segunda-feira, 12 de março de 2018

Um mundo à parte

Não há muitas notícias sobre a votação das moções no Congresso do CDS, do fim-de-semana passado. Nem no próprio sítio do CDS...

Sabe-se que as moções não foram debatidas em horário nobre ou que Cristas seixou cair a democracia-cristã. Parece que o essencial foi a votação para os órgãos nacionais do partido e que a moção de Assunção Cristas foi votada de braço no ar e já de madrugada, em alternativa à de Miguel Mattos Chaves.

E no entanto, as moções dizem muito do pensamento de quem está no CDS. Por exemplo, a moção de Mattos Chaves é uma moção estruturada e a pensar no futuro do país, enquanto a moção de Cristas parece um saco de vento, próxima do plafleto de uma arruada do CDS. 

Mas se há um tema que não constou da esmagadora maioria das moções ao Congresso do CDS foi o mundo do Trabalho. Esse não é um tema do CDS. Os mais de cinco milhões de activos são um subproduto das pouco mais de 300 mil empresas portuguesas. A sua ideia - pouco moderna e mesmo arcaica - é de que "as empresas é que criam emprego" e por isso tudo lhes é devido.

No Congresso, apenas a moção dos Trabalhadores Democratas Cristãos chamava a atenção para aquilo que nenhum outro militante centrista pareceu sentir: a actual precariedade das relações laborais neste Portugal cada vez mais estagnado e que conduz ao envelhecimento da população."Deve, pois, o CDS atender aos novos pobres que trabalham e não chegam ao final do mês; aos jovens precários, tantos deles na comunidade científica, que adiam projetos familiares por terem trabalhos precários e mal remunerados".

E no entanto, para quem olhe para a opinião à direita, todos parecem embandeirar em arco com o "novo CDS". Helena Garrido na Antena 1 hoje de manhã, falava de um CDS jovem, liberal e não conservador  - apenas porque Adolfo Mesquina Nunes se assumiu como homosexual e esquecendo os casos em que autores de moção raiam o homofóbico ou o tom de conservadorismo, que nem os defensores pró-vida já assumem. No Observador, quem escreve sobre o CDS vai atrás desta onda criada pelo marketing... (aqui e aqui). Por que razão está a direita a apostar tanto no CDS? Apenas para impedir uma viragem à esquerda do PSD?

O CDS que saiu do Congresso é uma tentativa de tudo ser, sem que seja alguma coisa. E esse é a vantagem de nunca ser poder, senão por arrasto.

Senão é isso, o que dizem as moções ao Congresso do que poderia ser o programa de governo do CDS? Em primeiro lugar, o CDS apostaria numa forte contenção orçamental.  Algo que, a julgar pelo discurso de Assunção Cristas, se trata de uma ideia muito negativa, quando o partido se declara  muito preocupado com a situação nomeadamente da Saúde e Segurança. Ao mesmo tempo que se pugna por esse linhar de passo com a moeda única, outras moções mostram-se euro-cépticas com o rumo de federalização da Europa... 


Duas das moções defendem o estrito cumprimento do Tratado Orçamental, com "cumprimento do limite de 60% do PIB, na dívida pública, consagrado nos tratados da União Europeia" (João Gonçalves Pereira). Ora, só essa obrigação implicará um corte drástico na despesa social do Estado. "Olhamos para o deficit e para a dívida pública, não como um problema conjuntural ou como um dogma contabilístico, mas como um problema estrutural que nos limita a esperança e nos rouba o futuro" (José Lino Ramos)."Cortes devem ser feitos não de forma cega em sectores fundamentais, mas “na melhoria da eficiência dos serviços da AP e na redução de gastos supérfluos", integrando o autor nesse capítulo a própria estruturação actual do Estado (Abel Matos Santos).

Mas depois, defende-se um Estado como um financiador das práticas básicas empresariais - concessão de crédito fiscal às empresas que reinvistam os lucros... (Luís Mattos Chaves) -, do apoio às empresas que contratem mulheres grávidas e mães/pais com crianças até 3 anos (!), apoios vários à natalidade, à conciliação entre trabalho e família, mas sem que isso passe por alterações ao Código do Trabalho (portanto, apenas mais dinheiro para pagar creches...).

Do ponto de vista do que seria a economia portuguesa, seria um misto de mais Turismo, mais Agricultura (sublinhando-se - e bem! - a actual dependência externa) e, sobretudo, mais Mar (sem se perceber bem o que seria).

Desse ponto de vista, a moção mais estruturado é a de Luís Mattos Chaves. Ele defende uma reindustrialização - "um dos estrangulamentos económicos do País ou, se preferirem, uma das razões do nosso fraco desenvolvimento das últimas décadas se deve à ausência de uma estratégia de industrialização, de médio e longo prazo, que sirva de guia aos agentes económicos" -; com um novo papel a CGD e um Banco de Fomento, planos de desenvolvimento na boa tradição dos Planos de Fomento.

É interessante notar que várias moções pugnam por um reforço da Defesa Nacional, com um aumento de verbas para o seu orçamento, o regresso ao Serviço Militar Obrigatório e uma maior participação na NATO.

Mas houve também moções "soberanistas" e euro-cépticas. Pedro Borges de Lemos: "Não podemos é perder de vista a lógica dos Estados soberanos, avessa ao sistema federalizado progressivamente mais tendencial. O combate aos choques assimétricos e a solidariedade com as nações mais desfavorecidas da União Europeia poderão concretizar-se nas ajudas obtidas através das receitas oriundas do incremento de uma taxa uniformizada sobre as transacções financeiras dos respetivos países membros". Ou de Miguel Mattos Chaves: "A actual ingerência da Comissão Europeia, órgão de poder central que não foi eleito por ninguém, que se arroga o direito de aceitar ou reprovar o Orçamento de Estado de Portugal e de outros Estados, é inadmissível e mesmo perigosa pois pode levar á Revolta Justa por parte dos Povos afectados. Cabe-nos colocar as coisas no seu sentido original, no sentido que a esmagadora maioria dos Pais Fundadores indicaram, para que os Países da Europa não se desunam".

O CDS ainda não encontrou o seu rumo. E o único rumo que se conhece é conquistar votos ao PSD e aparecer mais nos telejornais. Tão pobre. 

10 comentários:

Jaime Santos disse...

Não me cabe a mim defender o CDS, no qual nunca votei ou votaria, João Ramos de Almeida, mas a profusão de moções não é necessariamente indicativa de falta de rumo. É indicativa do carácter democrático deste Partido. Nem todos os Partidos se podem orgulhar de conviver bem com a dissensão... No PCP, quem divergia acabava sempre por sair...

Quando diz 'O CDS que saiu do Congresso é uma tentativa de tudo ser, sem que seja alguma coisa. E esse é a vantagem de nunca ser poder, senão por arrasto.', tem toda a razão. Mas cuidado, porque a Esquerda também pode perfeitamente ser acusada de querer sol na eira e chuva no nabal... A soberania, nomeadamente, tem custos que a mais da vezes não se assumem...

De qualquer maneira, parabéns por uma crítica informada e construtiva ao congresso dos ex-Democratas Cristãos (pelos vistos, o que é pena)...

Jose disse...

Um post incomentável, sob pena de juntar molho a uma salada.

Anónimo disse...

O CDS/PP é o que é.

Não é só pobre. É bem pior e o que se vê é apenas a ponta do iceberg. Mas este post serviu também para comprovar e certificar a pobreza fundamental que pontifica neste partido.

O poder, mais do que o que fazer com o poder, norteia irremediavelmente um partido de oportunistas camaleónicos, no espectro ideológico muito pouco aconselhável

Anónimo disse...

Mas, Alexandre, os contributos para o crescimento, calculados dessa forma, não são o mais relevante e até são enganadores.

Desde logo porque o que interessa é o crescimento real do PIB, não o crescimento nominal. Nesse sentido deveria ter trabalhado com os dados do PIB a preços de mercado na ótica da despesa encadeados em volume (ficheiro A.1.2.5.6 em vez do referido ficheiro A.1.2.5.1). Mesmo dentro de cada ano, as taxas de variação do deflator implícito para cada componente são muito díspares, o que distorce significativamente o contributo real de cada uma. Por exemplo, em 2015, 2016 e 2017, enquanto o consumo, público e privado, teve um deflator implícito de respetivamente 0,7%, 1,1% e 1,5%, as exportações tiveram respetivamente de -1,3%, -1,9% e 3,6%, muito diferente. A metodologia do Alexandre não permite distinguir os contributos reais das várias componentes das meras alterações de preços. É para evitar este tipo de distorções na análise que o crescimento deve ser calculado e apresentado em termos reais, aliás como é geralmente o caso.

Os crescimentos reais do PIB em 2015, 2016 e 2017 foram de 1,8%, 1,6% e 2,7% (os crescimentos nominais de 3,9%, 3,2% e 4,1%). A questão que se coloca, por conseguinte, é de como as várias componentes do PIB (na ótica da despesa) contribuíram para o crescimento real.

Mas aqui, quanto a mim, é cometida outra ligeireza (a roçar a incorreção). Porque o crescimento do PIB deve ser calculado, com maior acerto e pertinência, como a variação relativa (o acréscimo percentual) em relação ao ano anterior, não tanto como a variação absoluta (o acréscimo absoluto) em relação ao ano anterior. É por isso que o crescimento plurianual do PIB é calculado como uma média geométrica e não como uma média aritmética.

Ou seja, o crescimento do PIB, deve ser calculado como a sua variação percentual em relação ao ano anterior, o [(PIB(n) – PIB(n-1))/PIB(n-1)] em %, não como a sua variação absoluta, o [(PIB(n) – PIB(n-1)].

A metodologia do Alexandre calcula o contributo de cada componente para o crescimento absoluto do PIB (nominal), quando o que seria relevante apurar era o contributo de cada componente para o crescimento percentual do PIB (real).

Por exemplo, tomemos o ano de 2016. Que relevância tem, neste contexto, saber que a variação absoluta do consumo final foi de 4.387,3 enquanto a das exportações foi apenas de 1.788,8, a primeira contribuindo com 68,1% e a segunda apenas com 27,8% para a variação absoluta do conjunto das componentes positivas do PIB nesse ano?

Dito assim parece que o consumo final contribuiu muito mais, mas isso é muito enganador, deve-se apenas ao facto da componente do consumo ser muito maior que a componente das exportações, 150.310,6 M€ no caso da primeira e 72.647,6 M€ no caso da segunda, no final de 2015 (para realçar a falácia, trabalho inicialmente com os números do PIB nominal do Alexandre). Na verdade, o crescimento do consumo foi pouco maior que o das exportações: enquanto o consumo aumentou 2,9%, as exportações aumentaram 2,5%.

Mas, ainda assim, parece que os contributos do consumo e das exportações, em 2016, foram semelhantes, com alguma vantagem, um crescimento de 2,9% em relação a um crescimento de 2,5%, para o primeiro. Aqui é que entra em jogo a – chamemos-lhe assim, sem qualquer ofensa – falácia da análise nominal em vez da análise real.

Porque na verdade as exportações aumentaram mais que o consumo! O que se passa é que, em 2016, os preços das exportações diminuíram 1,9% e os preços do consumo (interno) aumentaram 1,1%. Ou seja, na verdade as exportações aumentaram mais, aumentaram 4,4%, enquanto o consumo aumentou menos, aumentou apenas 1,8% (cf. as taxas de variação em volume das duas componentes no ficheiro A.1.2.5.8). A componente das exportações “esforçou-se” mais que a componente do consumo, mas ao contrário desta foi penalizada com preços que baixaram, certamente não por vontade dos produtores portugueses.

(continua abaixo)

Anónimo disse...

(conclusão)

As duas falácias, a de tomar o crescimento nominal em vez do crescimento real das componentes e a de tomar as variações absolutas em vez das variações relativas (percentuais) de cada uma, como se não fossem de dimensão profundamente desigual, distorce bastante o apuramento real dos contributos de cada componente para o crescimento económico.

Por isso, tanto a metodologia do INE como a metodologia (muito mais correta) do BP trabalham com as variações em volume (reais) das componentes e determinam os seus contributos (brutos no primeiro caso, líquidos no segundo) para a taxa de crescimento do PIB multiplicando as taxas de crescimento de cada componente (ou seja as suas variações relativas, não absolutas) pelos pesos das respetivas componentes no PIB.

Onde as metodologia do INE e do BP divergem é que enquanto a primeira se fica pelos contributos brutos a segunda calcula os contributos líquidos, isto é, desconta corretamente a parte importada requerida, direta ou indiretamente, pelo consumo privado, pelo consumo público, pelo investimento e pelas exportações, separadamente. Para tal, beneficia e utiliza a informação, apurada aproximadamente com base nas matrizes de input-output, dos conteúdos importados de cada uma daquelas componentes.

Esses cálculos ainda não foram apresentados este ano. Tudo o que temos é a avaliação para 2016 e a projeção para 2017 apresentadas pelo Banco de Portugal em dezembro do ano passado (no respetivo Boletim Económico, p. 7, quadro 1.1).

Nela podemos ver que o contributo da procura interna (consumo público e privado + investimento) e o contributo da procura externa (exportações) foram aproximados e relevantes, como conclui acertadamente o Alexandre Abreu, apesar das distorções da sua análise.

Os contributos da procura interna e das exportações para o crescimento, de 1,6%, em 2016 foram respetivamente de 0,7% e de 0,9%. Os seus contributos para o crescimento, de 2,7%, em 2017 foram respetivamente de 1,2% (há uma gralha no texto que lhe retira uma décima) e de 1,5%. É possível que estes números, especialmente os relativos a 2017, ainda sofram revisões.

Mas a conclusão fundamental do Alexandre mantém-se. Não se pode desvalorizar, muito menos menosprezar, nenhum dos dois “motores” do crescimento português, o da procura interna e o da procura externa.

Uma das grandes vantagens da metodologia do Banco de Portugal é que permite responder com toda a facilidade à pergunta de quanto teria sido o crescimento, por exemplo em 2017, se não tivesse aumentado a procura interna ou se não tivesse aumentado a procura externa.

Se a procura interna (consumo + investimento) não tivesse aumentado em 2017, se apenas tivesse aumentado a procura externa (exportações), a economia nacional teria crescido 1,5%. A propósito, não teria crescido -0,2%, ou seja não teria decrescido, como pode sugerir absurdamente a metodologia do INE (cf. recente destaque do INE, de 28 de fevereiro de 2018, p. 2, quadro dos contributos) ao não subtrair os conteúdos importados dos crescimentos brutos e ao comparar o contributo bruto da procura interna com o contributo da procura externa líquida, entendida como a diferença entre as exportações e todas as importações, seja as que entram nas exportações, seja as que entram no consumo e investimento. Se a procura externa (exportações) não tivesse aumentado em 2017, se apenas tivesse aumentado a procura interna, a economia nacional teria crescido 1,2%.

Repito que nisto tem muita razão o Alexandre. Ambas foram cruciais para o crescimento registado nestes dois anos.

Anónimo disse...

Caro João Ramos de Almeida,

queira desculpar, por desatenção coloquei aqui um comentário, pela sua extensão dividido em duas partes (às 01:33 e às 01:34, de 13 de março), que se destinava ao post seguinte do Alexandre Abreu («Os motores do crescimento português»).

Já o recoloquei, corrigido e melhorado, no sítio certo.

Alexandre Abreu disse...

Ao comentador da 01:33: inseriu por engano o seu interessante comentário no post errado. Respondi entretanto no post correcto.

Miguel Mattos Chaves /PhD disse...

Caro João Ramos de Almeida,
Gostei do seu texto e da tentativa parcialmente conseguida de se manter equidistante.
Dada a correcção e elevação do seu texto irei juntar o texto integral da Minha Moção (já agora sou Miguel Mattos Chaves e não Luís) pois a seriedade com que analisou as questões é de louvar.
Melhores cumprimentos
Miguel Mattos Chaves

Miguel Mattos Chaves /PhD disse...

Dada a extensão da minha Moção aqui lhe deixo o LINK:
Grato pela sua atenção sou
Com os meus cumprimentos
Miguel Mattos Chaves

LINK: https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38035599#editor/target=post;postID=8595735311165655017;onPublishedMenu=allposts;onClosedMenu=allposts;postNum=3;src=postname

Anónimo disse...

Como há personagens de direita que dão lições a comentadores residentes da extrema-direita neste blog