terça-feira, 3 de abril de 2018

Leituras


«A crise global diplomática, após o envenenamento de um ex-espião russo, é demasiado forçada ou exagerada para poder ser tomada como genuína, pelo menos, assim, acriticamente, como estamos a assistir. É que já vimos este filme: antes de nos solidarizarmos com o Reino Unido, independentemente de todas as alianças, convinha que os britânicos apresentassem provas mais consistentes do que aquelas que apresentaram quando nos impingiram a suposta existência de armas químicas no Iraque. (...) Visto desapaixonadamente, o crime aproveita muito mais a uma Grã-Bretanha em pleno Brexit e a uns EUA emaranhados na nuvem de suspeitas sobre a alegada mão russa por detrás do arbusto, na eleição de Donald Trump, do que aos russos, cujo único móbil seria a vingança. (...) É por isso que, antes de "engravidarmos" pelos ouvidos, com a exageradíssima tese de que um envenenamento de um indivíduo é o "primeiro ataque com armas químicas em solo europeu depois da II Guerra Mundial" (uuhhh!...), convinha estarmos seguros dos passos a dar».

Filipe Luís, Orgulhosamente sós

«Terão sido as mesmas fontes - igualmente credíveis - em que se baseiam agora May e Johnson que terão convencido Blair da irrefutável posse de armas de destruição massiva pelo Iraque. São conhecidas as consequências desastrosas dessas crenças sem a devida certificação. (...) Encontramo-nos numa estrada perigosa. Assistimos a algo que se assemelha ao início de uma guerra. As guerras, leia-se os confrontos militares generalizados, são sempre precedidos por uma escalada que passa pela subida de tom na retórica, a demonização do oponente, o reforço dos dispositivos militares e a conquista da opinião pública para apoiar ações mais assertivas contra o oponente. Depois é necessário criar um acontecimento, um pretexto que não tem necessariamente de ser causado pelo oponente e que é normalmente provocado por quem pensa que vai beneficiar com o resultado da guerra».

Carlos Branco, O caso Skripal e as dúvidas que ainda subsistem

«Este exercício de fechar os olhos e abanar o rabo conforme as orientações dominantes é visível todos os dias nos mais pequenos detalhes. Quando lemos uma notícia com um título em que se garante que o “PCP condena 'massacre' na fronteira de Gaza com Israel”, estamos em pleno linguajar que absolve tudo. Massacre entre aspas pretende colocar na cabeça do leitor que não houve massacre. Quer transformar um fuzilamento de manifestantes desarmados, que fez 16 mortos e mais de 1400 feridos, num simples conflito em que as duas partes estavam na mesma situação. A segunda operação, que nos permite achar normal a ocupação, prisão, tortura e morte de milhares de palestinianos ao longo dos anos, é a mesma que permitiu aos nazis massacrarem durante anos os judeus, com o silêncio cúmplice dos governos ocidentais. Baseia-se num trabalho de sapa que faz dos outros sub-humanos. Faz deles gente privada de direitos cuja vida tem um valor muito menor que o da nossa».

Nuno Ramos de Almeida, Os cães de guarda

9 comentários:

Jose disse...

Talvez daqui a uns vinte anos, numa Rússia democrática, se abra um qualquer arquivo que faça prova dos assassínios ordenados por Putin.
Até lá, fiquemos inermes perante os 'mistérios' que abatem os seus inimigos.

A.R.A disse...

A semântica da palavra "Leituras" abre todo um mundo opinativo sobre o que cada um faz do que lê.

Por exemplo, que dizer das "Leituras" que uns fazem da resiliência de um povo que teima em afirmar a sua existência como nação livre perante um ocupante opressor com uma agenda genocida ás mãos daqueles que a História nada ensinou e perpetuam as mesmas praticas de extermínio de que foram vitimas no passado ao passo que, para outros, as "Leituras" que fazem do mesmo assunto baseiam-se num repor da uma justiça "reparadora" que iliba séculos de Diáspora feita a base de ostracismo e opressão assente em factos de uma legitimidade "religiosa" com propriedade de tomarem para si o que há milénios atrás lhes foi "tirado"?

Este enviesamento do racional na leitura que fazemos da mesmíssima coisa ou a importância manipulada dos factos que se extravasa para as massas através dos Media, têm todas elas um propósito subliminar que atravessa todos os espectros políticos, ideológicos e religiosos ou seja terá mais importância saber quem envenenou um duplo agente secreto do que saber quem mandou explodir o carro da jornalista de investigação, responsável pelos "panamá papers", provocando a sua morte? Se o envenenamento do espião foi em solo Inglês a explosão do carro foi em solo Maltês? Será que o nome Skripal tem melhor fonética que Daphne Caruana Galizia?

De certo haverá quem contraponha a minha própria "Leitura" com vários pressupostos validos mas que o deixam de ser a partir do momento que as "Leituras" de um grupo passe a ser a verdade de todos onde o melhor exemplo foi a Cimeira dos Açores e a consequente guerra no Iraque.

A.R.A

Vitor disse...

Totalmente de acordo com os dois primeiros textos. Achei incrível a "fúria" mediática que surgiu coordenadamente pelo facto de o Estado Português (e muito bem na minha opinião) não ter expulsado diplomatas russos. Entre outros José Manuel Fernandes (Observador) e Manuel Carvalho (Público) escreveram editoriais/crónicas em que se opunham fortemente a esta decisão do governo.

Penso que seria útil recordar aos Portugueses a história da nossa participação na primeira Grande guerra em que totalmente por escolha do voluntarioso governo de então, sem nenhuma exigência dos "aliados", se condenaram 20 mil portugueses à morte. Curiosamente esta guerra também começou com um assassinato, só que de um arquiduque em vez de um espião.

Ainda mais surpreendido fiquei com a entrevista do embaixador Martins da Cruz ao Diário de Notícias em que critica abertamente a política externa do Estado Português na comunicação social. Se isto não é motivo para a demissão imediata do Sr.º embaixador então eu não percebo muito bem como funciona a hierarquia no Ministério do Negócios Estrangeiros em Portugal... Provavelmente será uma bandalheira..


Anónimo disse...

Ahahah

Já não se apresentam factos. O desvario monta na capacidade cognitiva e tenta fazer passar os demais por idiotas.

Parece que as tretas agora assentam naquilo que se vai putativamente saber daqui a uns putativos 20 anos.

José travestido de May Ou vice-versa

Ficam tão bem um e outra sssim nestas vestes de fanáticos desvairados a raiar s senilidade

Anónimo disse...

Ó Vitor, que desgraça

Bandalheira mesmo só o seu conhecimento sobre os factos e a realidade.

Sem perceber a hierarquia do seu conhecimento ficámos estupefactos com o exposto.

Anónimo disse...

No próprio DN:

"António Martins da Cruz, 71 anos, entrou para a carreira diplomática em 1972 e estava na casa dos 20 anos quando foi abrir a Embaixada de Portugal em Maputo. Egito e Brasil foram outros postos onde esteve antes de ser assessor diplomático em São Bento. Era embaixador junto da UEO e da NATO durante a guerra contra a Sérvia (1999), a que se seguiu o posto de Madrid. Deixou a carreira diplomática ao aceitar o cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros do governo de Durão Barroso (entre 2002 e 2003)."

Da Wiki:

Concluída a licenciatura em Direito — que viria a complementar com formação na Universidade de Genebra, Martins da Cruz foi admitido na carreira diplomática, no ano de 1972. Inicialmente colocado no Departamento das Organizações Económicas Internacionais, passou em seguida por legações de vários países (Moçambique, Egito, Brasil), até que em 1984 foi nomeado diretor do Departamento de Integração Europeia do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Contudo, deixou o cargo logo no ano seguinte para exercer durante dez anos consecutivos, a função de assessor diplomático do primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva. Foi condecorado por diversos Chefes de Estado de diferentes países.

Em 1995, com o fim do governo de Cavaco Silva, foi nomeado embaixador de Portugal na NATO. Os últimos cargos que desempenhou como diplomata foi o de embaixador de Portugal em Bruxelas e em Madrid. Manteve-se em funções na capital espanhola até 2002, quando José Durão Barroso o convidou a integrar o XV Governo Constitucional.

Desde Abril de 2002 desse ano até outubro de 2003, foi Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas. O facto de ter abandonado o cargo deveu-se a uma alegada tentativa de favorecimento da sua filha no acesso ao ensino universitário, tendo por isso causado também a demissão do Ministro do Ensino Superior Pedro Lynce. Concretamente, estava em causa o facto de Pedro Lynce ter aplicado à filha de Martins da Cruz o contingente de acesso reservado aos funcionários portugueses em missão diplomática no estrangeiro e seus familiares e Martins da Cruz, embora fosse diplomata de carreira, estava naquele momento a exercer funções de Ministro, o que tornava alegadamente inaplicável aquele contingente".

Do PSD,pois claro.

É preciso mais cuidado quando se fazem afirmações sobre bandalheiras. O estilo lembra muito um tipo que usa muitos nicks e de que agora não me recordo o principal.

Anónimo disse...

Não foram precisos 20 anos para se saber que afinal a estória das armas de destruição maciça não passava de um fenomenal embuste.

Por causa disso mais de meio milhão de pessoas morreram.

A desonestidade confunde-se com a cumplicidade e com a conivência. Metem asco.

Um espectáculo deprimente este oferecido por um mundo dito civilizado e que só produz esta espécie de vomitado para enganar papalvos. Nem sequer se apercebem que a cada dia que passa mais as pessoas tomam consciência da histeria desesperada dum mundo podre e caduco

Anónimo disse...

"A histérica campanha EUA/NATO contra a Rússia é tão transparente que custa a crer que haja alguém que pense pela sua própria cabeça que possa ser convencido por ela. A única coisa que deixa à vista é o extraordinário e desavergonhado coro de papagaios instalado na comunicação social dominante, ressuscitando o anticomunismo mais troglodita - como se a URSS não tivesse desaparecido há quase 30 anos e o que ali hoje existe não fosse um capitalismo tão mafioso e explorador como o dos seus próprios países. O que essas vozes de guerra fariam bem em recordar é que, em mais de 2 séculos, todas as agressões estrangeiras em solo russo tiveram mau fim".

«Putin vai utilizar o Mundial de futebol como Hitler utilizou os Jogos Olímpicos de 1936, ou seja para dissimular o regime brutal, corrupto, do qual é responsável»: esta declaração oficial do ministro dos negócios estrangeiros britânico Boris Johnson mostra que nível atingiu a campanha de propaganda contra a Rússia.

Numa ilustração do jornal britânico The Guardian, decalcada de um cartaz nazi dos anos quarenta, a Rússia é representada como uma gigantesca aranha com a cabeça de Putin, enredando o mundo.

É a Rússia acusada de ter envenenado em Inglaterra um dos seus ex-agentes, preso por espionagem há 12 anos e libertado há 8 (não se encontrando portanto na posse de informação sensível), que utiliza para o envenenar, ele e sua filha, o agente neurotóxico Novichok de produção soviética (de modo a deixar voluntariamente a impressão digital de Moscovo no local do crime).

A Rússia acusada de penetrar com uma excepcional habilidade nas redes informáticas, chegando a manipular as eleições presidenciais nos EUA (“um acto de guerra” como o definiu John Bolton, novo conselheiro para a segurança nacional).

Agora acusada oficialmente pelo Departamento de Estado dos EUA para a segurança da pátria e pelo FBI de se preparar para, com os seus hackers, sabotar as centrais eléctricas, incluindo as nucleares, as reservas hídricas e os aeroportos nos EUA e na Europa, de modo a paralisar países inteiros.

É deste modo que é fabricada a imagem de um inimigo cada vez mais agressivo, do qual é necessário defender-se."

Anónimo disse...

"Numa conferência de imprensa com Johnson, o secretário-geral da NATO Stoltenberg acusa a Rússia da “primeira utilização de um agente neurotóxico em território da Aliança”, ou seja, de um verdadeiro acto de guerra; de “minar as nossas instituições democráticas”, ou seja de conduzir uma acção subversiva no interior das democracias ocidentais; de “violar a integridade territorial da Ucrânia”, ou seja de ter iniciado a invasão da Europa.

Face ao “comportamento irresponsável da Rússia”, anuncia Stoltenberg, “a NATO está em vias de dar resposta”.

Assim se prepara a opinião pública para um ulterior reforço da máquina de guerra da Aliança sob comando dos EUA, incluindo a instalação de novas bombas nucleares B61-12 e provavelmente também de novos mísseis nucleares dos EUA na Europa.

Um objectivo prioritário da Estratégia de defesa nacional dos EUA, anuncia o Pentágono, é “melhorar a rapidez e o carácter letal das forças EUA na Europa”. Foram atribuídos a este objectivo, no ano fiscal de 2019, 6,5 milhares de milhões de dólares, elevando a 16,5 milhares de milhões o total do quinquénio 2015-2019.

Esta dotação constitui apenas parte do total da operação Atlantic Resolve, lançada em 2014 para “demonstrar o compromisso dos EUA com a segurança dos aliados europeus”. Compromisso demonstrado pela contínua transferência de forças terrestres, aéreas e navais dos EUA para a Europa oriental, onde se encontram acompanhadas elos maiores aliados europeus, Itália incluída.

Ao mesmo tempo a NATO eleva o seu poderio com um novo Comando conjunto para o Atlântico, inventando o enredo de submarinos russos dispostos a afundar navios mercantes nas rotas transatlânticas, e com um novo Comando logístico, inventando a história de uma NATO obrigada a deslocar rapidamente as suas forças para leste para fazer face a uma agressão russa.

É deste modo que se procura justificar a escalada EUA/NATO contra a Rússia, subavaliando a sua capacidade de reagir quando encostada à parede. Boris Johnson, que compara Putin a Hitler, deveria recordar-se de como acabaram os exércitos de Hitler quando invadiram a Rússia".

(Manlio Dinucci)