quarta-feira, 21 de março de 2018

Marielle


«Quando Marielle decidiu se candidatar ao cargo de vereadora na cidade do Rio, não tive dúvidas: era dela meu voto. Conhecia a pessoa, acompanhava seu trabalho há anos. Sequer hesitei. Lembro do dia da apuração dos votos, amigos na Lapa, celular na mão, atualizando sistematicamente o aplicativo do TSE. Marielle bateu 5 mil, 6 mil, 10 mil, 15 mil votos. Era inacreditável. Foi a 46 mil votos. Uma votação histórica. Uma coisa raríssima: uma mulher negra, moradora de favela eleita vereadora no Rio. Me lembro que sua primeira medida foi propor um projeto para que as creches municipais atendessem também à noite. Ela sabia a hora que mães periféricas chegavam em casa. Pensei: “valeu meu voto”. Marielle se foi. Sabe quantas fotos de Marielles mortas eu vejo todos os dias? Dezenas, de todos os ângulos, compartilhadas pelas redes, imagens com legendas como “toda furada”. A banalidade do mal. Por causa do trabalho eu vejo corpos – ou pedaço de corpos – diariamente, nesse Rio de Janeiro ocupado, usado por gente como os políticos que decidiram intervir nele militarmente apenas como cavalo de batalha eleitoral. 38 anos. Minha idade. Marielle tinha muita vida pela frente. Vai fazer muita falta. Falta para família, amigos, para a política do Rio de Janeiro. Sigamos. Por Marielle»

Cecília Olliveira, Marielle Franco, minha vereadora, assassinada

«Não pretendo (...) fingir que sou brasileira e que sinto na pele o que é ter um país sequestrado, dividido e uma democracia em convalescença. Também não quero tentar sequer comparar-me a quem convive quotidianamente com a morte programada e com a violência direccionada que mata centenas de milhares de jovens negros e pobres em nome da luta contra o crime, que se traduz na legitimação de um genocídio que subtrai vidas negras a cada segundo. Mas, assim como hoje em toda a parte, junto a minha voz a todos e a todas que choram e gritam a morte de Marielle. Porque a Maré cheia de futuro e optimismo vazou para o mar/Rio vermelho do sangue dos meus irmãos e irmãs negras desse Brasil. E porque a luta dos negros e negras de todo o mundo é a mesma luta. (...) Porque os negros são os espelhos uns dos outros nos momentos de dor e consternação. Isto não é poesia, acreditem. E tudo isso faz com que eu precise, mesmo não querendo, de roubar essa dor aguda e profunda para me conectar com os meus do outro lado do Atlântico (...) A vereadora Marielle Franco foi executada juntamente com o motorista Anderson Pedro Gomes. Enfrentou a face oculta do poder com a desfaçatez de uma crente nas instituições democráticas. Sorriu e ironizou, dando lições aos detentores de armas de fogo e canetas de pólvora. Contra a violência policial, contra a militarização do Estado, própria das ditaduras e dos fascismos cinzentos que a História já conheceu»

Joacine Katar Moreira, Marielle Franco e a hegemonia do medo

«Negra, favelada, feminista, bissexual e esquerdista, Marielle representa tudo o que a direita brasileira mais odeia. Falava em nome dos invisíveis e denunciava as arbitrariedades daqueles que os esmagavam. Estava-lhe reservado o que o bruto poder do ódio e do privilégio usou para calar Chico Mendes ou fazer desaparecer os meninos da Candelária: quatro tiros na cabeça. (...) As mesmas forças que manipularam o sentimento de indignação com a corrupção para porem os seus corruptos no poder, que usaram a insegurança que a crise alimenta para, através do exército, impor a arbitrariedade como forma normal de agir, que através de uma crise política, social e moral que alimentam estão a capturar e a matar a democracia, ficaram muito chocadas com o aproveitamento político que a esquerda está a fazer desta execução política. Pelo contrário, espero que os que resistem ao regresso ao passado usem este assassinato para dar força à sua luta. Só isso respeita a memória de Marielle. Só isso a mantém lutadora depois da execução. Só isso dá sentido, se algum sentido pode haver, à sua morte. Só assim não terão conseguido calar a voz negra, favelada e feminista que tanto os incomodava»

Daniel Oliveira, Que a morte de Marielle vos atormente tanto como a sua vida

1 comentário:

Anónimo disse...

O silêncio nos comentários a este post também é elucidativo.

Muita coisa dita. Muita coisa por dizer. O fascismo avança às claras no Brasil. Sob a cumplicidade duma grande parte da comunicação social e com comentários inenarráveis da extrema-direita nas caixas desses mesmos jornais, quantos sob perfis falsos