade e operar a redistribuição necessária da riqueza. O futuro do trabalho é o que fizermos dele.