Na sexta-feira passada, a propósito do livro que celebra o 10º aniversário do Observatório das Desigualdades (OD), o Público chama à capa uma notícia bombástica: «Desemprego real é o dobro do que mostram os números oficiais». Curiosamente, talvez porque os tempos eram outros, uma notícia semelhante não teve o mesmo destaque em março de 2015, quando a taxa de desemprego real era bem mais significativa (superior a 25%), de acordo com as conclusões do estudo do Observatório das Crises (OsCA). Nessa altura, de facto, quem no Público acabaria por prestar mais atenção a esse trabalho foram cronistas como João Miguel Tavares e Fátima Bonifácio, que o tentaram descredibilizar, alegando falta de «cientificidade» e sugerindo que o mesmo não passava de um exercício de «endoutrinação».
Na devida altura (agosto de 2017), o João Ramos de Almeida chamou à atenção para o facto de o INE voltar a publicar dados agregados sobre formas atípicas de desemprego (não integradas no cálculo do desemprego oficial), retomando o conceito de «desemprego em sentido amplo», mas agora sob a designação de «subutilização do trabalho». Este indicador, suspenso durante os anos da troika, não recupera contudo os critérios anteriores, tornando impossível reconstituir, nos mesmos moldes, a série de dados anterior a 2011 (gráfico aqui em cima). Entre as várias alterações sobressai a transição do subemprego para o universo dos ativos empregados (até 2009 fazia parte da população inativa) e dos desencorajados para o universo dos inativos, passando os ocupados a ser contabilizados também como emprego e não como desemprego (escapando portanto aos cálculos da respetiva taxa).
Ora, o que os exercícios do OsCA e do OD pretendem é justamente apurar de forma global as diversas situações de desemprego, de modo a melhor refletir a dimensão real do fenómeno, superando assim as limitações dos cálculos oficiais de emprego e desemprego. O que permite, por seu turno, evidenciar até que ponto os critérios estatísticos adotados em 2011 ajudaram por um lado a dissimular a degradação do mercado de trabalho na vigência do anterior Governo (camuflando o desemprego) e, por outro, compreender a sua evolução desde o final de 2015.
A partir destes exercícios é possível fixar alguns pontos relevantes: sobretudo entre 2013 e 2015, o volume de «desempregados ocupados» foi essencial para esconder o desemprego (se em 2011 os «ocupados» representavam 7% das formas atípicas de desemprego, em 2014 e 2015 assumem um peso de quase 30%, descendo desde então para valores já próximos dos 20%); é apenas em 2015 (e não em 2014) que o desemprego oculto começa a diminuir, sendo significativa a queda entre 2015 e 2017 (-131 mil). Ou seja, o facto de o desemprego real ser em 2017 «o dobro do que mostram os números oficiais» não significa - ao contrário do que possa sugerir a manchete do Público - que o desemprego oculto esteja a aumentar. Não, apenas a recuperação do mercado de trabalho tem sido essencialmente feita, como é natural, através de um ritmo de integração dos desempregados contabilizados pelo INE, que é superior ao da integração de desencorajados, do subemprego e dos «ocupados». Um desemprego real acima do desemprego oficial não é portanto propriamente uma «notícia». E muito menos uma notícia bombástica.
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14 comentários:
Errado, exatamente ao contrário, os “desencorajados e o subemprego” passam a entrar para o universo dos ativos (e não dos inativos) no novo indicador da subutilização do trabalho, sem dúvida mais apropriado e próximo da realidade. Na verdade, mais rigorosamente, apenas os desencorajados passam a entrar para a “população ativa alargada”, visto que os subempregados já aí eram, e continuam a ser, considerados.
Aliás, é fundamentalmente pela inclusão ou consideração dessas categorias, nos desempregados (em sentido lato) e na população ativa (em sentido lato), que a taxa de desemprego traduzida por este indicador (mais próxima da taxa de desemprego real) é quase o dobro da taxa de desemprego oficial em sentido restrito.
Não sei se percebo a sua figura: o desemprego real não inclui o desemprego oficial?
Caro anónimo das 15h51, agradeço muito os seus reparos, tendo já feito as devidas correções no post. Obrigado.
Caro anónimo das 16h13, havia de facto um problema na legenda do segundo gráfico. Não se trata de distinguir desemprego oficial e real, mas sim desemprego oficial e desemprego oculto. Agradeço-lhe a chamada de atenção. Obrigado.
O que no momento me parece importante é saber onde está o emprego a ser criado pois esse é o indicador da sua sustentabilidade e valia e simultaneamente pode legitimamente ser associado a políticas económicas e de emprego.
Tudo não passa de propaganda estatistica! Claro que não podemos comparar as séries oficiais da taxa de desemprego: quer pelos motivos que aqui se assinalam, quer pelas remunerações diminuidas, pela precariedade do novo emprego criado, pela alteração das condições do subsidio de desemprego, pela facilidade do despedimento. Em, A Ilusão Neoliberal (2000), René Passet, já dizia que na França a taxa de desemprego oficial era de 10% e no RU era de 4%, sendo que os proselitos do neoliberalismo já diziam que isto mostrava a vitalidade da Economia do Reino Unido face à França, sendo que este autor já aí desfazia o engano, dizendo que se em França fosse aplicada a regulamentação laboral do RU, a taxa oficial de desemprego passava automaticamente para 4%! Nada revelava portanto da vitalidade da Economia. O que se encontra escondido nos números leva a que muita gente não perceba como pode a extrema direita estar em 2º na Alemanha em intenção de votos. Convem saber que o neoliberalismo já foi aplicado na Alemanha e que os seus trabalhadores sofrem na pele, o que os numeros escondem! Enfim, a velha propaganda na luta de classes...
Na minha opinião não vale a pena perder muito tempo com taxas de desemprego, subutilizações e outros indicadores indiretos. Penso que existem indicadores muito mais diretos e que penso que serão muito mais relevantes e penso que serão relativamente fáceis de obter ( assim haja vontade política para tal), por ordem de importância: nº de postos de trabalho, salário médio, total de descontos para a SS.
Estas são estatísticas que na minha opinião aferem muito mais diretamente a realidade do que a taxa de desemprego. Basta pensar por exemplo que a emigração em massa de trabalhadores faz baixar a taxa de desemprego. Se não tivesse existido essa emigração em massa as taxas de desemprego teriam sido muito superiores nos anos da troika.
O que este post denuncia em primeira-mão são os media empenhados no pafismo desbragado. Incluindo o exercício de ocultação de luzes ao tempo em que o actual "catedrático", com uma licenciatura manhosa, era primeiro-ministro.
Os pontos nos is são fundamentais para um olhar adequado sobre a realidade. Por isso, se se percebe a pressa do sujeito das 17 e 46 para tentar esconder a trampa propagandista (atendendo à sua fidelização com o projecto troikista), não parece adequado deixar passar esta fuga para a frente.
Claro que depois o que parece mais legítimo ao mesmo sujeito é a mistificação pura. Cismou o sujeito que essa história da reversão de algumas medidas criminosas daquele génio agora "catedrático" era o prenúncio da vinda do diabo.
A legitimidade agora invocada é apenas um "choradinho" para esconder esta tão simples coisa:
A direita neoliberal passou dois anos a desvalorizar a possibilidade de a Procura Interna ser significante para o crescimento económico do País. Após a divulgação, pelo INE, de que em 2017 o crescimento se deveu, sobretudo, àquele factor, a direita bem tenta mudar de agulha – só não pode mudar a realidade.
Cada mulher que nasce é mais uma estrela que brilha na terra e ilumina o caminho da vida. Embora sendo homem nada me impede de homenagear poeticamente esse ser humano ímpar.
Embora não perceba nada de gráficos gostei de ler o texto e os comentários que a esse se referem
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* (Poetizando e Encantando) MULHER ... O Equilíbrio da Vida *
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Votos de um dia feliz
Não se percebe bem o que vitor quer. Parece que em relação à segurança social esta tem tido um rombo de todo o tamanho com as falcatruas não só das entidades patronais, como de vários governos interessados mais na sua privatização
Mas de facto saber a taxa de desemprego é extremamente importante para aquilatar da falência dos projectos neoliberais.
O seu cálculo de forma correcta é que é fundamental.A identificação das trafulhices e das aldrabices que os números escondem é uma pedra basilar. E este blog tem sido uma mais valia na clarificação da manipulação dos números pela trupe neoliberal.
"Enquanto os generais ganham as batalhas recrutando exércitos os capitalistas ganham-nas "descarregando" o exército de trabalhadores":Karl Marx: Salário, preço e lucro (1865)
( a partir de um comentário de António Geraldo Dias)
"Embora tenha passada despercebida a sua dimensão, o certo é que, no nosso país, com a crise e com a "troika" registou-se uma reestruturação violenta e rápida do mercado de trabalho, que determinou a expulsão maciça de trabalhadores com o ensino básico, que foi muito superior ao emprego destruído. Associado a isso, aumentou a proletarização e a precariedade, e os baixos salários tornaram-se cada vez mais dominantes. É tudo isto que vamos procurar mostrar utilizando dados oficiais divulgados pelo INE."
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"Entre 2000 e 2017, o emprego em Portugal diminuiu em 264.000, mas os empregos ocupados por trabalhadores com ensino básico sofreram uma redução de 1.685.000, portanto um valor superior em mais de 6 vezes à redução registada no emprego total. No mesmo período, o emprego dos trabalhadores do ensino secundário aumentou em 661.000, e os com ensino superior em 760.000, o que não foi suficiente para compensar a destruição de empregos ocupados por trabalhadores com o ensino básico."
Eugenio Rosa
Eugénio Rosa merece ser lido com atenção
Foi um dos que demonstrou inequivocamente o facto que foi a Alemanha que beneficiou mais com o Euro. Nunca lhe perdoaram os europeístas germanófilos.
Mas a propósito da transcrição sempre oportuna do texto de Eugénio Rosa continuemos a denúncia impiedosa que este faz sobre a reestruturação violenta do mercado de trabalho em Portugal e o aumento da proletarização e da precariedade e dos baixos salários
"Se dividirmos o período 2000/2015 em dois subperíodos (2000/2007 e 2007/2015), constamos que foi durante os governos de Sócrates/Passos Coelho/Portas/troika que a destruição de emprego ocupado por trabalhadores com o ensino básico foi mais intensa já que, nesse período, a destruição de emprego total atingiu 621.000 postos de trabalho, e a de empregos ocupados por trabalhadores com o ensino básico atingiu 1.378.000.
Se analisarmos a variação do emprego anual por governos constamos, que foi durante o governo de Passos Coelho/Portas/troika que a média anual de destruição de emprego de trabalhadores com ensino básico foi mais elevada, tendo atingido 158.000/ano, pois durante o governo de Sócrates a média, embora também elevada, foi de 125.000/ano. Durante os dois anos de governo PS/Costa, o emprego ocupado por trabalhadores com ensino básico diminuiu 9.000/ano, mas o emprego total aumentou em 104.000/ano.
Durante muito tempo a redução de trabalhadores com o ensino básico foi lenta (entre 2000 e 2007, o peso do emprego com ensino básico no emprego total diminuiu apenas de 78,7% para 70,8%, o que era um importante obstáculo ao desenvolvimento e a prova de que o sistema de ensino não estava adequado às necessidades do país), mas a partir de 2007, com a crise e com a "troika", a redução fez-se de uma forma rápida e violenta, o que atirou centenas de milhares de trabalhadores para a miséria, pois a taxa de cobertura do subsidio de desemprego em relação ao desemprego real (não o oficial) foi sempre e continua a ser inferior a 50%"
Eugénio Rosa.
Continua impiedoso Eugénio Rosa:
"Outra consequência importante desta reestruturação violenta do mercado de trabalho no nosso país, foi o aumento da proletarização, do trabalho a tempo parcial, muitas vezes determinado pelo facto do trabalhador não encontrar trabalho a tempo completo, e da precariedade
Como revelam os dados do INE, entre 2000 e 2017, o peso dos trabalhadores por conta de outrem no emprego total aumentou de 72,7% para 83%, o que é um indicador claro da crescente proletarização da sociedade portuguesa. No mesmo período, os "trabalhadores por conta própria como isolados" (terminologia do INE), portanto sem empregados, diminuiu, em percentagem da população empregada, de 17,5% para 11,8%, o que mostra bem o falhanço do "empreendorismo" e do "fim do trabalho assalariado". E, como revelam também os dados do INE, entre 2000 e 2017, a percentagem de patrões (na terminologia do INE "Trabalhadores por conta própria como empregadores") na população empregada total diminuiu de 4,5% para apenas 3,3% do total.
Em Portugal, e certamente está a acontecer o mesmo nos outros países, está-se a verificar uma divisão cada vez maior da sociedade em que, por um lado, estão aqueles que têm para viver o seu salário, por isso designados por assalariados, que, em 2017, já representavam 83% de toda a população empregada, a que se pode ainda adicionar uma parte dos "trabalhadores por conta própria como isolados" que são verdadeiros trabalhadores por conta de outrem (os chamados "recibos verdes") ; e, por outro lado, uma reduzida percentagem de patrões, cada vez mais pequena (em 2017, eram apenas 3,3% da população empregada), mas que detém a propriedade dos meios indispensáveis à produção de bens e serviços, e que empregam o trabalho assalariado para produzir valor, apropriando de uma parcela do valor criado pelos assalariados, que constitui a fonte dos seus lucros e enriquecimento. "
"Um indicador desta crescente exploração é o facto de que, em 2016, segundo o INE, os "Ordenados e salários" recebidos pelos trabalhadores, que constituíam mais de 82% dos empregados, ou seja, pelos trabalhadores por conta de outrem correspondia apenas a 34,2% da riqueza criada por eles (PIB), enquanto o Excedente Bruto de Exploração apropriado pelos donos de empresas representava (3,3% da população empregada), correspondia a 42,8% do PIB. A sociedade portuguesa está cada vez mais desigual e dividida: os trabalhadores que representam mais de 82% dos produtores de riqueza recebem pouco mais de um terço da riqueza que criam, enquanto os proprietários das empresas, que representam cerca 3% da população empregada, recebem diretamente 42,8% do PIB, ou seja, da riqueza criada pelos
trabalhadores. A questão que se coloca é naturalmente esta: Quando se corrigirá esta profunda desigualdade e injustiça que continua a dividir a sociedade portuguesa?"
Daqui:
https://aviagemdosargonautas.net/2018/02/13/a-reestruturacao-violenta-do-mercado-de-trabalho-em-portugal-aumento-da-proletarizacao-e-da-precariedade-e-baixos-salarios-por-eugenio-rosa/
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